Consumidor|Abaixo o papagaio

A usura dos juros brasileiros ainda leva desavisados à "forca". Entidades de defesa do consumidor têm serviços que ensinam a não bobear com o crédito e, se já for tarde demais, como sair da crise

Miriam caiu nas armadilhas do crédito e as dívidas não pararam mais de aparecer

Por Xandra Stefanel

Cheque especial, cartão de crédito ou até mesmo um inocente entregador de panfletos no centro da sua cidade – que pega o devedor distraído no meio da rua e o leva para dentro da “generosa” financeira, pronta para ajudá-lo a taxas de juro de corar agiotas. São muitas e tentadoras as armadilhas do crédito. E junto com a bagunça do orçamento e da vida vem o constrangimento. É assim que se sente Miriam de Oliveira Pereira, 35 anos, que trabalha – ironia do destino – num escritório de contabilidade em Santa Bárbara d’Oeste (SP).

Há cerca de cinco anos, junto com o fim do casamento, começaram outros apuros. Ao herdar as dívidas da loja que tinha com o ex-marido, ela mal imaginava que pouco mais de 3 mil reais negativos logo se transformariam em mais de 8 mil, entre os juros, as taxas de protesto e a renegociação com o banco – ao final de dois anos de encrenca –, em 24 parcelas de 350 reais. Quando achou que estava com o nome “salvo” na praça, Miriam foi novamente alvejada pelo fogo amigo.

Ela fazia compras com uma vizinha, para a qual também emprestava cheques. “Eu pagava minha conta e a dela, depois ela me dava o dinheiro. Até que um dia ela não pagou e meus cheques começaram a voltar.” Logo ela teria o nome incluído na lista dos serviços de patrulha do crédito.

Enroscar-se com as dívidas não é um drama particular de Miriam. Segundo a Serasa, em agosto, dos 142,9 milhões de cheques compensados, 2,91 milhões foram devolvidos por falta de fundos. E quem recorre, por exemplo, ao cheque especial para salvar o borrachudo, também está a um passo do abismo. A taxa média de juros do especial verificada pelo Banco Central em agosto era de 7,7% ao mês (mais de três vezes a inflação anual). O cidadão que deixar o saldo ficar negativo em 100 reais num mês terá, ao final de 12 meses, um mico de 243 reais. Mais de 140% em um ano. Hoje, se a barbarense Miriam Pereira passasse a rolar mensalmente sua dívida de 3 mil reais, na próxima primavera estaria pendurada em mais de 7.300.

Ao verificar que a dívida já não cabe no orçamento, para parcelar o sacrifício a pessoa se torna séria candidata a presa de um agiota – que às vezes também atende pelo nome de banco, que raramente cumpre sua obrigação de educar para o crédito e não permitir que ele devore o usuário.

Em São Paulo, o Procon – que oferece cursos, cartilhas e palestras para orientar os consumidores a organizar o orçamento doméstico – está implantando o Núcleo de Tratamento do Superendividamento para alertar a sociedade que o problema não atinge somente o endividado, mas também a economia do país. O serviço já existe no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul com bons resultados.

No Procon gaúcho, o trabalho começou em 2003 e hoje atende cerca de dez pessoas por dia. O devedor predominante é mulher e tem entre 25 e 45 anos. De acordo com o coordenador Alexandre Appel, é possível ajudar o consumidor a sair das listas de proteção ao crédito em aproximadamente 50% dos ca