Futebol|Favoritas anônimas do Pan

A seleção brasileira feminina de futebol começa sua preparação a três meses do início dos jogos no Rio. Elas querem o ouro, mas também respeito, reconhecimento, o fim do preconceito e do descaso

Público cativo
As meninas de Botucatu conseguem atrair até 3 mil espectadores para seus jogos


Por Giedre Moura

Uma medalha olímpica pode conferir a um atleta respeito, reconhecimento e, quem sabe, investimentos. Com isso sonhavam as meninas da seleção brasileira de futebol, ouro no Pan-Americano de 2003, em Santo Domingo, e prata nos Jogos Olímpicos de 2004. Naquele ano, as atletas voltaram de Atenas cheias de esperanças de que a boa campanha fizesse com que o país do futebol tirasse do abandono sua categoria feminina. Fortalecidas, chegaram a redigir um manifesto a autoridades e cartolas pedindo melhores condições de trabalho.

Mas a frustração venceu a esperança. Depois de Atenas, a seleção principal ficou nada menos que dois anos e três meses sem disputar uma partida. Só voltou a campo no Sul-Americano do ano passado, quando perdeu a invencibilidade para a Argentina, após quatro títulos consecutivos. Para as jogadoras, a derrota foi reflexo do descaso geral com a modalidade. Sem calendário fixo, sem campo, sem patrocínio, as atletas contam apenas com a vontade de treinar, o companheirismo entre si e a garra de alguns técnicos que viram pais, médicos e psicólogos – já que os motivos para desanimar não são poucos.

Gramado de areia

As santistas Danielli Pereira, 20 anos, Érika dos Santos, 19, Francielle Alberto, 17, e Alline Calandrine, 19, nem acreditavam que iriam de avião ao Rio de Janeiro, antes de prosseguir até a Granja Comary, em Teresópolis (RJ). “A gente já viajou em cada coisa”, lembra a atacante Érika. Ela começou no São Paulo, jogou futsal, passou pelo Juventus e chegou ao Santos há pouco mais de um ano. A lateral Danielli começou a jogar com 13 anos no Juventus. A volante Francielle é cria do técnico santista, Kleiton Lima, que se apaixonou pelo futebol feminino nos Estados Unidos e de lá trouxe a idéia de montar uma escolinha no litoral. Calandrine, morena alta de traços indígenas, deixou a família no Amapá. É tão bonita quanto brava: “Quando a gente joga com os meninos, vou com tudo mesmo. Tem sempre um idiota que, quando a gente joga bem, vem chamar de sapatão. Aí dá vontade de bater de verdade”.

As atletas sabem: estar na lista final para o Pan será pressão certa pela vitória. Antes, porém, terão de superar a falta de intimidade com o gramado. As meninas nunca disputaram uma partida no campo da Vila Belmiro e raramente conseguem utilizar um dos centros de treinamento do clube. Na arquibancada da Vila, conversaram com a reportagem às vésperas de viajar para o Rio. Mas a ida ao gramado, onde posariam para fotos, foi frustrada pela chuva. Calandrine é fã do meia Zé Roberto – “Ele está arrasando!” -, mas sabe que o ídolo, a exemplo de toda elite, desconhece a existência das garotas.

O campo é a praia. Descalças e com areia no pé, elas sabem que ali o contato com a bola é um, e na grama, calçando chuteiras, é outro. Mesmo assim, o Santos é um dos times mais bem estruturados na categoria. Numa casa em frente à Vila Belmiro, abriga 18 meninas, que recebem ajuda de custo, uniforme, alimentação. Quando se machucam, não há maca e o remédio para tudo é gelo. Mas as condições já foram piores. “Estamos evoluindo, e os resultados estão surgindo”, diz Kleiton.

Incertezas

O calendário de atividades a partir do Pan prossegue até o Mundial, em setembro, na China. E desfalcará os times de suas principais atletas. Em 2008 tem Olimpíadas, na mesma China. A CBF promete que, desta vez, vai investir na categoria. É esperar para ver. Até o final de abril, por exemplo, a página da entidade não tinha sequer uma chamada para apresentar o escrete feminino. Cansadas de promessas, as jogadoras só acreditam vendo. Nem no calendário confiam. Não sabem quando vão jogar, qual é o regulamento,