Internacional|”Você precisava conhecer Beirute. Como estava linda!”

O conflito no Oriente Médio entre o grupo libanês Hizbollah e o Exército de Israel deixa o Líbano destruído e cerca de mil civis mortos. O Brasil enviou ajuda humanitária e retirou 3 mil pessoas do país

Por Juliana Cézar Nunes. Fotos de Marcello Casal

“Minha família virou alvo porque pensam que o
chefe do
Hizbollah é nosso vizinho.” O desabafo
é de uma
dona-de-casa de 44 anos, árabe-brasileira, que
até julho
deste ano vivia com o marido e os dois filhos em um bairro
muçulmano xiita de Beirute, o Haret Hreik. A casa de Leila
Nacerdin Madi está condenada. Os prédios em volta
foram
destruídos pelas bombas israelenses. Faltam água
e luz. A
tia de Leila morreu em um dos bombardeios. “Meu bairro
é
muito bom. Algumas pessoas são mesmo do Hizbollah, mas
ninguém se mete com ninguém. Tem até
católico. É absurdo achar que o líder
do grupo
estaria aqui, ao lado de qualquer casa.”

Leila voltou para o Brasil com os filhos, mas o marido continua em
Beirute. Um dia após o cessar-fogo, em 15 de agosto, ele e
outras centenas de pessoas regressaram a Haret Hreik com a
esperança de encontrar escolas, lojas e apartamentos de
pé. Viram apenas escombros, fumaça, bombas que
não
detonaram e muita poeira. Os libaneses buscavam pertences ou
até
mesmo parentes entre os escombros. Muitos chegaram a varrer o
chão, na tentativa de retirar os pedaços de
cimento,
passando a sensação de que acreditam na
importância
de recomeçar por algum ponto. Enquanto isso,
crianças
correm para todos os lados com cartazes em que estão
estampadas
fotos do principal líder do Hizbollah, Hassan Nasrallah.
“Nem todo mundo aqui é do Hizbollah. Mas as coisas
estão começando a mudar”, conta o
motorista
libanês Avo Yeremian. “Vamos construir tudo de
novo.
Já fizemos isso uma vez.”

O comerciante Moussa Barakat, libanês naturalizado paraguaio,
diz
ter visto cair o edifício onde morava com as duas filhas, ao
sul
de Beirute. “A sorte é que não
estávamos em
casa nessa hora. Fomos dormir em outro lugar com medo das bombas. Mas
quatro vizinhos meus morreram na hora”, lamenta.
“Quero
ficar bem longe daqui por algum tempo. Meus filhos não
agüentam mais.”

Crimes de guerra

Depois de 35 dias sob ataques, as regiões de maioria
cristã, centrais e litorâneas de Beirute ainda
preservavam
o charme da cidade, outrora considerada a “Paris do
Oriente”. Os cafés às margens do
Mediterrâneo
seguem movimentados. O porto está cheio. As pessoas tentam
retomar a vida. Para quem apenas ouviu os estrondos, essa perspectiva
parece mais fácil.

É o caso do estudante de Engenharia Mynhem Ghieh, 19 anos.
Ele
mora e trabalha em uma região predominantemente
cristã.
“Nunca caíram bombas aqui. Mas eu ficava assustado
com o
barulho”, conta. “Porém estamos voltando
a ficar
bem.”

Dima Hamzé, 25 anos, também reside em uma
área de
Beirute tida como mais segura, próxima do litoral. Um farol
considerado ponto turístico ao lado da casa dela, no
entanto,
foi bombardeado. “Meus pais resolveram ir embora. Vamos
passar de
um a quatro meses no Brasil, mas queremos voltar para Beirute.
É
uma cidade linda, cheia de coisas para fazer. Eu adoro.”

O governo libanês estima que aproximadamente mil civis
morreram
durante os conflitos – iniciados em 12 de julho,
após o
seqüestro de dois soldados israelenses pelo Hizbollah. O
governo
de Israel calcula em 55 os civis mortos no país. A
diferença numérica é uma das bases do
relatório divulgad