Mídia|Lições para o ano novo

A imprensa gosta de notícia ruim e o governante, de notícia boa. Mas a relação entre ambos tem de ser franca e ética. Se há guerra entre eles, a verdade é a primeira vítima

Por Ricardo Kotscho

Tensão
Mesmo quem ataca o tamanho do Estado quer tirar uma casquinha, incluindo a mídia. Há mais interesses em jogo numa manchete de jornal ou de revista do que os leitores imaginam

Encerrei meu trabalho como secretário de Imprensa e Divulgação no Palácio do Planalto há dois anos. Muita coisa mudou, mas o relacionamento beligerante com a mídia continua sendo, na minha opinião, um dos principais problemas do governo. Trabalhar em governo nunca tinha feito parte dos meus planos de vida, de quase 40 anos pelas redações. Mas a ida a Brasília foi quase conseqüência natural da vida. Era a oportunidade de tentar pôr em prática o que a minha geração sempre sonhara: participar de um governo a serviço da maioria. Pela primeira vez desde Cabral, o poder mudava de mãos.

Durante o período de transição, constatamos estar à beira da insolvência, e que a diferença entre as demandas represadas no Brasil e a capacidade de atendê-las seria grande. O primeiro desafio era não deixar o país quebrar. Na minha praia, a relação entre o presidente eleito e a imprensa, também havia um descompasso entre demanda e procura. Lula vinha de uma relação não diria amigável, mas aberta e franca com os jornalistas. Suas responsabilidades cresceram e cada palavra dita por ele passou a ter outro peso.

Os tempos da imprensa e do poder são diferentes. A imprensa tem pressa; o governo tem de ser ponderado. A imprensa vive do que é anormal, das polêmicas; aos governantes cabe zelar pela tranqüilidade das instituições. Os primeiros gostam de notícia ruim; o governante, de notícia boa. Nessa disputa, a verdade pode ser a primeira vítima. Não se pode fornecer informação errada, tampouco desmentir notícia verdadeira. Caso contrário, sua credibilidade não servirá mais – nem para o governo, nem para os jornalistas.

Se dependesse de mim – como disse o próprio Lula na minha despedida –, ele passaria o dia todo só atendendo a imprensa. Como não é possível, a tensão é permanente. É preciso separar os jornalistas e veículos que têm como objetivo a informação e os que adotam postura preconcebida de oposição. Sempre ouvi que a imprensa é o quarto Poder. Mas certos colunistas, e alguns veículos, se consideram o primeiro – e único –, como se seu papel fosse o de eleger ou derrubar governos. Em períodos de crise, a beligerância se agrava. A mídia age em manada para atacar – e o governo, ao se defender, culpa a imprensa pela crise. Sempre alertei que só teríamos a perder com esse ambiente. É da essência do jornalismo fiscalizar e criticar ações do governo, mas não deve ser função dos governantes analisar o comportamento da imprensa.

Equiparo as relações do governo com a mídia às relações do governo com o Congresso Nacional. É preciso conviver com a diferença. Às vezes até embrulha