Um estranho país

Fatos e histórias ocorridos e reveladas nas últimas semanas têm sido muito elucidativos para quem quiser aprofundar-se um pouco em conhecer este nosso Brasil. Estranho país é este em que homens truculentos, generais torturadores, coronéis hediondos e seus capitães do mato vestem-se de donzelas e passam por vítimas esperando a hora de morrer em paz!

O trabalho da mídia em tentar desvendar a Operação Condor é um destes episódios a que me referi. Nomes, fatos, datas, documentos, todos os dias novas revelações aparecem nos jornais, tornando cada vez mais concretas as evidências de que até figuras ilustres como Juscelino, Jango e Lacerda tenham sido vítimas desta armação repressiva internacional. Mas é triste constatar, como faz o jornalista Sebastião Nery, em artigo recente, que no Brasil a gente só consegue tratar dos “crimes depois que estão proscritos e as vítimas e responsáveis mortos”.

Mas esta constatação é apenas parte da realidade. Na verdade, neste estranho País, o esquecimento só favorece os poderosos, os responsáveis pelos massacres de sem terra, como o de Eldorado dos Carajás, de presos, como os do Carandiru, e dos mais de 150 cidadãos desaparecidos durante os anos da ditadura. Quando se trata de apurar a responsabilidade de homens desesperados que agridem autoridades, de famélicos que roubam e matam, a eficiência é tão grande que faltam cadeias para guardar criminosos.

No final de abril, comemorando o aniversário de 20 anos das greves de 1980 no ABC e da prisão do Lula e outros sindicalistas, visitei as antigas instalações do Deops (Departamento de Ordem Política e Social) hoje tombado pelo Patrimônio Histórico. No meio do que sobrou do que foram as celas do Deops, assisti a encenação de uma peça teatral “Lembrar é Resistir” que relata crimes hediondos cometidos durante a ditadura militar e até hoje não elucidados.

Mais uma vez você vai ouvir nomes de generais, delegados, senadores, muitos deles mortos, alguns ainda vivos, mas todos eles ainda impunes, jamais processados. Você vai ouvir histórias de sequestros e assassinatos covardes, crimes que não podem ter sido anistiados, visto que jamais elucidados. Histórias que ainda frequentam vez ou outra os noticiários, até porque ninguém vai conseguir enterrar a memória de homens antes que seus corpos sejam localizados e enterrados com dignidade.

Os episódios de violência que estamos vivendo nas últimas semanas, desde o famigerado 22 de abril, parece que seguem a mesma direção. Primeiro o massacre dos índios, na Coroa Vermelha, Bahia; depois a repressão insana contra os Sem-Terra, que vitimou pelo menos um trabalhador no Paraná; agora a violência contra professores na Avenida Paulista. E, como se não bastasse a repressão, os homens que ordenaram esta ação insana contra movimentos sociais organizados, ainda querem mais repressão: mais tropas especializadas, mais instrumentos legais para tornar a famigerada Lei de Segurança Nacional da época da ditadura militar ainda mais draconiana. Sem nenhum pudor, falam em usar o Exército Nacional na repressão ao movimento social, falam em construir mais cadeias e assim por diante.

O Brasil que aparece na telas da TV e nas capas de jornais e revistas é este País estranho onde as leis básicas de ação e reação, as leis da lógica formal só valem quando se trata de dar razão aos poderosos e condenar os mais fracos. Parece um mundo sem lógica. Um mundo em que a reação de hoje de um professor dando uma bandeirada na cabeça de uma autoridade ou esfregando um ovo no rosto de um ministro parece que nada tem a ver com o desemprego, com a miséria, com o que aconteceu no dia anterior na avenida Paulista ou em Guainazes, quando um grupo de moradores foi violentamente removido e suas residências varridas por tratores.

Estranho país é este..

Luiz Marinho
Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC
e Coordenador do M