Cultura|A viagem ao Grande Sertão

Um museu dedicado à língua portuguesa só podia ter inaugurado sua sala de exposições lembrando os 50 anos de Grande Sertão: Veredas, obra de Guimarães Rosa que define a identidade brasileira

Por Bia Lessa

Descoberta

Exposição faz o público interagir

João Guimarães Rosa une a antropologia da palavra com a liberdade de poder recriá-la: “Meu lema é: a linguagem e a vida são uma coisa só. Quem não fizer do idioma o espelho de sua personalidade não vive; e, como a vida é uma corrente contínua, a linguagem também deve evoluir constantemente. Isto significa que como escritor devo me prestar contas de cada palavra e considerar cada palavra o tempo necessário até ela ser novamente vida. O idioma é a única porta para o infinito, mas infelizmente está oculto sob montanha de cinzas”.

Nosso trabalho começou quando solicitamos que a obra de restauro da sala fosse interrompida e permanecesse inacabada. Percebemos logo que não poderíamos trabalhar com imagens. Não há imagens possíveis do sertão de Guimarães Rosa. As imagens seriam sempre simplificadoras de um sentido mais amplo, e por isso optamos por expor apenas palavras, num contexto de construção – da linguagem, do indivíduo –, com tijolo, terra, entulhos, latas de tinta, restos do restauro do edifício. Uma metáfora simplória.

Mas como usar palavras, trechos, fragmentar uma obra como Grande Sertão: Veredas, que não tem capítulos ou divisões internas? Decidimos expor a íntegra. Usamos todo o espaço do teto da sala para a colocação de cada uma das páginas. Estaríamos todos, o tempo todo, dentro da obra, bastaria acioná-la. Dividimos a exposição em sete percursos, sem dividir o ambiente – mas o olhar. O espectador caminharia pela sala sete vezes, cada vez direcionando sua visão para um foco. Construídos a partir de fragmentos do texto – Estudos para Obra e Original, Interlocutor, Batalhas, Diabo, Fragmentos, Riobaldo e Diadorim –, os percursos seriam mapeados no chão, e o espectador escolheria que caminho seguir.

De posse dos percursos, começamos a estudar como expor as palavras a partir do sentido de “mire e veja” que se apresenta no romance. Não basta olhar, temos de enxergar. As palavras teriam de ser conquistadas. Então, para cada percurso criado, o espectador teria de se disponibilizar para compreender.

No caso de seguir a trilha de Riobaldo, o caminho o levaria a ilhas de entulho com palavras soltas, ilegíveis. Uma escada construída com restos de madeira o direcionaria para um ponto. Desse único ponto, o texto, que parecia ilegível, se tornaria claro. Na trilha de Diadorim se encontrariam frases (escritas no avesso) cobertas por uma lâmina de água, contidas em galões. Para ler, o visitante precisa fazer uso de um espelho, que estabelece um diálogo com o ilegível. Diadorim se esconde e se revela durante todo o romance.

Sem procura não há revelação. “Visita, aqui em casa, comigo, é por três dias!”, diz Guimarães. Por isso o percurso do Interlocutor propõe que o visitante preste atenção e dedique um tempo até a descoberta das frases completas. De um único ponto