Entrevista|Brincar, atuar, transformar

Na arte de Antonio Nóbrega, música dialoga com dança, e esta com uma história engraçada, e esta com o instrumento. Para ele, as manifestações da cultura popular são ricas em conteúdo e sonho

Por Krishma Carreira e Paulo Salvador

O músico pernambucano Antonio Nóbrega tem formação erudita, paixão pelo violino e encantamento pela arte popular. Em seus espetáculos canta, toca, dança, movido por esses ingredientes, reunindo folclore, literatura de cordel, circo, carnaval e, claro, frevo, para ele o grande representante de nossa arte. O ingresso de Antonio Nóbrega nesse mundo deve-se ao dramaturgo paraibano Ariano Suassuna, que o recrutou para o Quinteto Armorial, em 1969, um dos primeiros grupos a criar música de câmara erudita com raízes da cultura popular. Atualmente, esse diplomata da cultura brasileira tem sua embaixada no Teatro Brincante, na Vila Madalena, bairro boêmio de São Paulo. Foi nessa casa especial que Nóbrega recebeu a Revista do Brasil. Os ingressos para seus shows sempre se esgotam rapidamente, embora seu trabalho não freqüente jornais, revistas, televisão ou rádio. Talvez porque ele mostre um Brasil que a mídia não faz questão de revelar. E por que os shows ficam tão lotados? Foi o que a RdB quis saber e mostrar nesta entrevista.

Qual é sua grande paixão, música ou dança?

Eu não conseguiria ser um artista filiado a um único desses universos. Gosto muito da dança, mas gosto com muita intensidade do violino. Não pratico uma manifestação artística só com o fim de me expressar, mas também de me colocar um pouco mais dentro de mim mesmo. A pessoa pode não ser dançarina profissional, mas ao praticar uma dança ela se reequilibra um pouco consigo mesma. Como eu também acredito que, para quem toca um instrumento – mesmo não sendo um profissional -, no momento em que ele está com um instrumento tem algo de terapêutico. Por isso tenho dificuldade de dizer qual é minha maior paixão. Eu gosto do conjunto, da soma.

Essa multiplicidade foi planejada?

Quando Ariano (Suassuna) me chamou para o Quinteto Armorial foi na condição de músico instrumentista. Mas, antes do Quinteto, eu tinha um conjunto com as minhas irmãs, em que já me exercitava como bailarino, quando tinha de 13 a 16 anos. Então, com o convite de Ariano, eu apenas fiz uma pausa. Porque, à medida que comecei a me encontrar, a descobrir os artistas populares, fui retomando a dança. Mas já sob um novo olhar, uma nova orientação.

O que despertou em você a cultura popular?

Se o Ariano não tivesse me convidado (para integrar o Quinteto Armorial), eu provavelmente desconheceria.

Como ele o descobriu?

Eu fazia parte de algumas orquestras, a Orquestra Sinfônica, a Orquestra de Câmara da Paraíba, e ele me viu tocando um concerto de Bach, na Igreja de São Pedro dos Clérigos, no Recife. Ele precisava de um violinista e me chamou. Mas até àquela altura eu, como os demais filhos da classe média brasileira, desconhecia a cultura brasileira em geral e, particularmente, a nossa cultura popular. Comecei a conhecer os Cantadores, o Bumba meu Boi, a música dos Caboclinhos, dos Maracatus, a figura do passista, e todo esse elenco de artistas e manifestações foi me fascinando, me seduzindo intensamente. Isso foi um processo longo, de mais de dez anos, que continua ainda hoje, de apreensão desse universo, que veio se tornando a referência maior para meu trabalho de criação. Não a única. Mas o chão maior sobre o qual o meu trabalho repousa.

Você saiu do erudito para a capoeira. Isso não é popular, é uma tarefa complexa.

O popular é muito rico. O popularesco é na verdade uma degradação do popular. O popular é rico porque dentro do universo da cultura popular