Midia|Espetação e informáculo

Assuntos ligados a ciência e saúde são prato cheio para quem trata informação como espetáculo. A boa ciência, porém, desaconselha essa mistura. Ela pode fazer mal ao veículo e ao seu público. Muitas vezes, os temas entram em pauta porque são pitorescos, geram impacto ou estão atrelados a interesses mercadológicos
Por Cida de Oliveira

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Mais potente que seus concorrentes e muito mais
barato, para não deixar o paciente ainda mais desanimado. O famoso
comprimido indicado para quem tem disfunção erétil custa entre 24 e 41
reais, no “câmbio oficial”, dependendo da dosagem do princípio ativo.
Por isso, o anúncio do lançamento de um concorrente – com o sugestivo
nome de Helleva – levantou o astral de muita gente que leu a notícia.
Mas, na data prevista para sua chegada ao mercado, nada de o remédio
aparecer. Isso não é raro acontecer quando a grande imprensa coloca o
carro alegórico da notícia na frente dos bois e não confere o que
publica.

Em 28 de fevereiro de
2006, a revista dominical de O Globo anunciava na reportagem de capa
que “a versão nacional da pílula para ereção entra na guerra pelo
mercado milionário do sexo turbinado”. Apesar de até informar que a
nova droga ainda não estava aprovada, o texto anunciava que até o final
do ano já estaria à venda. A matéria foi reproduzida pelo Jornal da
Cidade, de Aracaju (SE). Em junho, a edição eletrônica da revista IstoÉ
Dinheiro afirmou que o laboratório “está apenas aguardando aprovação da
Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para iniciar sua
produção e lançá-lo no mercado até o fim deste ano”. Em outubro, a
matéria saiu no Diário do Commércio, de São Paulo, e foi replicada por
vários sites.

A excitante
novidade recebeu um balde de água fria. A Anvisa, ligada ao Ministério
da Saúde e responsável pela autorização de comercialização de remédios
no país, informou à Revista do Brasil que não havia solicitação de
aprovação para a substância ativa carbonato de lodenafil e tampouco
para a marca Helleva. O laboratório Cristália, dono da marca, foi
procurado pela reportagem no final de novembro. Por escrito, a
assessoria de comunicação confirmou as informações que choveram na
mídia. O texto, aliás, tinha estrutura semelhante ao da matéria da
revista do Globo. Procurada novamente, a Anvisa manteve a resposta e
foi além. Afirmou que até então nenhum veículo de imprensa havia
procurado o órgão para checar a situação da tal substância.

No
mês passado, numa série de contatos por escrito entre a reportagem e o
laboratório Cristália, o gerente de pesquisa clínica, Eduardo Pagani,
esclareceu que a documentação, composta de muitos volumes – inclusive
com os resultados das pesquisas realizadas com humanos -, estava sendo
formatada e deveria seguir para a agência governamental ainda em
janeiro. Segundo o fabricante, a matéria publicada levou em
consideração datas previstas no planejamento do lançamento do produto −
e, onde se lê “o processo de registro na Anvisa está em andamento”,
teria havido uma incorreção involuntária do entendimento do jornalista,
talvez causada pela própria fonte. O correto, conforme a assessoria de
comunicação, seria “as providências para o imediato processo de
registro na Anvisa, tão logo seja encerrada a fase de pesquisa clínica,
já estão em andamento”.

Fruto da carne

A rotina de trabalho muito em uso nas redações – não raras vezes por
falta de condições de trabalho -, pautada mais pelos boletins das
assessorias de imprensa (os chamados releases) do que pela investigação
jornalística, é uma das principais causas das notícias inverídicas, a
chamada barriga, no jargão jornalístico.

O
episódio lembra uma hilária e histórica barriga: o caso “boimate”. A
proeza coube à revista Vej