Por uma sociedade sem manicômios
Em São Paulo, movimentos da luta antimanicomial cobram implementação efetiva da Reforma Psiquiátrica
Os 350 trabalhadores presentes ao Congresso Nacional de Trabalhadores de Serviços de Saúde Mental ocorrido na cidade de Bauru em 1987 deram um passo importante na história do movimento antimanicomial, marcando um novo momento na luta contra a exclusão e a discriminação.
As proposições tiradas no Congresso apontavam para a reformulação do modelo assistencial em saúde mental e a consequente reorganização dos serviços. Aprofundava-se a discussão dos direitos de cidadania e da legislação em relação às pessoas com sofrimento psíquico intenso, recusando o papel de agente da exclusão e da violência institucionalizadas que desrespeitam os mínimos direitos da pessoa humana.
Mais do que diretrizes, foi a partir deste Congresso que se instituiu o Dia Nacional de Luta Antimanicomial, lembrado neste 18 de maio. Seguindo os preceitos do qual o data foi institucionalizada, o SinPsi em parceria com diversas entidades tem realizado uma série de atividades durante esta semana com o intuito de mostrar e conscientizar a população brasileira de que é possível a recuperação de pacientes sem a existência de hospitais psiquiátricos.
Nesta quarta (18), os movimentos da luta antimanicomial foram às ruas em diversas localidades para denunciar as condições desumanas existentes nos manicômios psiquiátricos, procurando soluções que garantam o respeito aos direitos do cidadão. Além de aprofundar o debate, as atividades servem para chamar a atenção da sociedade para as diferentes práticas de acolhimento às pessoas abatidas pelo sofrimento psíquico.
Foi o que fizeram usuários, familiares, sindicalistas, estudantes, professores e representantes dos movimentos sociais nesta quarta, durante o ato público realizado em frente Assembleia Legislativa de São Paulo.
A atualidade da luta antimanicomial está ligada diretamente as reinvidicações por políticas públicas que possam abrigar em tratamento e cuidados aqueles que necessitam de atendimento. Ainda hoje, infelizmente, existem muitos manicômios arcaicos e centralizadores, onde há um relato contínuo de maus tratos, abandono, falta de cuidado, exclusão, angústia, limitação da liberdade.
“É um verdadeiro tratamento de choque. Estes modelos obrigam as pessoas abandonarem suas vidas, se afastando da família e da sociedade. É inaceitável que hoje se trate alguém desta forma”, exclama Lucio Costa, diretor do SinPsi.
Ouvir o relato dos usuários é ter a certeza da urgência da implementação efetiva da Reforma Psiquiátrica. Desde 2001, o Brasil conta com uma lei que acaba com os manicômios de forma progressiva, que devem ser modificados pelos modelos substitutivos, incluídos no bojo da Reforma.
Dentro destes modelos estão espaços públicos como Caps (Centro de Atenção Psicossocial), Residências Terapêuticas, Centros de Convivência e o Programa de Volta para Casa. Neles, além do acompanhamento clínico, há uma preocupação com a reinserção social dos usuários através trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários, oferecendo autonomia aos pacientes por vias não excludentes.
São atendimentos diários evitando as internações em hospitais psiquiátricos, procurando preservar e fortalecer os laços sociais do usuário em seu território juntamente com um trabalho delicado de reinserção social.
“A Reforma Psiquiátrica deseja a interação social cotidiana, demonstrando que a cidadania é um direito de todos. A luta nacional da Psicologia é por uma sociedade sem manicômios, por um tratamento digno e que respeite a especificidade dessa parcela da população”, declara Lucio.
Deputados se agregam a luta antimanicomial
Nesta quarta-feira, 18 de maio, as entidades da luta antimanicomial realizaram um debate na Assembleia Legislativa junto aos parlamentares. Estiveram presentes os deputados estaduais do PT Adriano Diogo, Carlos Grana, Hamilton Pereira, João Paulo Pillo, José Candido e Marcos Martins, além do deputado do Psol, Carlos Giannazi.
