São Paulo não põe um centavo no SAMU/192

Serviço de Antendimento de Emergência é todo custeado pelo governo federal em SP

Por

Conceição Lemes

Selma Correa, 67 anos, mora na Vila Mariana, bairro de classe média alta de São Paulo. Há 15 teve um infarto agudo do miocárdio. Estava sozinha em casa.

“De repente, senti uma dor violenta e persistente no peito. Meu braço esquerdo começou a formigar e eu, a suar frio. Tive tosse e vontade de vomitar. Parecia haver algo espremendo o meu tórax”, relembra. “Desconfiei de infarto, pois uma irmã havia tido. Imediatamente desci [mora no 14º andar], peguei o primeiro táxi que passou e fui para o pronto-socorro do Hospital São Paulo. Era infarto violento. Minha pressão arterial chegou a 6 por 4 [considera-se normal 12 por 8]. O médico disse que se eu tivesse esperado mais uns minutos – de casa ao hospital são dez -, não estaria mais aqui.”

Há três anos uma amiga de Selma, Elenice Cortês, que reside no mesmo bairro, começou a passar mal enquanto conversavam ao telefone. Os filhos estavam na faculdade e o marido em viagem.

“No ato, liguei para o SAMU – o 192. Em 20 minutos a equipe chegou. Mediu pressão, ouviu o coração, colocou a Elenice no soro, conversou com a central e levou-a para o pronto-socorro. Ela teve um derrame [acidente vascular cerebral, ou AVC]”, conta Selma. “Hoje, quando vejo alguém se acidentar ou passar mal na rua ou em casa, chamo na hora o SAMU.”

Selma não é exceção. Cada vez mais o 192 é acionado. De telefone celular, fixo ou orelhão, a ligação é gratuita. SAMU é a sigla do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, programa criado em 2003 pelo governo federal. O SAMU atende o usuário na residência, na via pública e no local de trabalho.

“No Brasil, havia municípios que dispunham de alguns serviços para atender emergências pré-hospitalares”, afirma o médico Clésio Mello de Castro, coordenador geral de Urgência e Emergência, do Ministério da Saúde. “Porém, como programa do SUS [Sistema Único de Saúde], destinado a 100% da população, esse atendimento só passou a existir há sete anos, quando o SAMU foi criado.”

“Através do telefone 192, o socorro chega onde o usuário está. A equipe presta atendimento já no local, antes de chegar nospital, no menor tempo possível, salvando vidas e diminuindo seqüelas”, explica Castro. “O programa ‘enxerga’ ainda o serviço mais próximo e adequado para levá-los em seguida para diagnóstico preciso e tratamento, quando necessário. A ambulância vai direto, ganha tempo, o que é crucial em emergências.”

Ambulância e equipe específicas para cada situação
A ambulância é a vitrine do SAMU. É a parte mais visível, a que se vê nas ruas. São 1.521 em 1.286 municípios já atendidos pelo programa. Dependendo da área, há também motos, lanchas e helicópteros.

“Quando você disca SAMU/192, está ligando para uma central de regulação, onde, além das telefonistas, há profissionais de saúde, inclusive médicos”, esclarece Castro. “O tipo de atendimento, ambulância e equipe vai depender da gravidade do caso. Há situações em que basta uma orientação por telefone.”

É o caso de uma criança que cai na escola e faz um pequeno corte na testa. Da própria central, o médico pode orientar a professora a proteger o machucado e encaminhar com o próprio carro o aluno até o hospital.

Outro exemplo: pai liga para o SAMU para saber se a dose do remédio que a criança ingeriu está adequada. Também da central, o médico orienta-o. Isso também salva vida, pois a dose errada pode ter efeitos colaterais graves.

Já se a pessoa cai da própria altura (por exemplo, escorrega na rua ou em casa), está consciente e sem fratura exposta, o médico da central envia ambulância com suporte básico, cuja equipe vai imobilizar o doente e levá-lo ao hospital mais próximo.

A ambulância de suporte básico normalmente é composta de motorista socorrista (treinado para auxiliar no atendimento) e técnico de enfermagem. Eles dão os primeiros cuidados para que este paciente não tenha prognóstico pior.

Em casos de capotamento de veículo, com perda da consciência, ou infarto, é necessário cuidado médico especializado no local. É enviada então uma UTI móvel, com médico e enfermeiro. Todos os equipamentos que existem numa UTI há nesta ambulância.

“Parte das ambulâncias do SAMU é equipada com aparelho que faz eletrocardiograma, transmite-o via telefone para uma central no Hospital do Coração [HCor], que faz a leitura e devolve o resultado”, ressalta Castro. “Todo esse processo dura, em média, cinco minutos. Ele permite diagnóstico mais preciso ainda em casa. Se confirmado infarto do miocárdio, por exemplo, a equipe do SAMU já inicia a medicação antes mesmo de levar o paciente para o hospital.”

