Comportamento|Devagar e sempre

O Brasil já descobriu o sabor da resistência cultural e econômica do slow food, o movimento que busca, mais que comida saudável, uma vida com mais prazer

Conscientização

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Por Alceu Luís Castilho e Fábio de Castro

Fast food estressa. Engole-se, para voltar logo à
atividade que a refeição “atrapalhou”. Pouco importa como a comida foi
feita. Se derrubou árvores, estragou o solo. Seu símbolo é o
McDonald’s. Mas não só. Abra a geladeira, e ela está lá. A comida
industrializada. Padronizada. Com cheiro uniformizado. Seu nome é
lucro. O estômago e a cabeça são apenas engrenagens de uma máquina sem
sabor – em São Paulo ou no interior do Ceará.

O
slow food, movimento surgido na Itália em 1989, procura o resgate dos
hábitos alimentares perdidos. Seu nome não significa apenas a
resistência a um estilo alimentar imposto por multinacionais, mas a um
modelo econômico. É comida para ser saboreada com prazer e sensação de
responsabilidades – social, econômica, cultural. Deglutida aos poucos,
humaniza o ritmo de vida.

“Eu
definiria slow food como uma ética do prazer com consciência ambiental.
É também um tipo de ecogastronomia”, diz Mario Ignacio Spada,
proprietário de uma pousada em Porto das Dunas, no litoral cearense, a
23 quilômetros de Fortaleza. Às 6 horas, Mario acorda, sem despertador.
Capricha no café-da-manhã e só depois vai começar a servir os hóspedes.
“Quero poder comer bem, fazer as coisas sem pressa, ficar fora do caos,
viver uma vida saudável”, diz o empresário, que já morou em São Paulo e
Belo Horizonte. A “pousada cultural” é seu subterfúgio para atrair
hóspedes afinados com sua filosofia. “Durante o dia faço trabalho de
manutenção, conserto coisas quebradas, construo objetos de madeira,
pinto. Faço a decoração. E não tenho pressa.” Para Mario, seis horas de
sono bastam para repor as energias.

A
rotina desacelerada, no entanto, não traduz toda a dimensão do
movimento. Aderir ao slow food não alterou a agitada rotina da
consultora de restaurantes paulistana Heloísa Mader. “Não se trata de
uma doutrina impositiva de desaceleração do ritmo de vida. É muito mais
que isso”, defende. Para Heloísa, o slow food é um contraponto ao fast
food na medida em que se coloca contra a massificação do sabor. Mas o
principal aspecto é a consciência ambiental – incluindo o espaço
urbano. “Isso não me impede de ter uma vida superacelerada, de até 18
horas de trabalho num dia. Posso ter 15 compromissos, mas paro para
comer, e não é em frente ao computador, ao telefone nem num drive thru.
Basta programar o tempo. Se eu tiver de sair às 5 horas, acordo às 4.
Não existe acordar atrasada e sair sem café-da-manhã”, descreve.

Intercâmbio

O slow food ganha terreno no Brasil. A correia de transmissão do
movimento são os produtos que preservam as características culturais
locais, os ciclos ecológicos e a economia popular. Um exemplo é o
chimarrão – pela popularidade, pela cultura, pelo ritual de degustação.
“A erva-mate era utilizada pelos índios muito antes da colonização”,
conta Luiz Zenaide Gomes, produtor de Santa Maria do Oeste (PR). “É
slow food de origem.” Gomes integra uma das 55 comunidades brasileiras
do alimento Terra Madre – rede global que reúne mais de 1.600 grupos
que compartilham experiências para proteger a qualidade do alimento e a
produção agrícola local. O grupo exporta cerca de 12 toneladas de
chá-mate orgânico. “Hoje, se me pedem suco de tangerina, não tenho, mas
sei quem tem, e com certificado.” Ele ressalta a necessidade de união
dos produtores.

Entre
outros produtos brasileiros no catálogo mundial de slow food estão o
feijão canapu, de vários municípios do Piauí (espécie introduzida por
escravos