Crônica|A escolha que conta

Escrever um texto, dançar, obturar um dente, varrer o chão… Independentemente do que você faz, importante mesmo é o que você é
Por Soninha Francine

“O que você quer ser quando crescer?” Qualquer criança
sabe – até porque a pergunta é sempre dirigida a elas – qual é o tema
em questão: trabalho. A resposta que se espera é uma ocupação
profissional – dentista, professor, advogado, jogador de futebol…
Parece que “trabalhar” é sinônimo de “ser”; não é à toa que sempre
identificamos as pessoas segundo a profissão: “João Pedro, arquiteto;
Betina, escritora”. Você é o que você faz…

Eu
já quis ser muitas coisas diferentes. Aos 4 anos, respondia:
“Professora de pintura de quadros”. Gostava de brincar com pincéis e
telas, mas não concebia pintar como um trabalho; dar aulas, sim, era
uma profissão que eu conhecia… Depois, quis ser jogadora de basquete,
atriz, bibliotecônoma, paleontóloga, nutricionista, diretora de cinema,
roteirista, professora de outras coisas. Professora eu fui, o resto
não.

Planos deram errado: não
fiz as faculdades que planejei (a primeira da lista, Educação Física,
dançou quando engravidei no 3° colegial). Entrei em Cinema, mas não
consegui viver disso (nem tinha muita esperança, mas quis estudar assim
mesmo). Fui parar em televisão meio sem querer (foi o emprego que
apareceu!) e acabei ficando. E estou sendo política, atividade que
também cheguei a cogitar quando era mais nova e voltou a me atrair três
anos atrás.

Em cada uma das
mudanças de planos e de emprego, foi ficando mais claro para mim o que
eu queria “ser”. Não o que eu queria fazer para ganhar dinheiro, mas o
que queria ser. Descobri, por exemplo, que duas coisas eram muito
importantes: que o meu trabalho desse alguma contribuição para a
sociedade e que eu pudesse ter a colaboração e companhia de pessoas em
quem confio.

Ah, que alívio
estabelecer esses critérios… Ajuda muito na hora de aceitar ou
rejeitar uma proposta de trabalho. O que vou fazer é significativo?
“Serve” para alguma coisa? (“Contribuição para a sociedade” pode até
ser divertir e distrair as pessoas, mas, se a diversão for
imbecilizante, não me interessa). E com quem vou trabalhar? São pessoas
com senso de humor, desprendimento, algum ideal altruísta na vida, ou
absolutamente voltadas para o sucesso pessoal?

Isso
conta para mim mais que salário, fama, conforto. Posso trabalhar por
menos dinheiro, em estrutura mais modesta, até em função que não seja
exatamente prazerosa – ser vereadora é legal, mas não é um cotidiano
dos mais agradáveis… -, se aquelas duas condições estiverem
garantidas. É muito melhor jogar em um time modesto mas bem formado do
que fazer parte de um elenco estrelado mas sem consistência (alguém aí
pensou em Real Madrid?). É melhor sair da cama convicta de que o que eu
faço faz sentido do que tapar o nariz e simplesmente embolsar a grana
no fim do mês.

Assim, pensando
agora no que eu diria, tantos anos depois, se me perguntassem o que eu
quero ser, ainda poderia responder: professora, atriz, bibliotecônoma,
atleta, nutricionista…. Mas especificaria: quero ser prestativa,
dedicada, paciente, persistente; quero ter senso de humor, respeito,
desprendimento, disciplina, responsabilidade. Quero ter a profissão
daquela pessoa ali, com o jeito daquela outra…

Talvez
seja bom dar idéia para as crianças desde cedo: não basta querer ser
profissional dessa ou daquela área; legal é querer ser alguém capaz de
fazer a diferença, seja qual for o seu gosto, talento, formação e
profissão. E não custa os “crescidos” se perguntarem também: “Afinal, o
que é que eu quero ser?”

Soninha
Francine é vereadora na cid