Todos saudaram a iniciativa, reafirmaram a importância da luta e colocaram-se a disposição para aprofundar e inserir o debate da saúde mental na Alesp. “Há um indicativo de que pouco a pouco estamos avançando. Aqui é um exemplo claro do quanto nós já conquistamos. Estar dentro da Assembleia Legislativa discutindo os problemas e as alternativas para o modelo da saúde mental é um exemplo claro de que democracia se faz com respeito a cidadania e a diversidade”, conclama Lucio.
Em São Paulo, porém, há um grande percalço que dificulta a atuação dos parlamentares sensíveis a luta dos movimentos sociais. O governo estadual possui maioria dentro da Alesp e como aponta a conjuntura atual, tem buscado alternativas quanto ao modelo de gestão, num processo contínuo de privatização e terceirização dos serviços públicos da saúde. Com maioria na Casa, o governo vai impondo seu desmonte do Estado.
A privatização tem agredido frontalmente o SUS e prejudicado diretamente a saúde mental. Seja através das Organizações sociais (OSs) e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips), venda dos leitos do SUS, o Estado que deveria cuidar das pessoas, repassa seu dever para terceiros, transferindo de responsabilidades para organizações privadas e filantrópicas que não dispõem de condições para administrar estas responsabilidades.
“Terceirizar a saúde significa privatizar todo o sistema, acabar com os serviços públicos e entregar o financiamento público para os capitalistas. Estamos diante de imensos desafios. É preciso reafirmar os preceitos da Constituição Brasileira, onde ações e serviços públicos de saúde devem ser organizados pelo SUS, baseando-se nos princípios de universalidade, integralidade, participação da comunidade e acesso igualitário às ações e serviços oferecidos no âmbito do Sistema”, destaca Marcos Colen, da direção do SinPsi.
Sorocaba, um caso à parte
459 mortes entre 2006 e 2009, representando um óbito a cada três dias. Na maior parte dos casos por motivos evitáveis e mal-esclarecidos, que dobram nos meses mais frios e que ocorrem em idade significativamente mais precoce do que nos outros hospitais psiquiátricos do Estado de São Paulo.
Essa é a triste realidade encontrada por pacientes que necessitam de atendimento nos hospitais psiquiátricos de Sorocaba.
Estes dados foram captados de um estudo organizado pelo Fórum de Luta Antimanicomial de Sorocaba (Flamas), coordenado pelo professor de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), Marcos Garcia, em resposta à gravidade dos acontecimentos.
Negligência, descaso, abandono, péssimo atendimento. São muitos os fatores apontados por Lucio Costa, que integra também o Flamas, como responsáveis por tantas mortes. Os indicadores obtidos a respeito dos manicômios de Sorocaba e região mostram, em seu conjunto, uma situação gravíssima, em todos os aspectos investigados.
Aproveitando o Dia Nacional de Luta Antimanicomial, os movimentos estiveram na Assembleia Legislativa ontem pela manhã e entregaram a todas as lideranças dos partidos um dossiê e uma carta manifesto sobre a situação de Sorocaba.
Neste dossiê, há um relato geral do sofrimento vivido pelos pacientes. O número de leitos, por exemplo, é cinco vezes superior ao que a legislação recomenda. Nenhum dos manicômios da região tem um quadro de funcionários compatível com as exigências da legislação.
No dia 24 de Maio, lembra Lucio, Sorocaba terá um grande ato em defesa dos direitos humanos, pela efetivação da Lei da Reforma Psiquiátrica e de denúncia a morte e aos maus tratos nos hospitais psiquiátricos. “Convocamos todos os movimentos a participarem deste ato. Só através da mobilização e da unidade conseguiremos avançar rumo a uma sociedade sem manicômios.”
Da CUT Nacional