O cativeiro da terra
Há pouco tempo, o jornal Folha de S. Paulo publicou uma matéria sobre trabalhadores mantidos em regime de escravidão numa fazenda na região amazônica. Este fato chocante, infelizmente, é recorrente na história recente do País, marcada por inúmeras denúncias de “escravidão branca”.
Passados 120 anos após a abolição da escravatura, ainda somos surpreendidos com uma notícia como essa. Tem sentido essa surpresa? Se olharmos para o passado, a história nos dirá que não. Fomos o último País a abolir a escravidão, que durou 350 anos. A história da nação tem neste estigma um dos seus principais traços. O Brasil protelou, enquanto pode, a proibição do tráfico de escravos, enfrentando a pressão da Inglaterra de quem recebera apoio – por ocasião da independência em relação a Portugal – em troca da promessa do fim da importação de mão-de-obra escrava. Quando finalmente o tráfico foi abolido, em 1850, as elites agrárias já tinham encontrado a solução para manter sua dominação de classe. No mesmo ano também fizeram a aprovar a pouco conhecida Lei de Terras. De acordo com essa lei, toda terra livre tornara-se propriedade do Estado e só poderia ser adquirida através da compra.
Destino – Estava traçado o destino dos escravos. A abolição ainda demorou quase 40 anos e se deu através de uma sucessão de leis que mostravam do que eram capazes os proprietários de terra: liberdade para os filhos dos escravos, desde que continuassem trabalhando na fazenda até os 21 anos, “pagando a indenização” devida pelo Estado ao fazendeiro (Lei do Ventre Livre, em 1871); liberdade para os escravos que conseguissem atingir a idade de 60 anos e com os quais deixavam de ter qualquer responsabilidade (Lei dos Sexagenários, em 1885 ).
Quando finalmente foi assinada a Lei Áurea, em 1888, a maioria absoluta dos “libertos” não tinha recursos para comprar um pedaço de terra. Os ex-escravos tiveram que se sujeitar a novas formas de exploração do trabalho que pouco diferiam da situação anterior. A terra, concentrada nas mãos de poucos, continuou sendo instrumento de exploração do trabalho. Como terra cativa, tem sustentado um sistema de dominação social no campo que tem permitido “recriar” o trabalho escravo, de negros e brancos, mais de um século após a abolição formal da escravidão.