O serviço de eletrocardiograma digital à distância é uma tecnologia de ponta e visa aos usuários do SUS. É uma parceria do Ministério da Saúde com o HCcor, em São Paulo, cujo diretor-geral é o dr. Adib Jatene. A central do hospital, com 16 cardiologistas, funciona também 24 horas por dia.

“O procedimento permite agilidade, precisão e redução do tempo de atendimento, diminuindo as sequelas e mortes por doenças cardiovasculares”, afirma o professor Adib Jatene, considerado um dos grandes cirurgiões cardíacos do país. “Pode reduzir em até 20% o número de mortes por doenças do coração.”

“O SAMU atende rápido e no local em que o paciente está”, reforça Clésio Castro. “Seguramente está salvando muitas vidas.”

“Aparentemente, o atendimento do SAMU diminui o risco de óbito no local, mas ainda não há estudos de longo prazo das vítimas após a alta”, observa Gustavo Fraga, professor e coordenador de Cirurgia do Trauma da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “O SAMU faz o socorro pré-hospitalar. Mas isso não garante que as vítimas de trauma, que representam 25% dos atendimentos, sobreviverão depois e terão qualidade de vida. Para que o SAMU tenha impacto efetivo é preciso investir também e bastante nos hospitais de referência e na reabilitação. O SAMU resolve apenas um pedaço do problema. De qualquer forma, inegavelmente, é um avanço importante.”

Todos os estados contribuem, menos São Paulo
O SAMU alcança 106 milhões de brasileiros. Região Sul: 17.221.962. Nordeste: 26.179.381. Centro Oeste: 10.407.577. Sudeste: 45.371.427. E região Norte: 6.550.451.

Acre, Distrito Federal, Goiás, Sergipe, Santa Catarina já têm 100% de cobertura. É provável que ainda em 2010 se torne também universal nos estados de Alagoas, Amapá, Amazonas, Pará, Paraná, Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte.

“O financiamento do SAMU é tripartite: 50% vêem do governo federal, 25% do estado e outros 25% do município”, expõe Castro. “A participação dos três entes da federação dá mais sustentabilidade ao programa, facilita a sua manutenção e ampliação e possibilita atendimento adequado.”

Supondo que o custo anual seja de 50 milhões. À União cabem 25 milhões, ao estado, 12,5 milhões e aos municípios, outros 12,5milhões, divididos entre eles.

Todos os estados – inclusive os do Norte e Nordeste – participam da divisão de contas, exceto um: São Paulo, até recentemente governado pelo presidenciável José Serra (PSDB), ex-ministro da Saúde do governo Fernando Henrique Cardoso. São Paulo não coloca um centavo no projeto SAMU. É a opção gestora adotada pelo estado.

Portanto:

1) Todo o atendimento do SAMU em São Paulo, inclusive as ambulâncias, é custeado unicamente pelo governo federal e municípios. São 91 municípios e 32 centrais.

2) A conta dividida em dois fica então mais pesada para os municípios, que são obrigados a arcar com a parte que deveria ser do estado, aumentando os seus gastos.

3) Se São Paulo contribuísse com a porcentagem que foi pactuada, certamente a cobertura do SAMU no estado seria muito maior.

“Não temos como obrigar o estado a investir no SAMU”, atenta Castro. “Porém, é responsabilidade dele também pelo pacto tripartite. São Paulo não está cumprindo o seu papel. Esperamos que reveja a sua posição, pois facilitaria a ampliação do SAMU no estado.”

A propósito, se na sua cidade já tem o SAMU, não hesite em telefonar para o 192 nestas situações:

* Ocorrência de problemas cardiorrespiratórios
* Intoxicação
* Queimaduras graves
* Ocorrência de maus tratos
* Trabalhos de parto onde haja risco de morte da mãe ou do feto
* Tentativas de suicídio
* Crises hipertensivas
* Quando houver acidentes/trauma com vítimas
* Afogamentos
* Choque elétrico
* Acidentes com produtos perigosos
* Transferência entre hospitais de doentes com risco de morte

Não imaginam o alívio que dá, quando se vê o SAMU chegar, pois as equipes são treinadas para lidar com emergências. Esta repórter já testemunhou isso algumas vezes. A ligação para o 192, relembramos, é gratuita. Em caso de urgência, não perca tempo. Ligue IMEDIATAMENTE para o 192. Alguns minutos podem fazer a diferença entre a vida e a morte ou mais seqüelas.

Do blog Vi o Mundo, do jornalista Luiz Carlos Azenha