Ponto de Vista|O tumulto da sucessão

O fim ou não da reeleição e o tempo de duração dos mandatos ocupam indevidamente o centro das discussões, que deveriam privilegiar uma verdadeira reforma política

Por Mauro Santayana

Uma das piores tradições brasileiras é a abertura do processo sucessório logo
depois de empossado o presidente da República. A única vantagem do sistema de
reeleição é que, frente ao quase inelutável segundo mandato do titular, a
inquietação política se adie por dois ou três anos. Eram também costumeiras,
durante a República de 1946-1964, as propostas de alteração constitucional, de
forma a acomodar os apetites políticos, tais como a prorrogação de mandatos,
para a coincidência dos pleitos, sempre com o pretexto de baratear o custo das
eleições. Durante o regime militar os mandatos espichavam ou se reduziam,
conforme o arbítrio de quem estivesse no poder.

O presidente Lula está há quatro meses no cumprimento de seu segundo mandato,
e o processo eleitoral tumultua a estabilidade política. A duração dos mandatos
ocupa o centro das discussões sobre a reforma política, tomando o lugar do voto
distrital, que vem sendo pauta permanente da preocupação dos formuladores
políticos.

Fala-se em cinco anos, em substituição aos quatro tradicionais, e no fim da
reeleição. É curioso que se pense tanto na duração dos mandatos executivos.
Durante o regime republicano de Roma (que sucumbiu com a chegada de Augusto ao
poder), o Poder Legislativo era exercido pelo Senado, formado pelos
representantes vitalícios das elites aristocráticas e pelo tribunato da plebe,
que representava o povo.

Já o Poder Executivo, confiado a dois cônsules, era eleito diretamente pelos
comícios populares e tinha apenas um ano de duração. Quase sempre um dos
cônsules, ou os dois, que eram votados separadamente, se reelegiam, mas essa não
era a regra. A chave da estabilidade do sistema, que durou 450 anos, sempre foi
a tensão entre a plebe e as oligarquias aristocráticas: ainda que os plebeus não
pudessem chegar ao Senado, podiam ascender, pelo seu mérito, à chefia dos
exércitos e ao cume do Poder Executivo. Em suma, a curta duração dos mandatos
não prejudica o desempenho do governo republicano – desde, é claro, que o regime
seja realmente republicano.

O problema político fundamental do Brasil é outro. Continua sendo, como
sempre foi, desde que Tomé de Sousa chegou à Bahia, a injustiça contra os
trabalhadores. Lula é o primeiro trabalhador manual a chegar à Presidência da
República, e as elites, hábeis, tratam de frustrar o seu projeto. Nunca, a não
ser durante o segundo governo Vargas, houve alinhamento tão completo dos meios
de comunicação ao pensamento conservador do que nestes anos.

Procura-se, de toda forma, menosprezar os êxitos inegáveis do governo, no
combate às desigualdades sociais, e os resultados favoráveis da economia são,
capciosamente, creditados ao neoliberalismo. Embora a força dos neoliberais não
tenha cedido no essencial, a atuação governamental tem sido de resistência.

O resultado objetivo, com a queda das taxas de juros – ainda muito morosa -,
com a redução da dívida em moeda estrangeira, com o substancial saldo na balança
comercial e, em conseqüência, o equilíbrio no balanço de pagamentos, mostra que
esta é a melhor administração republicana desde Juscelino (se levamos também em
conta o resultado das políticas sociais, na redução da pobreza).

É necessário que as forças populares se mantenham mobilizadas. Os
conservadores querem desesperadamente retornar ao governo, e vão tumultuar a
situação política como lhes for possível, usando como instrumento de conturbação
a discussão sucessória. Lula, em que pese o apoio que os meios empresariais vêm
lhe dando, só pode contar com os trabalhadores e os setores de esquerda da
classe média, a fim de cumprir o seu mandato constitucional, com os mesmos
resultados obtidos até agora.

Mauro Santayana é jornalista, colunista do Jornal do Brasil