Entrevista|Discriminação positiva

“A questão da raça existe
no inconsciente coletivo do
Brasil. A política de cotas não
vem para discutir a raça, mas
para corrigir conseqüências
da construção racial que já
existe na sociedade”

O antropólogo Kabengele Munanga diz que combater a discriminação racial no país é mais difícil porque, oculto sob o mito de uma suposta democracia racial, o racismo brasileiro não mostra a cara ao fazer suas vítimas

Por Flávio Aguiar

O professor Kabengele Munanga diz com orgulho ter sido o primeiro negro a entrar na pós-graduação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade (FFLCH) de São Paulo. Nascido no Congo, depois de fazer sua formação na Universidade de Lumbumbashi, terminou radicando-se no Brasil. Tornou-se professor do Departamento de Antropologia da FFLCH.

Escreveu, entre outros livros, O Negro no Brasil de Hoje (com Nilma Lima Gomes; Global, 2006); A Revolta dos Colonizados (com Carlos Serrano; Atual, 1995); Rediscutindo a Mestiçagem (Tese de Livre-Docência, defendida em 1997; Autêntica, 2004); Estratégias e Políticas de Combate à Discriminação (Edusp, 1996); Negritude – Usos e Sentidos (Ática, 1988).

Defensor entusiasmado das políticas afirmativas para combater a discriminação racial e a desigualdade, o professor Kabengele recebeu a Revista do Brasil no Centro de Estudos Africanos, do qual é um dos líderes acadêmicos. De fala mansa mas firme, ressaltou que as cotas étnicas são eficazes para combater rapidamente a desigualdade e não se corre o risco de que sublinhem o racismo nem rebaixem o nível nas universidades.

Neste Mês da Consciência Negra aumentam as discussões das políticas afirmativas e suas controvérsias. A favor, há argumentos como “para situações desiguais, tratamento igual é injustiça” ou outros, de natureza histórica, de que se está reparando uma lacuna. Do outro lado, dizem que discriminação é discriminação, mesmo que seja positiva.
Eu começo a discussão me posicionando a favor das políticas de cotas. Os que estão contra dizem que isso é anticonstitucional porque perante a lei somos iguais. Essas pessoas confundem igualdade formal com a material ou consubstancial. A Carta Magna de 1988 defende a busca da igualdade consubstancial ou material. Não basta proibir a desigualdade. Tem de implementar políticas para reduzi-las. Eu não vejo discriminação positiva como discriminação, mas como política de conteúdo compensatório e reparatório que busca a redução das desigualdades. Quase 94% dos brasileiros que têm diploma universitário são brancos; 1% é oriental, mas os orientais são mesmo 1% da população; e entre 2% e 4% são negros. Como você vai reduzir a desigualdade em matéria de educação sem política e sem intervenção? Defendo cota para negros e brancos da escola pública com porcentagens definidas para negros, que é uma maneira de reduzir essa diferença.

Quando se fala na questão das cotas étnicas, fala-se em negros e pardos. Como é isso?