Literatura: O código da venda

Os romances policiais contemporâneos
aposentam Sherlock
Holmes e entram na escola de Indiana Jones. Fáceis de ler e
campeões de bilheteria, eles se metem em algo escondido num
tempo remoto a ser decifrado

Por Flávio Aguiar, da Carta Maior


Tom Hanks pelas ruas de londres na pele de Robert Langdon

Paira no ar a ameaça de um crime. Não, prezada
leitora,
prezado leitor: desta vez não é mais um ataque do
PCC nem
outra chacina praticada por policiais. A vítima é
você. Sua existência está
ameaçada.
Você olha para o futuro e nada vê. Ou se percebe
num
caminho coberto pela neblina: o alcance de sua visão
não
vai longe. Essa perda de contato com o futuro também faz
você sentir uma ruptura com o passado. Não que
você
tenha esquecido quem é, onde nasceu, como cresceu, o que
estudou, o que trabalhou até aqui. Mas lembrar isso
não
significa mais nada, não garante nada. Numa palavra,
você
e os seus ficaram sós, e a qualquer momento podem cair no
vácuo, no abismo, sejam pobres, remediados ou até
mesmo
ricos. Não importa. Você se sente como um antigo
habitante
das cavernas nos tempos pré-históricos: obrigado
a ganhar
a vida a cada dia, sem compromisso com o passado, sem garantia de
futuro. Não, isso não é um pesadelo:
é a
percepção real do seu dia-a-dia.

Os anos de neoliberalismo, a pulverização de
direitos, de
expectativas de direitos, esboroaram sua
percepção do
tempo. Você vive enclausurado num presente
contínuo, numa
bolha-sem-saída, o tempo é a
repetição do
mesmo, todo o tempo o tempo todo. Tudo está perdido?
Não!

Pelo menos durante algumas horas, alguns dias, que podem se prolongar
se sua capacidade de leitura for calejada. Vêm aí

para salvá-lo – não da vida,
é claro, mas do
desânimo, talvez do pânico, os novos
heróis dos
romances policiais! À frente, os heróis do novo
mega-herói Dan Brown. E em primeiro lugar desfila, neste
cordão de salvadores da pátria – ops,
de você
– Robert Langdon, professor de simbologia da Universidade de
Harvard, nos Estados Unidos. Na adaptação para o
cinema
do livro O Código Da Vinci, ele foi vivido pelo
simpático
Tom Hanks – aliás, herói de um outro
filme
emblemático destes tempos neoliberais: O Náufrago.

Antes de mais nada, um lembrete: aparentemente, o livro de Dan Brown
“trouxe à luz” a versão
“esquecida” de um caso amoroso entre o Messias
cristão e Maria Madalena. Mas essa história ou
estória, como se queira, não é
novidade. Sua
versão primeira está num dos Evangelhos chamados
“apócrifos” – O Evangelho
Segundo Maria
Madalena – em que ela reproduz os ensinamentos de Cristo pela
ótica feminina. No Brasil, essa paixão da
Paixão
foi tema de um poema musicado de Catulo da Paixão Cearense
(autor de Luar do Sertão), A Dor da Paixão, que
terminava
cantando que a dor maior do crucificado não era a de
não
poder salvar a humanidade “da eterna atrocidade do
sofrer”,
mas sim “a crucial pena / de sentir por Madalena / o
coração desfalecer”.

Mas quem é, afinal, esse nosso
“herói”
pós-moderno? É um professor
universitário,
sofisticado, conhecedor dos signos do tempo. Ele decifra pergaminhos
perdidos, mensagens cifradas há séculos,
previsões
sobre o futuro enigmático. Em suma, ele restaura a
sensação do tempo, de algum tempo, seja ele qual
for.

O velho detetive Sherlock Holmes, ainda o mais famoso do mundo,
decifrava os crimes porque conhecia o mapa territorial e social de sua
nevoenta Londres: por uma mancha de barro num sapato ele sabia por onde
o suspeito (ou a vítima) tinha andado e o que tinha
aprontado.
Os tempos neoliberais borraram este mapa social, transformando sua
percepção numa mixórdia mais confusa
do que o
trânsito em São Paulo às seis da tarde.

Mas o herói pós-moderno, Robert Langdon c