Cultura|O último disco de Vandré

LP gravado na França, junto com músicos que mal se conheciam, expressa todas as dores do compositor que incendiou festivais e aborreceu generais. Pensou-se que fosse a retomada de uma obra. Mas foi o seu réquiem

Por Vitor Nuzzi
 

Metamorfose
Geraldo Vandré em um bar na França com os amigos

São 41 minutos e 57 segundos, distribuídos em oito
faixas. Peças menos conhecidas, mas cultuadas pelos admiradores. “Não
me canso de ouvir”, diz, por exemplo, o cantor Jair Rodrigues,
intérprete da clássica Disparada. O último LP de Geraldo Vandré foi
gravado no final de 1970, na França, onde o cantor sofria as dores da
distância de seu país – que havia deixado em fevereiro de 1969 – e de
uma separação. É um álbum triste, mas nem por isso menos vigoroso. Das
Terras de Benvirá chegou ao Brasil apenas em 1973, poucos meses depois
do nebuloso retorno de Vandré. Ninguém imaginava, mas o que poderia ser
a retomada de uma carreira foi, na verdade, o canto final, em um disco
nascido em um pequeno quarto de Paris.

Para
a gravação, foi reunida uma trupe que mal ensaiou. Na verdade, os
músicos tampouco se conheciam. O violonista Marcelo Melo, hoje com 60
anos, estudava na Bélgica e foi colega de classe do aspirante a
fotógrafo Sebastião Salgado. Melo tivera alguns poucos encontros com
Vandré ainda no Brasil, anos antes. Naquele início dos anos 70, aos 24
anos, ainda não sabia se seria engenheiro agrônomo ou músico. Em 1971,
formaria o Quinteto Violado, que existe até hoje – e em 1997 gravou um
CD só com músicas de Geraldo Vandré, inclusive a até então inédita
República Brasileira. O espanhol Francisco Peña Villar, que nos
créditos de Benvirá aparece como Kiko de Carinho, conheceu Vandré em
uma loja de discos, tocando harmônica. Havia ainda o baixista Murilo
Alencar, que havia vendido o violoncelo e tocava na rua.

“Foi
uma coisa quase de improviso. Parte das músicas foi composta no próprio
estúdio. Ele (Vandré) não tinha estrutura psíquica para ensaiar nada”,
lembra Marcelo. “Ele estava se separando de uma mulher que conhecera no
Chile, muito desestruturado emocionalmente. E não conseguia pensar na
idéia de voltar a trabalhar no Brasil.”

Aos
66 anos, Xico (como o galego Francisco Peña costuma ser chamado) lembra
até hoje de seu primeiro encontro com Vandré. “Foi num frio dia de
novembro (de 1970). Diante da loja, reparei num cara que estava lá
dentro a experimentar uma harmônica. Eu já ia embora, mas de repente
voltei e entrei na loja pela curiosidade de escutar, talvez, um bom
harmonicista. Fiquei diante de Vandré, que era quem estava com o
instrumento, e ficamos os dois a nos olhar, como dois bobos, sem dizer
nada.”

Desse encontro,
resultariam vários outros na casa de Xico – na rua Vaugirard, no bairro
latino de Paris -, com Vandré e Marcelo, que o então estudante espanhol
já conhecia. Foi quando surgiu a proposta para gravar um LP. “Desde
então, nos encontrávamos regularmente para tocar daquele jeito nada
organizado, no meu quarto. Era o nosso local de ensaio”, recorda Xico,
ainda hoje amigo de Marcelo e apreciador de música brasileira.

Todo
o processo de gravação durou cerca de três meses, estima o violonista.
No meio, aconteceu o episódio da prisão de Vandré e amigos, encontrados
com haxixe. “O embaixador do Brasil na França não ajudou em nada”,
lembra. O embaixador naquele período era Aurélio de Lyra Tavares,
ex-ministro do Exército e integrante da Junta Provisória que substituiu
Costa e Silva na Presidência da República, até que Emílio Garrastazu
Médici tomasse posse, em 1969. Morto em 1998, Lyra Tavares era
paraibano de João Pessoa, a exemplo de Vandré – que acabou expulso da
França.

‘Infotografável’

O
disco saiu na França apenas como compacto, La Passion Bresilienne, com
duas faixas, pelo selo Le Chant du Monde (um barbudo Vandré é
apresentado como “acusado de subversão”). Foi lançado no Brasi