O analfabetismo na era da globalização
Era final de inverno e as árvores já demonstravam alegria pela chegada da primavera. As flores teimavam em brotar nos galhos, desafiando o ambiente poluído da cidade grande; um exemplo diário da natureza de que a vida continua, apesar de tudo. Valdomiro estava sentado na calçada que ficava em frente a uma indústria metalúrgica. Absorto em seus pensamentos, nem notava o espetáculo ao seu redor. Tinha ouvido mais um não; mais um entre tantos…
Era mais um desempregado entre outros milhões de brasileiros e nos últimos oito meses era freqüente ouvir não como resposta. Porém, tinha muita esperança de conseguir esta vaga. Sentia uma angústia intensa e um desânimo enorme foi tomando conta de seu corpo. Começou a relembrar o passado, quando saiu de sua terra natal para tentar a vida em São Paulo.
Quando veio para a cidade grande não tinha terminado nem o primeiro grau. Ainda assim conseguiu um bom emprego. Mas as mudanças começaram a ocorrer na fábrica onde trabalhava e se viu forçado a regressar ao banco da escola. Terminou o primeiro e depois concluiu o segundo grau. Lembra-se até hoje do orgulho que sentiu quando pegou seu diploma. Não tinha sido fácil! Tantas vezes quisera ficar no aconchego da sua casa, com seus filhos e sua esposa. Tinha abdicado de tantas coisas para estudar!
E agora percebia que todo seu sacrifício não havia sido suficiente. Percebeu de uma forma doída que ainda continuava sendo um analfabeto, um analfabeto na era da globalização. Não sabia manusear um computador; nunca tivera acesso a tal da internet e não sabia falar outra língua sem ser o português. E sabia que por mais que corresse atrás do prejuízo, isso nunca seria o bastante. A cada dia são criadas novas exigências e são tantas as informações que têm que ser assimiladas.
Ficou indignado! Em nome das mudanças tecnológicas, exigências profissionais e formação escolar abdicamos de nossa existência pessoal, perdemos nossa identidade, “virtualizamos” nossos relacionamentos. Se pelo menos tivéssemos uma só garantia de que todo sacrifício fosse recompensado; se ainda tivéssemos certeza de que todo sacrifício trouxesse estabilidade no emprego ou mesmo a chance de conseguir um outro melhor…
Levantou-se e começou a caminhar. De uma coisa tinha certeza: não podia deixar-se abater, precisava sustentar sua família. A vida continua apesar de tudo.