História|O diário de Manuela

A história recontada na minissérie da Globo causa encanto e perplexidade. É que estamos desacostumados a ver os acontecimentos do Brasil contados por combatentes ousados e idealistas

Rosário Rosário (Mariana Ximenes) e Manuela (Camila
Morgado)

Por Flávio Aguiar

Apesar do título A Casa das Sete Mulheres,
a maior parte
das perguntas a mim dirigidas quando da primeira
apresentação da minissérie da TV Globo
dizia
respeito aos homens e suas batalhas. O enredo se passa durante a
Revolução Farroupilha (1835-1845). A maior e mais
longa
guerra civil brasileira começou durante o período
regencial e terminou no Segundo Reinado, sob d. Pedro II.

Como sou gaúcho, e escrevi sobre a revolta, amigos e
conhecidos
vinham me perguntar: mas essa gente existiu mesmo? O general Netto era
tão ousado assim? E Bento Gonçalves,
tão nobre?
Teixeira Nunes comandou mesmo brigadas de ex-escravos, do lado dos
revoltosos? Giuseppe Garibaldi era assim, tão
romântico?

Muitas perguntas se dirigiam também a respeito de Anita, que
se
uniu a Garibaldi quando os revoltosos tomaram Laguna, em Santa
Catarina, em busca de um porto de mar, em 1839. Junto com o italiano
ela foi para Montevidéu, e depois para a Europa, onde ambos
lutaram pela unificação da Itália e
onde ela
morreu, em 1849, durante a fuga dos garibaldinos da Roma sitiada pelos
franceses, austríacos e partidários do poder
terreno do
papa.

Vamos por partes. A Revolução Farroupilha, ou
Guerra dos
Farrapos, começou em 1835, quando tropas rebeldes,
comandadas
por Bento Gonçalves, tomaram Porto Alegre e depuseram o
presidente da província. A luta foi se alastrando pelo
estado
inteiro, com episódios dramáticos. No ano
seguinte, em
1836, o general Antonio de Sousa Netto proclamou a República
Rio-Grandense, separando do Brasil o estado do Sul, mas guardou a
possibilidade de reunir-se ao restante do país caso as
demais
províncias aderissem ao sistema republicano e
constituíssem uma federação.

Bento Gonçalves foi preso naquele ano e enviado ao Rio de
Janeiro. Conheceu Giuseppe Garibaldi, então exilado e
perseguido
político, condenado à morte na Itália
por
conspiração. Garibaldi aderiu à
revolução e rumou para o Sul com outros
italianos. Dois
deles se notabilizaram: o conde Tito Lívio Zambeccari, que
foi
feito prisioneiro e voltou para a Itália depois de
anistiado, e
o galante Luigi Rossetti, que se tornou um dos principais escritores do
diário oficial dos revoltosos, O Povo, e morreu em combate.

Como era costume nessas guerras, os revoltosos recrutaram escravos, a
quem prometiam a liberdade. O coronel Teixeira Nunes comandou duas
brigadas de Lanceiros Negros, como eram conhecidos, e elas tornaram-se
o terror dos imperiais. Em 1839, os farroupilhas, comandados por
Garibaldi e Davi Canabarro, transportaram dois barcos por terra, da
Lagoa dos Patos até o mar, e com um deles (o outro
naufragou)
atacaram Laguna, onde o italiano conheceu a jovem Anita. Derrotados ao
final do ano, os revoltosos retornaram ao Rio Grande do Sul, onde a
luta continuava.

Depois de dez anos de batalha, o fôlego dos rebeldes
esgotou-se.
Os imperiais, comandados por Caxias, propuseram uma paz que foi
considerada honrosa pela maioria. Durante o processo de
negociação, o coronel Teixeira Nunes foi
perseguido e
morto. Netto partiu para o Uruguai, deixando para trás uma
frase
que fez fortuna: “Vou para o Uruguai. Lá
é uma
república. E o meu sombrero perdeu o costume de fazer
barretadas
para imperador”, ou algo assim.

Baseada em fatos reais

As perguntas a mim dirigidas mostravam certa perplexidade das pessoas
ao tomarem conhecimento desses fatos e desses personagens. É
que
não estamos acostumados, na maior parte do Brasil, a ver