Sóbria decisão

Alcoolismo é doença, pode ser controlado
e, muitas
vezes, é favorecido pela atividade profissional. Para a
empresa,
amparar é melhor do que punir. Antes, como o
alcoólatra,
ela precisa admitir que tem problemas

Por Krishma Carreira


Geraldo virou atleta e hoje só toma água e
isotônico

Geraldo mal abre os olhos pela manhã e com a luz do dia vem
uma
vontade visceral: bebida! Quando menos espera está com o
copo de
cachaça na mão trêmula. Sem fome, segue
para a
fábrica. De vez em quando, corre para o armário
onde
esconde uma garrafa. Um gole, outro, e volta ao trabalho. Na
saída, mais um trago. Por dia, enxuga duas garrafas e, por
causa
disso, chega a dar o cano quinze dias por mês. Geraldo
está com 32 anos e começou a beber aos 18. Na
época, arrumou emprego de instalador de cortinas.
“No
final do serviço, o cliente pagava uma bebidinha.”
Logo
começou a tomar cerveja todos os dias. Um dia, a
situação saiu de controle. Depois de beberem umas
e
outras, Geraldo e o companheiro de trabalho começaram a
trocar
socos enquanto o amigo dirigia, por causa da divisão da
gorjeta.
Saldo: um acidente de trânsito, ferimentos e
demissão. O
patrão toleraria um acidente de trânsito, mas
não
um empregado bêbado.

Esta história já está no passado de
Geraldo de
Souza, hoje com 45 anos e há 13 sem beber. “Antes,
eu
não tinha identidade. Eu nem me olhava no
espelho.” Ele
atribui à conquista da abstinência a
realização de antigos sonhos. Fez curso de
fotografia.
Comprou apartamento, onde vive com a mulher e dois filhos –
que
temeu perder durante a era dos porres. E virou atleta. Daqui a dois
meses, vai pedalar 535 quilômetros até Belo
Horizonte, sua
cidade natal.

Geraldo ainda vive uma luta diária contra o
vício.
“Quando vejo alguém tomando uma cervejinha me

vontade, mas eu resisto.” Ele é dependente
químico.
A Organização Mundial de Saúde
considera que o
alcoolismo é doença – que
não tem cura, mas
tem controle. Está em quarto lugar na lista das
doenças
que mais incapacitam os trabalhadores. Pode ter causa
hereditária, psicológica, sociocultural ou todas
juntas.
Segundo o Centro Brasileiro de Informações sobre
Drogas
Psicotrópicas (Cebrid), 11,2% dos brasileiros são
alcoólatras. No Nordeste, a média chega a 16,9%.
Quem
começa a beber com menos de 15 anos tem quatro vezes mais
chances de se tornar dependente do que quem começa entre os
15 e
os 21.

Muito a oferecer

Antônio Ribeiro Santos tomou a primeira pinga aos 10 anos, em
casa, com o pai. “Disseram: ‘este é
homem pra
valer’”, lembra. Antônio é
alcoólatra
em recuperação há 15 anos. Parou de
beber com
terapias em grupo e com o apoio dos amigos, e ainda faz parte do
programa de ajuda aos dependentes químicos da Ford, onde
trabalha há 13 anos. O grupo, de 24 pessoas,
reúne-se a
cada quinze dias durante duas horas para apoio mútuo e troca
de
experiências.

“O grupo está mais forte a cada dia. Aqui
é uma
família”, diz Ana Maria Feliciano, assistente
social da
companhia, que lembra cas