O novo Imperialismo, por Frei Betto
Quem estuda em seminário adquire certo conhecimento histórico. Não dá para estudar Bíblia sem remeter-se ao Egito dos faraós. Nem se aprofundar no contexto dos evangelhos sem ter idéia do que significou o Império Romano.
Pelas obras de Suetônio e Flávio Josefo, fiz muitas incursões turísticas pelo Império Romano. A própria noção de império sempre me provocou calafrios. Nada se opunha ao poder dos Césares. Tito, Domiciano, Nero, Calígula, teriam sido homens que reduziram o direito a seus caprichos pessoais. A vontade deles era lei. Divinizados pela teologia pagã, comportavam-se como se fossem deuses, a quem a plebe era obrigada a prestar culto.
O Império Britânico também me impressionou. Nele, jamais o Sol se punha, tamanha a sua extensão pelo orbe terrestre. Aos poucos, ruiu como todos os impérios precedentes. E deixou em seu rastro, na Ásia e na África, um rosário de ex-colônias marcadas pela miséria.
Assim são todos os impérios: sanguessugas. Só o chinês, que não chegou a consolidar-se mundo afora, agiu pela lógica inversa: a de cuidar melhor dos povos que subjugava. Por isso abandonou Mogadíscio, no século XV, quando a empresa colonial tornou-se onerosa.
Hitler tentou erguer um império, o 3º Reich. Stalin, o soviético. Deram com os burros n`água. Em 1962, em Argel, Che Guevara denunciou o social-imperialismo da União Soviética. Nunca mais se ouviu seu nome no Leste europeu, exceto para acusá-lo, como ouvi da boca de um dirigente russo, de aventureiro e terrorista.
Com a queda do Muro de Berlim, julguei que a bipolaridade marcasse o advento da multipolaridade. Teríamos, assim, um mundo mais democrático. Ledo engano. Como assinalou Emir Sader, União Européia, Japão e China não conseguiram se afirmar como superpotências e equilibrar os pratos da balança. Hoje, estamos entregues ao império dos EUA, que submete o planeta à sua estratégia militar e a seus interesses econômicos.
Isso não é apenas um fato. É também uma teoria. Basta conferir o que propõe Robert Cooper, conselheiro político de Tony Blair (Jornal do Brasil 5/5/2002, p. 21). Ele defende que o mundo se encontra dividido entre Estados pré-modernos (Somália, Afeganistão), modernos (China, Índia) e pós-modernos (União Européia e EUA). E, sem nenhum pudor, afirma o diplomata de Sua Majestade: “Quando lidamos com Estados mais fora de moda (grifo dele), de fora do pós-moderno continente europeu, temos que regredir para os duros métodos de uma era anterior força, ataques preventivos, engodos (grifo meu), o que for necessário para lidar com aqueles que ainda vivem no mundo do século 19, de cada Estado por si”.
José Rainha é preso por causa de uma escopeta encontrada no fusca que lhe deu carona, mas o conselheiro do primeiro ministro britânico sequer é denunciado à Corte Internacional de Haia por crime de lesa-humanidade e incitação ao genocídio. Ao contrário, Cooper insiste: Entre nós, respeitamos a lei, mas quando atuamos na selva, temos que usar também a lei das selvas. E que lei é esta? Um novo tipo de imperialismo, aceitável para um mundo de direitos humanos e valores cosmopolitas.
Quem, sinceramente, acredita que o american way of life é paradigma para um mundo melhor? Cooper aponta o narcotráfico e o terrorismo como os principais inimigos na atualidade. Não se pergunta se são causas ou efeitos. E propõe como solução, para a nova pax americana, o imperialismo liberal, que teria duas características: operar por um consórcio internacional, através de instituições financeiras internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, e o que pode ser batizado de imperialismo de vizinhos. Instabilidade ao lado representa ameaça que nenhum Estado pode ignorar. Mas como Osama bin Laden demonstrou agora para quem não havia percebido, hoje o mundo todo, pelo menos potencialmente, é nosso vizinho.
Em nenhum momento o arauto do novo imperialismo se pergunta por que há tanta fome e