Trabalho|Pior que o soneto

O caso da Emenda 3: entenda como o país quase teve uma reforma trabalhista neste início de ano, e os trabalhadores foram informados disso no telejornal da noite

Unidos contra a emenda 3
Manifestação das centrais sindicais em
Brasília: em bom português, “seria um liberou geral” para as empresas

Por Spensy Pimentel

No último dia 27 de março a Câmara dos Deputados
aprovou a Medida Provisória 350, enviada pelo governo ao Congresso para
alterar regras do Programa de Arrendamento Residencial (PAR). A versão
final do projeto incluiu uma emenda que modifica o alerta nas
embalagens de leite sobre os riscos de servi-lo a crianças com menos de
1 ano no lugar do aleitamento materno. A explicação dos que apoiaram a
inclusão é que produtores de leite se sentiam ofendidos porque o antigo
aviso tinha texto semelhante ao que se vê em garrafas de bebidas
alcoólicas: “O Ministério da Saúde adverte”.

O
episódio pode parecer pitoresco, mas não é sempre que o mingau
legislativo oferecido pelo Congresso à sociedade cai tão bem. No último
dia 13 de fevereiro, apenas uma semana após o início da nova
legislatura, a Câmara aprovou, por 304 votos a 146, o que, na avaliação
de diversos sindicalistas, especialistas e autoridades da área do
trabalho, constituía um forte golpe na legislação trabalhista
brasileira: a chamada “Emenda 3”, que altera regras aplicadas à
fiscalização nas empresas. A surpresa chegou escondida em meio ao
projeto que criava a Super Receita, unificação da Receita Federal com a
Receita Previdenciária.

A
Emenda 3 foi vetada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva no dia 16
de março. O governo já enviou um projeto de lei para substituí-la.
Mesmo assim, setores do Congresso ainda alimentam a intenção de
derrubar o veto presidencial no plenário, o que poderia abrir nova
disputa jurídica, desta vez no Supremo Tribunal Federal.

Mas
o que envolve a medida a ponto de causar tamanha disputa? “É uma
espécie de reforma trabalhista, mas feita de forma sorrateira”,
responde a presidente interina da Central Única dos Trabalhadores,
Carmen Helena Foro. “O engajamento de todos os setores conservadores
mostrou que ela é algo muito maior do que se imaginava inicialmente”,
completa o deputado Tarcísio Zimmermann (PT-RS).

De
autoria do ex-senador Ney Suassuna (PMDB-PB), a Emenda 3 foi agregada
ao projeto de lei que criou a Super Receita. Parece simples. Pede
apenas a inclusão do seguinte parágrafo: “No exercício das atribuições
da autoridade fiscal de que trata esta lei, a desconsideração da
pessoa, ato ou negócio jurídico que implique reconhecimento de relação
de trabalho, com ou sem vínculo empregatício, deverá sempre ser
precedida de decisão judicial”.

Em
bom português: se um fiscal encontrar uma situação numa empresa em que
reconheça uma relação de trabalho irregular, não pode autuá-la
imediatamente: tem de esperar uma decisão da Justiça do Trabalho – ou
seja, meses, ou até anos de discussão nos tribunais. “Seria um ‘liberou
geral’ para os empresários mal-intencionados”, resume a dirigente da
CUT.

Perigos à vista

A medida poderia afetar trabalhadores das áreas mais variadas. Nas
cidades, estimularia a situação precária já vivida pelos que são
obrigados a receber como falsas cooperativas ou como pessoas jurídicas,
individualmente – aqueles que tiveram de trocar a carteira de trabalho
pela nota fiscal, mesmo mantendo a relação patrão-empregado. No campo,
temem especialistas, poderia facilitar a vida de quem emprega trabalho
escravo ou degradante.

Suassuna
diz que procurou dialogar com diversos setores empresariais para
redigir a emenda. Mas a grande quantidade de reportagens destacando
aspectos teoricamente favoráveis da Emenda 3, especialmente na maior
empresa de comunicação do país, levou parlamentares e sindicalistas
desconfiados a apelidá-la de “Emenda Globo”.

A
rede de TV admite