Internacional|As mulheres do Sri Lanka

Ela parecia menor do que era de fato. Em meio ao grupo de quatro mulheres com roupas do sudeste da Ásia ou da Índia, ela foi a que primeiro chamou minha atenção

Extermínio de pobres

Rajeswary (vestida de verde) foi “convencida” a fazer a esterilização

Por Flávio Aguiar

Eu estava no Conjunto Esportivo Moi, no bairro de
Kazarani, em Nairóbi, cobrindo o sétimo Fórum Social Mundial para a
Carta Maior, com o cinegrafista Marcelo Theilicke. As quatro mulheres,
com a magrinha no meio, vinham em silêncio. Perguntei de onde eram,
procurando ler também os crachás de identificação. “Sri Lanka”, foi a
resposta. “Sri Lanka?”, pensei, vasculhando a memória. Algo me veio, e
na frente Os Lusíadas, de Camões: “As armas e os barões assinalados/
Que da Ocidental praia lusitana/ Por mares nunca dantes navegados/
Passaram inda além da Taprobana/ e etc.”, se há etc. em poema.
Taprobana: uma ilha, enorme, ao sudeste da Índia, antigamente conhecida
como Ceilão.

Perguntei o que
elas estavam trazendo para o Fórum, e uma delas me respondeu, em
inglês: “A luta contra a esterilização forçada de mulheres no Sri
Lanka”. Eu quis saber se havia uma política oficial a esse respeito no
Sri Lanka. A mesma mulher respondeu que sim, e que esse problema
atingia sobretudo o povo da “hill country”, literalmente, o povo
camponês das terras altas. E ela explicou, mostrando a mulher magra da
etnia tâmil, Rajeswary, uma das vítimas dessa política. Perguntei então
como isso era feito, se havia uma política de força ou uma indução.
Resposta: elas são subornadas. Quis saber de Rajeswary por que aceitou
fazer a esterilização. A resposta: “Ela foi convencida porque já tinha
quatro filhos” e… “money”.

O
que as mulheres estavam denunciando faz parte de um quadro dramático em
escala mundial, que também atingiu o sexo masculino, através de
políticas de “eugenia social”, na maior parte das vezes sobre
populações pobres e minorias. Houve casos dramáticos entre os ciganos
na Europa. No Peru de Fujimori, 200 mil mulheres indígenas foram
esterilizadas.

A esterilização
obrigatória mesmo contra a vontade do ou da paciente foi instituída
pela primeira vez nos Estados Unidos. Os estados de Indiana, Califórnia
e Washington adotaram a medida para “retardados” e “doentes mentais”.
No regime nazista, 200 tribunais levaram à esterilização 400 mil homens
e mulheres. Também houve registros dessas políticas nos países
escandinavos, na China, Índia e Austrália.

Em
relação às mulheres, existe uma técnica difundida de abordagem, que é a
da culpabilização pela manutenção da prole já existente. Esteriliza-se
por comida, roupa ou dinheiro, acenando para a incapacidade de manter
uma vida digna para os que já existem. Foi este o caso de Rajeswary,
que declarou ter-se convencido da conveniência da medida porque ela “já
tinha quatro filhos”. Há também seqüelas nesses casos de esterilização
forçada ou induzida, pois o processo se torna irreversível, e muitas
vezes as intervenções são feitas em condições precárias de higiene – e
os “interventores” não se responsabilizam pelas conseqüências. Fiquei
admirado pela força daquelas mulheres, pelo testemunho de Rajeswary,
pela sua coragem de se expor. Ela era mesmo maior do que parecia.

Grande ilha

O
Sri Lanka abriga pouco mais de 20 milhões de habitantes. Foi ocupado e
colonizado por portugueses, no século 16. Holandeses chegaram no século
17 e ingleses, no 18. Os ingleses foram os que perduraram na ocupação.
Dividiam para reinar, favorecendo em diferentes momentos diferentes
etnias. A maioria da população é formada pelos sinhalas (antigos
cingaleses), budistas. Cerca de 20% são tâmeis, hindus. A independência
chegou em 1948, e com ela uma perseguição aos tâmeis, acusados de
favorecimento durante o período colonial. O ambiente de guerra civil
vivido desde o final do século 20 já matou mais de 65 mil pessoas. Uma
espécie de armi