Contaminação de trabalhadores por mercúrio expõe falhas na produção industrial
A utilização de mercúrio em indústrias química, elétrica e eletrônica abre a discussão sobre a própria forma de organização dos processos de produção. Metal extremamente tóxico, a exposição ao mercúrio coloca em risco a saúde dos trabalhadores desses setores.
No mês de setembro, o Ministério Público do Trabalho (MPT) entrou com uma ação civil pública contra a fabricante de lâmpadas elétricas Osram Brasil. O órgão pede indenização a dezenas de trabalhadores que contraíram “mercurialismo metálico crônico ocupacional”.
Em decorrência da doença, os trabalhadores desenvolveram graves problemas neurológicos e neuropsiquiátricos como, fraqueza, depressão e mudança de comportamento, perda de memória, nervosismo, desmaios e perda de dentes.
Para entender o mercurialismo metálico e suas conseqüências para a saúde do trabalhador, a Radioagência NP entrevistou a professora Marcilia Medrado Faria da Faculdade de Medicina da USP e do Serviço de Saúde Ocupacional do Hospital das Clínicas.
Para ela, que já atendeu mais de 350 casos de intoxicações crônicas pelo mercúrio, a legislação da saúde ocupacional nesta área não é seguida pelas empresas. Além de muitos trabalhadores não terem uma cobertura médico-social, que também é prevista em lei.
Marcilia, no acompanhamento dos casos de mercurialismo metálico, o que chamou mais sua atenção?
Marcilia de Araújo Medrado Faria – É o que normalmente se conhece, desde a idade média, sobre os problemas [de saúde mental] determinados pelo mercúrio. Você tem dois tipos de mercúrio: o mercúrio inorgânico, que é metálico, que são os vapores e dá um efeito a longo prazo, crônico [e, também um efeito agudo]. E você também tem o mercúrio orgânico [determina intoxicação pela ingestão principalmente de peixes e pescados]. Eles podem dar dois tipos de alteração, que são mais comuns, mas basicamente o órgão alvo que o mercúrio atinge é o sistema nervoso central. Como ele atinge o sistema nervoso central podem ocorrer duas síndromes: síndromes mais relacionadas à área neurológica ou síndromes mais na área neuropsicológica. Eu tenho paciente dos dois tipos, mas tem mais as manifestações neuropsicológicas, que dão alterações cognitivas, alterações de coordenação motora e alterações na esfera psíquica. Do ponto de vista do psíquico, eles [os pacientes] têm irritabilidade, ansiedade, depressão, e às vezes alucinação, delírio. Do ponto de vista mais neurológico, às vezes tem problemas motores, problemas de cefaléia (dor de cabeça), tremores. Então, é uma série de manifestações que se enquadram nessas três áreas.
Normalmente, como ocorreram as contaminações por mercúrio desses trabalhadores?
MF: A grande maioria são indivíduos que trabalham na indústria e que no processo de trabalho há contato com o mercúrio. A grande maioria é de indústria de produção de lâmpadas, que utilizam mercúrio no processo [produtivo], mas podem ser indústrias de cloro-álcalis, que o mercúrio é utilizado, e outras indústrias como a de monômetros. Eu também tenho indivíduos [pacientes] da área de saúde que trabalharam limpando manômetros, que mede pressão arterial, eles [esterilizavam e] esquentavam esse mercúrio e se contaminaram. E tem um grupo grande de dentistas. Aqui em São Paulo, realmente, é o pessoal que trabalha em indústria, agora você tem uma contaminação grande em garimpos.
O sistema público de saúde tem estrutura para atender as pessoas contaminadas?
MF: Esse serviço de saúde ocupacional é um serviço do Hospital das Clínicas. Então, desde 1997, a gente tem atendido, faz uma bateria de exames que são caros, de avaliação de sistema nervoso. Nós temos feito em todos [os pacientes], mas há demora. Há uma necessidade de uma melhora, mas eles passam por uma bateria que envolve exames de imagem, exames de campo visual, auditivo e um acompanhamento. Esses pacientes precisam de acompanhamento psiquiátrico.
É possível ter uma desintoxicação total do mercúrio?
MF: Olha, é muito difícil porque o tratamento termina sendo mais um tratamento sintomático. A ansiedade que eles têm, a depressão, as dores que eles têm. Porque como o mercúrio se deposita no sistema nervoso. [Nos casos no curso da exposição] quando o mercúrio está circulando, às vezes, pode usar substâncias que são chamadas “quelantes”. Mas em uma forma crônica é complicado, como é que você vai mobilizar esse mercúrio que está no sistema nervoso? Então, até agora não está muito claro se vai melhorar ou não, por conta que esse mercúrio vai ser depositado em células que são neurônios ou outras células básicas do sistema nervoso.
No geral, as empresas têm garantido a segurança do trabalhador que tem contato com o mercúrio?
MF: Nas décadas de 1980 e 1990, a contaminação foi muito grande. Os pacientes tinham mercúrio distribuídos, jogados, eles viam. Eles colocavam a comida em cima de vapor de mercúrio. Parece que houve uma melhora, porque houve uma fiscalização do Ministério do Trabalho, mas a melhora ainda não é total, tem casos recentes de contaminação. No modo geral, nem os diagnósticos [dos trabalhadores possivelmente contaminados] as empresas facilitaram. Foram os órgãos públicos que viram [esse problema]. Em alguns casos as empresas têm afastado [os trabalhadores], mas muitos casos a empresa não afastou e quando vai para o INSS, como precisa conhecer o problema, se o médico que atende não conhece o individuo pode ficar com a sintomatologia, com o problema crônico, com a questão incapacitante, sem uma cobertura social. Porque se tem uma legislação da saúde ocupacional, sem se ter direito a essa cobertura.
Da Rádio Agência NP