De quem é a responsabilidade

Ninguém gosta de desgraça e estamos sempre tentando nos afastar delas. Quando todos se organizam em torno das festas natalinas, então, o que era o andor de todo dia começa a pesar como chumbo. Por isso, gostaria muito, nesta coluna, de tratar de assunto mais alegre. Mas não posso deixar de dividir com o leitor um pouco da minha indignação contra a violência assassina – o chumbo grosso – desencadeada na semana passada contra trabalhadores do Distrito Federal.

Na sexta-feira passada, dia seguinte aos fatos, estive em Brasília. Encontrei uma cidade de luto, assustada, se perguntando: o Governador Joaquim Roriz é louco? Aos poucos fui reconstituindo os acontecimentos ocorridos na porta da Novacap. No “Correio Brasiliense”, algumas pinceladas gerais com cores fortes: “eram uns 400 ou 500 funcionários, quase todos operários braçais acostumados com o sol do meio-dia, que lhes tosta a pele enquanto cuidam dos jardins ou executam reparos nas ruas do Distrito Federal”. E ainda: “quando tudo terminou, um trabalhador estava morto e 33 feridos”.

Ao acompanhar a audiência de sindicalistas com Pedro Parente, ministro da Casa Civil, encontrei-me com o padrasto de José Ferreira da Silva, 33 anos, o jardineiro assassinado. Eletricista, de 50 anos, indignado, Jurandir Balbino Ferreira contou um pouco da história do enteado. José da Silva era um nordestino como outros milhares que, sem gostar de política, votaram no governador Joaquim Roriz. Pai de dois filhos, acumulava a jardinagem na empresa de conservação da Capital com um emprego de vigia noturno.

Ainda no Hospital de Base do Distrito Federal, visitei Cláudio César Gomes Cabral, que, ao lado de outro trabalhador, também perdeu o olho esquerdo, atingido por uma bala de borracha. Carpinteiro, 32 anos, Cláudio é delegado sindical na empresa e membro titular da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, a Cipa. Ninguém é capaz de imaginar a angústia deste trabalhador. Que direito o governador tinha de ordenar o massacre?

Você pode achar que é um ato isolado. Que no fim do século e de milênio, em sã consciência, nenhuma autoridade repetiria esta ordem de Roriz. Infelizmente, no entanto, não estou convencido disto. Não é fato isolado. Se é verdade que, não ocorrem assassinatos durante greves urbanas desde novembro de 1988, quando três trabalhadores da CSN foram assassinados em Volta Redonda, não é menos verdade que, a cada dia, a violência repressiva contra o movimento social vem crescendo.

Em 1995, foram 11 os mortos em Corumbiara, Rondônia. Em 1996, foram assassinados 19 sem-terra em Eldorado dos Carajás, sul do Pará. Em 1997 morreram três sem teto durante desocupação de seis prédios do conjunto habitacional Fazenda da Juta, na Zona Leste de São Paulo. Mas, não é preciso ir longe para encontrarmos os registros desta violência.

No dia 29 de setembro último o tropa de choque do governador Itamar Franco investiu contra nós, metalúrgicos, na porta da Fiat, em Betim. Também foram dezenas de feridos, felizmente sem gravidade. Mas é inegável que a truculência policial vem crescendo. E, infelizmente, ela cresce na medida inversa do agravamento da situação econômica e social do País. A violência policial contra a resistência dos trabalhadores é apenas consequência da idéia de que exclusão social é caso de polícia. Idéia que, em Brasília, ficou consagrada no lema da secretaria de segurança: “Segurança sem tolerância”.

A ordem do governador Joaquim Roriz ao seu secretário de segurança Paulo Castelo Branco foi cumprida à risca, “sem tolerância”, sem prazos, sem diálogos. Tropas de elite, preparadas para ações de segurança máxima como repressão à motins penitenciários foram acionadas contra os trabalhadores. O motivo alegado para a ação – desobstruir a entrada da Novacap, interditada pela presença dos manifestantes – era uma farsa. Na verdade a empresa tinha três portarias e