Capa|O corpo educa. A arte integra

O coreógrafo Ivaldo Bertazzo trabalha corpos e mentes de adolescentes da periferia, e eles retribuem. Levam dança, arte, educação e cidadania de volta para sua comunidade

Em Cena
No palco do Teatro Tuca, em São Paulo, o Cidadança em ação: Tudo o que Gira Parece a Felicidade

Por Xandra Stefanel

Silêncio total na coxia. Nem parece que atrás do palco há uma centena de moças e rapazes ansiosos para apresentar o resultado de meses de trabalho, ensaios e aprendizados. Enfim, as cortinas se abrem para as expressões extasiadas em seus corpos agora lapidados pela técnica da dança contemporânea. Eles fazem parte do Cidadança, projeto do coreógrafo Ivaldo Bertazzo para desenvolver a expressividade de adolescentes pelos caminhos da arte-educação.

O espetáculo Tudo o Que Gira Parece a Felicidade começou a ser desenhado em agosto de 2006, parceria entre a Escola de Reeducação do Movimento Ivaldo Bertazzo, a Secretaria Especial para Participação e Parceria de São Paulo e a Associação de Apoio ao Programa Capacitação Solidária. Os jovens foram selecionados por intermédio de organizações não-governamentais – em que atuavam como voluntários ou eram atendidos por algum programa dirigido a adolescentes moradores da periferia. De 500 indicações e inscrições, 100 foram escolhidos para integrar o projeto, culminado com apresentações no Teatro da Pontifícia Universidade Católica (Tuca), em maio. Durante esses meses, receberam bolsa de estudos, aulas de fisioterapia, linguagem, reeducação do movimento, além de assistência médica, dentária e psicológica. A precondição: ir bem na escola e manter o trabalho comunitário.

Laís Pereira Flávio, de 18 anos, foi uma das escolhidas. Na ONG Pequeno Príncipe, em Parelheiros, zona sul de São Paulo, ajudava voluntariamente na horta e no reforço escolar, e passou a ensinar ciranda para crianças de 7 a 12 anos e dança contemporânea para adolescentes de 14 a 17. “É uma conquista aprender com o Ivaldo. E me ajudou a ter mais certeza de que quero fazer faculdade de Fisioterapia. Quero mostrar o que aprendi para pessoas que não tiveram possibilidade e mostrar que também na periferia tem muita cultura”, afirma a dançarina, ainda com o figurino do espetáculo.

Como Laís e os outros 99 integrantes do Cidadança, seus professores vieram igualmente de bairros distantes. Em maio de 2003 uma seleção trouxe 41 jovens de 14 a 29 anos para fazer 32 horas semanais de curso de reeducação do movimento e coordenação motora, complementados com aulas de canto, percussão, ritmo, lingüística, saúde e história da dança. Eles faziam parte do projeto Dança Comunidade/Sesc. Nove desses jovens, hoje bailarinos profissionais da companhia de Ivaldo Bertazzo, deram aula para a turma do Cidadança.

width=300 A arte de educar
Bertazzo: “Na verdade, arte-educação é trabalhar de mãos dadas com o sistema de educação e saúde. É um atalho para o aprendizado”

Onde tudo começou

Em 1999 Bertazzo foi estudar o corpo brasileiro em favelas do Complexo da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro. Ele diz que o corpo da periferia tem uma expressão completamente distinta e era necessário saber que exercícios esse corpo precisa para que a pessoa se desenvolva também intelectualmente. “Esse corpo diferente só é possível quando você o coloca no mesmo patamar que o dos bailarinos. A estranheza de trazer o entendimento de outras culturas no seu corpo por meio da experiência musical e expressiva é uma pororoca, e é isso que fortalece sua expressão. Só aí