Terror contínuo, por Cristovam Buarque

O pensamento único da riqueza concentrada pelo neoliberalismo vem impondo uma forma de fanatismo tão radical quanto o dos terroristas

O século XXI começou muito mal; como era de esperar por tudo que foi semeado ao longo do século anterior. Antes de completar seu primeiro ano, um grupo de fanáticos comete um crime impossível de ser cometido algum tempo atrás, pela falta dos equipamentos e da raiva. O século XX criou o poder técnico de destruição e o acúmulo de mágoas sociais e intolerâncias. O resultado é um mundo indignado com a arrogância dos ricos e assustado com o poder dos terroristas. As idéias chegam em pedaços, como os corpos das vítimas estão sendo encontrados. A perplexidade faz o pensamento emergir aos poucos, como se os jornais também usassem a linguagem das notícias na televisão, por imagens esparsas, em um videoclipe de idéias.

Aliança de opostos
Além das vítimas diretas, os norte-americanos, somos todos vítimas dos atentados aos EUA. Envergonhados com o que seres humanos conseguem fazer, assustados com o que vai certamente se repetir. Paradoxalmente, serão vítimas, ainda por muitos anos, os muçulmanos do mundo, especialmente árabes. Responsabilizados pelo que não fizeram e repudiam, serão vítimas do terror da discriminação e do terror virtual da mídia manipulando informações ao gosto da histeria coletiva e aumentando o preconceito.

Não apenas o islamismo, todas as religiões são um pouco vítimas do terror
fanático destes dias. As crianças do mundo se perguntam que religião e que Deus são esses em nome dos quais se cometem crimes e assistem a uma religião diferente ameaçando crianças na Irlanda.

Elas vão crescer escolhendo seu fanatismo ou repudiando os deuses e religiões. Porém, as duas vítimas maiores dos terroristas serão a imagem dos EUA no mundo, se os seus líderes, levados pela histeria do momento, fizerem vítimas civis e inocentes em países pobres do mundo; e a democracia, se os líderes, como já fizeram no passado – inclusive Hitler -, usarem o terror como desculpa para, pouco a pouco, restringir as liberdades e construir ditaduras. Há vocações para o terror e vocações para o autoritarismo, e essas duas vocações se aliam como opostos unidos.

A histeria: O povo norte-americano tem razão e direito de querer vingança
O povo tem o direito de levar esse sentimento até a histeria coletiva. Mas seus líderes não têm direito à histeria. Um estadista não pode ser histérico mesmo quando seu país está sob invasão. Ainda menos os líderes de outros países. Mas é o que estamos vendo. O presidente brasileiro tinha todas as condições de manifestar a tristeza do povo brasileiro, nossa solidariedade com o povo norte-americano, mas preferiu cair no ridículo de um discurso belicista, na pobreza metafórica de que daremos o sangue e ainda desperdiçou a primeira reunião de todas as lideranças nacionais sem definir um propósito, sem tirar uma única decisão. Podíamos ter tido um discurso de estadista olhando o mundo novo que precisamos construir, mas tivemos um discurso histérico de que precisamos destruir. 

Reestatização do terror: O neoliberalismo privatizou tudo, até o terror
Até recentemente, o terror tinha algum suporte financeiro ou ideológico de parte de Estados. No Oriente Médio, o terror tinha apoio clandestino do governo soviético; em Cuba, tinha o apoio do governo norte-americano. Com o fim da guerra fria, os estados se afastaram do terror e ele cresceu à margem e sem possibilidade de controle. O que aconteceu em Nova York é apenas um exemplo do que nos espera ao longo dos próximos anos do século XXI. Por mais que matem terroristas, outros vão surgir e talvez até em número maior e com mais fanatismo, graças ao martírio provocado pela repressão norte-americana. Essa repressão seria uma forma de estatização descarada do terror feito por estados contra indivíduos e, em conseqüência, o terror escancarado de indivíduos contra vítimas inocentes.

Terror contra Deus
As pessoas se assustam diante do risco das bomba