Habitação|Mar de lonas

No acampamento João Cândido, em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo, milhares de famílias são movidas pela solidariedade e pelo sonho da moradia digna

Em busca de um lar
A maioria dos acampados mora de aluguel, de favor ou em favelas e áreas irregulares

Por Luciano Máximo

Passa das 9 da noite no acampamento João Cândido. Cinco mil barracos formam um mar de lonas escuras. Construídas em linha, as tendas preenchem o amplo vale ocioso ocupado pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), em Itapecerica da Serra, na divisa com a cidade de São Paulo. Fogueiras amenizam o ar de assombro. Lançam fagulhas, aglutinam pessoas em rodas com música, comida e bebida. Há muita vida no lugar. Misturo-me às mais de 3 mil famílias que habitam os telheiros escuros e compartilham o sonho da morada digna.

Próximos do fogo, o catador de papelão Antônio, a cozinheira desempregada Maria José e um pequeno grupo de novos vizinhos contam que não hesitaram em mudar para o acampamento. Conheci Antônio Ferreira, catador de recicláveis de 57 anos, pela manhã. Montava seu barraco e ajudava os vizinhos. Na carroça, trazia caixas vazias de papelão – desprezadas por consumidores das Casas Bahia, a uns quatro quilômetros dali – que em breve serão o colchão dos menos precavidos – eu entre eles.

Antônio é baiano de Ilhéus. Chegou a São Paulo há mais de 20 anos. Já vendeu relógios paraguaios, consertou carros, ajudou a erguer casas. Sonhava construir a sua, com a mulher e as duas filhas. Os planos não saíram como ele queria. Sucumbiu à bebida, viu a família voltar para a Bahia, parou na rua. Hoje mora de favor com a irmã mais velha. Tem, além da carroça, sofá-cama, tevê de 14 polegadas e um gaveteiro. As roupas são poucas, como a privacidade de quem mora de favor. “Tiro 500, 600 reais por mês, por que não posso ter minha casa?”

A cozinheira Maria José Penteado, de 43 anos, saiu de Sergipe há 17. Há pouco tempo estava empregada e quase metade do salário ia para o aluguel. “Fiz uma promessa para meus filhos: vou conquistar nossa casinha.” O mais velho, de 16 anos, virou “chefe” da casa e responsável pelas duas irmãs menores, enquanto Maria José passa dia sim, dia não no acampamento. “Minha mãe e vizinhos também ajudam, as crianças não podem perder aula. O dinheiro do seguro-desemprego vou usar para manter o aluguel em dia e para procurar outro trabalho, e tenho certeza que logo vamos ter uma definição aqui, um plano pra gente pagar por uma casa nossa.”

Sol e chuva

Não há energia elétrica nem água corrente. Higiene pessoal se resume a banho com canequinha e escovar os dentes com água suspeita, armazenada em garrafas plásticas. Banheiro é ao ar livre, há um grande esforço para construir mais fossos longe dos barracos. “Às vezes dá medo ir lá no meio do mato”, diz uma jovem acampada. A comida é preparada em fogareiros no chão de terra ou nos barracões de lona das cozinhas comunitárias. Arroz, macarrão, sopa são as opções – lavar a louça depois dá um trabalho fora do normal.

Quando chove é um deus-nos-acuda. Quando o sol está muito forte é impossível ficar sob a lona. Para compensar, tem o futebol no campo oficial da ocupação. O Morro do Osso é o principal time. Os ruídos de crianças brincando no fim de semana ou na creche instalada no acampamento também combatem o baixo-astral. Há ainda manifestações culturais, debates, música, teatro.

A maioria dos acampados mora de aluguel, de favor ou em favelas e áreas irregulares. No geral, são famílias que ganham até dois salários mínimos e sofrem com a burocracia para participar de um programa habitacional. O terreno ocupado tem mais de 1 milhão de metros quadrados. A área virou ponto de ação de traficantes e ladrões de carro. No local funcionava o Frigorífico Eder, que faliu. Foi arrendado pelo Banco do Brasil, repassado ao Banco No