Cidadania|Jogar a toalha, jamais!

Projeto instalado debaixo do viaduto tem academia, biblioteca, aula de boxe, capoeira e até francês para moradores de rua. Tambor de plástico é saco de pancada. A miséria apanha da solidariedade. E dinheiro não entra

Por Xandra Stefanel

Determinação
Joaquim trabalha como segurança e sonha em abrir uma academia em sua cidade natal, no Ceará

O bairro do Bexiga, na região central de São Paulo, famoso pelas atrações gastronômicas, arquitetônicas e o sotaque italiano, guarda também uma inusitada receita. Nada de massas ou pizzas, mas uma combinação mais ampla, de educação física, cultura, solidariedade e cidadania. Quem passa junto às ruas Santo Antônio e João Passaláqua depara com uma ampla “sala” com estantes repletas de livros, mesas, cadeiras, escritório, dois ringues de boxe e dezenas de aparelhos de musculação, alguns nada convencionais – como tanque de combustível de automóvel, geladeira pendurada e tambores de plástico cheios de água ou pedra que servem de sacos de pancada. A “academia” ocupa 2.500 metros quadrados cercados por tela de metal e tem como teto o Viaduto do Café – na ligação leste-oeste da cidade.

Diariamente, entre 8h30 da manhã e 23h30, o projeto Corasol Nascente recebe mais de uma centena de pessoas, a maioria moradores de rua e albergados. Tudo começou quando o ex-pugilista Nilson Garrido trabalhava como segurança na região do Vale do Anhangabaú e via crianças cheirando cola e praticando pequenos delitos. Como tinha academia na zona leste da cidade, resolveu, com equipamentos improvisados, ocupar o dia dos moradores de rua e incentivá-los a praticar esportes. Depois, convenceu a prefeitura a liberar o uso do espaço.

O projeto vive do apoio de voluntários. “Nós reciclamos seres humanos. Muitos chegam rebeldes, mas ao entrar aqui passam a seguir regras e até a comer com a gente as sobras de comida que buscamos nos restaurantes. Nós, lixo, comemos lixo debaixo do viaduto, pegamos aquelas pessoas que são consideradas lixo lá na rua e fazemos delas seres humanos”, afirma Garrido, um dos coordenadores do Corasol, junto com Corina Batista de Oliveira, que cuida da área social.

Ele mora no local de trabalho e passa o dia acompanhando seus “alunos” nos exercícios físicos, checando o que cada um faz, na academia, na biblioteca ou dormindo nos sofás. Durante todo o dia o entra-e-sai é constante. Gente que chega, assina uma lista de presença e vai treinar, ler, conversar, comer ou dormir. Tem aula de boxe, capoeira, francês e, em breve, informática. O estilista Isaac Markan prepara um curso de desenho de moda e um desfile com os moradores de rua para 2007, o Black Fashion Week.

Mais que malhação

Um jovem calçando chinelos de dedo entrou, assinou a lista e seguiu em direção aos aparelhos de musculação. No mesmo instante, Garrido abriu um armário e tirou um par de tênis e meias para o garoto usar. Os olhos do mestre umedeceram-se diante do sorriso de gratidão do menino. Enquanto o aluno treinava com seu tênis “novo”, uma mãe alimentava seu bebê, que parecia não ter mais de 1 ano, sobre a grande mesa que fica logo na entrada do “salão”, em frente a u