Carta ao Leitor|Cidades de paz

 

Só a sociabilização da escola faz crescer a noção do valor da vida, do outro

Há uma enfadonha mesmice na opinião pública
brasileira. A mesmice é quando os argumentos emitidos por diferentes
segmentos em diferentes situações tornam-se previsíveis. Mudam-se os
fatos – em política ou economia, novela ou futebol -, mas é possível
prever o que dirão os políticos, ministros, diretores de estatais,
juízes, advogados, procuradores, empresários, intelectuais, religiosos,
ecologistas, sindicalistas, artistas, esportistas e colunistas de
jornal. As faces cruéis que a violência tem assumido são um prato cheio
para soltar os demônios e fazer justiça com as próprias mãos. Mesmo
quando é a valorização da vida que está em discussão, ainda prevalece a
mesmice. Pena de morte, prisão perpétua, redução da maioridade penal,
mais leis, maior rigor e polícia com maior poder de fogo.

Felizmente,
essa mesmice foi quebrada em dois importantes momentos. No referendo
das armas e agora. No referendo, houve elevado grau de adesão de
personalidades à tese do desarmamento. Em que pese o resultado negativo
nas urnas, o debate proporcionou um enorme acúmulo da política de paz.
E o Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros, publicado no início
deste março, mostra que municípios recordistas em crimes foram aqueles
que mais votaram a favor da comercialização de armas. Da mesma forma, o
atual debate a respeito dos crimes cruéis quebra a mesmice de opinião
de direita e esquerda, oposição e situação. Mesmo sob a comoção,
juntam-se vozes em torno de um diagnóstico comum: é preciso fazer valer
os instrumentos que já temos em mãos, principalmente para desemperrar a
Justiça. Eis aí a história da Lei Maria da Penha.

Felizmente,
inúmeras vozes se levantam contra a redução da maioridade penal e
defendem a efetiva aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente. A
cultura de ódio só pode levar ao agravamento do estado de barbárie. No
sentido oposto dos municípios mais violentos, várias cidades
brasileiras obtiveram resultados fazendo o óbvio. Pais e educadores que
se preocupam com a vida sabem que é preciso impor limites, que a
punição é necessária e que só a sociabilização da escola faz crescer a
noção do valor da vida, do outro. Quando poderes públicos dialogam
entre si, integrados com a sociedade organizada, recupera-se a
credibilidade, aumenta a participação dos cidadãos e abrem-se caminhos
que levam a uma cultura de paz e de respeito à vida.