Perfil|De galho em galho

Há 30 anos, o baiano Bira descobriu que São Paulo é a capital da ilusão. Ele escolheu como endereço as copas das árvores de uma grande avenida e vive com dignidade. Só falta um romance

Por Xandra Stefanel
 

Dignidade em qualquer lugar
Bira e sua casa: “Não tenho dinheiro, mas tenho conhecimento, o que é muito melhor”

O canteiro que divide as duas pistas da avenida abriga
muitas árvores, antigas e grandes. Uma delas sobressai. Entre seus
galhos, nota-se uma espécie de deck suspenso, preso por correntes, com
uma cobertura de lona. Parece uma cabana daquelas que as crianças fazem
para brincar. Mas numa das avenidas mais movimentadas, com direito a
tráfego intenso diário, na zona sul de São Paulo?

A
seringueira de uns oito metros de altura abriga a residência de
Ubirajara Vitoriano Dias. Bira, como é chamado pela vizinhança, tem 50
anos. Saiu de Salvador em 1977, pobre, em busca de conforto. Não
demorou a perceber que a cidade era a capital da ilusão. “Aqui só dá
certo quem tem oportunidade e eu nunca tive.”

Trabalhou
alguns anos numa tapeçaria. Depois em uma loja de roupas para crianças,
onde passou a morar. A loja mudava, ele ia junto. Um dia fechou de vez.
Bira ficou sem trabalho e sem teto. “Me aconselharam um albergue, mas
eu não quis. É o tipo de lugar que tem todo tipo de gente.”

Primeiro
fez casa num abacateiro, vizinho da atual. Ficou até a prefeitura
desmontar a base do quarto-e-sala que construiu com madeirite. “Foi na
gestão do Celso Pitta. Levaram tudo e tive que começar do zero.” Logo
depois, a Defesa Civil pediu que construísse seu barraco no chão, mas
quando chovia “entrava água em tudo e não dava nem para dormir”. Quando
começaram as obras para duplicar a avenida, voltou para o andar de cima
para fugir das máquinas e do movimento, desta vez na seringueira onde
está até hoje e passa todas as suas noites.

Às
quatro da manhã, ainda sem os raios de sol nos troncos, Bira acorda,
sai do “berço” – um barril de plástico cortado ao meio e forrado com
cobertor -, desce da árvore, atravessa a avenida e sobe na laje de um
posto de gasolina, vizinho de frente. É lá que ele guarda seus
equipamentos de musculação e alongamento, sua bicicleta desmontada e
alguns alimentos que compra ou ganha.

Rotina de atleta

Depois
de malhar, vai até o bar a um quarteirão de casa e pede um pão e café
preto para começar o dia. Para os vizinhos do bairro, é o faz-tudo.
Coloca cortinas, varre as calçadas, desentope canos, lava tapetes,
limpa calhas, executa consertos gerais. O bastante para garantir os 10
reais diários de que precisa para viver: 7 reais para o café da manhã,
o almoço e o café da tarde; e uns “trocos” para não dormir de barriga
vazia.

De repente, um grito:
“Bira, vem colocar a cortina!” É dona Mara Luiz, de 85 anos. “Ele faz
tudo pra mim, me ajuda muito.” Aliás, não tem quem fale mal dele. Há
quase 14 anos pulando de galho em galho na região, as pessoas acabaram
se acostumando com sua morada inusitada e todos ajudam como podem.

O
advogado Flávio José Doria, que mora do outro lado da avenida, o
contrata para varrer a frente do escritório toda manhã em troca da água
utilizada por Bira ao longo do dia. Foi ele quem inscreveu o atleta nas
últimas três provas da São Silvestre. O dono da floricultura, José
Gueiros da Silva, sempre pede pequenos reparos e, quando Bira não
arruma trabalho, paga o almoço: o picadinho de carne ou de frango com
arroz, feijão e batata do mesmo bar onde toma o café da manhã e assiste
ao jornal antes de ir dormir. O dono do posto de gasolina, além de
ceder a despensa e o banheiro, também paga por pequenos free lances do
vizinho.

O baiano adora se
exercitar e pesquisar teorias a respeito do corpo humano. Entre um bico
e outro, sobe até a laje do posto ou fica à margem da avenida se
alongando. “Depois que eu descobri o esporte fiquei mais equilibrado,
mas você tem que saber a