Juros, impostos e o futuro do país, Por Mauro Zilbovicius

"Wall Street e o Jardim Ângela são igualmente credores do Estado brasileiro."

No final de janeiro de 2002, o Banco Central divulgou os dados finais de 2001 das contas públicas nacionais da União, Estados e Municípios brasileiros. Encontram-se disponíveis, de maneira razoavelmente transparente, na página do Banco Central na Internet. Apesar disso, a execução da política fiscal brasileira ainda parece ser um mistério para o cidadão comum. No entanto, praticamente todos os problemas que afetam a população, e que devem ser discutidos na campanha eleitoral que se aproxima, têm forte vinculação com estes números.

Quais são eles? Podemos nos limitar a apenas quatro cifras. Em primeiro lugar, o Banco Central informa que o superávit primário de todo o setor público em 2001 foi de R$ 43,7 bilhões – superando a meta negociada com o FMI em R$ 3,5 bilhões. O setor público “economizou” este montante, gastando menos do que arrecadou, deixando de fazer estradas e casas populares, tapar buracos, construir e reformar hospitais, enfim, tudo aquilo que a sociedade espera. Havia recursos: o dinheiro foi arrecadado de fato, apenas não foi gasto. O que seria possível fazer com esse dinheiro? Ele representa, por exemplo, mais do que quatro anos inteiros de gastos da Prefeitura da maior cidade do Brasil!

O que foi feito com essa economia? Serviu para pagar uma parte dos juros da dívida pública. O setor público pagou R$ 86,4 bilhões de juros. Mesmo assim, não foi suficiente. Faltaram ainda R$ 42,7 bilhões. De onde veio essa diferença? De mais endividamento, externo e interno. Por que se paga juros tão altos? Basicamente, porque a taxa de juros que o governo oferece a seus credores é alta, e porque o total da dívida é gigantesco. Pior, ela cresce cada vez mais.

Por que um governo se endivida? O que faz com o que obtém com o endividamento? Em certos momentos da história, governos assumiram dívidas para poder construir usinas, estradas, escolas, cidades. A sociedade paga os juros correspondentes, mas obtém algum resultado. O que tem feito o governo brasileiro, nos últimos sete anos, com o endividamento? No segundo semestre de 1998, por exemplo, endividou-se para obter dólares, de modo a administrar a taxa de câmbio. A dívida pública explodiu, então, para manter uma taxa de câmbio tão irreal a ponto de ser rompida em janeiro de 1999. Mas a dívida ficou. O governo tem praticado taxas de juros em níveis recordes, para combater a inflação, atrair rentistas e proporcionar-lhes oportunidades de ganhos inimagináveis, com baixíssimo risco, especialmente para os investidores internos. Endividamento não é bom ou ruim em sim mesmo; depende do que se faz com os recursos obtidos. Nos últimos anos, pagamos juros de uma dívida que não promoveu o desenvolvimento, mas enriqueceu os credores.

Não é demais lembrar que qualquer decisão do governo é uma decisão política, isto é, é uma decisão que é resultado do conjunto de pressões e contrapressões de variados setores sociais. Não é uma decisão “técnica”, isenta de interesses, tomada apenas com base na ciência econômica. O princípio de que “só se gasta o que se arrecada”, inscrito na recente Lei de Responsabilidade Fiscal é fruto de interesses: não vale para o endividamento financeiro do governo federal.

Nos últimos anos, pagamos juros de uma dívida que não promoveu o desenvolvimento, mas enriqueceu os credores

O atual governo tomou a decisão de transformar o Estado brasileiro, em seus diversos níveis, em uma máquina arrecadadora de recursos dos cidadãos e das empresas para, prioritariamente, gerar capacidade de pagamento de juros aos credores, internos e externos, por conta de um endividamento que não se transforma em investimento produtivo e que exaure a capacidade privada de realizar esses investimentos.

Esta verdadeira apropriação do Estado brasileiro por parte de rentistas financeiros chega a gerar absurdos como o excesso de “economia” em relação ao que o próprio FMI (representan