Tribunegra: Elas enfrentaram o racismo
Enfrentar um gesto ou manifestação racista marca a pessoa para o resto da vida.
Angélica Moreira da Silva e Aparecida Alves de Matos carregam essa marca. Elas
foram vítimas de crimes de racismo, porém reagiram a eles, processando seus
agressores. Essa luta garantiu uma homenagem as duas na última sexta-feira,
durante a festa de encerramento do Mês da Mulher.
>> Lute por seus
direitos
Aparecida trabalhava na Plásticos Nilce, de Santo André, como
auxiliar de serviços.
Era também diretora de base do Sindicato das
Costureiras ABC. No início de dezembro de 2000, cobrou o pagamento do 13º
salário que estava atrasado. Quando conversava com a secretária e o patrão, foi
discriminada pelos dois. “Você é um urubu que caiu na empresa”, disse o patrão a
ela.
“Essa foi apenas uma das frases que ele me disse naquele dia. Saí
da fábrica e fui à delegacia prestar queixa”, disse Aparecida. Nada de raiva ou
revolta aparentes. “Fiquei tranquila porque sabia dos meus direitos e os riscos
que a gente corre na atuação sindical”, lembrou.
A explicação para a
tranquilidade, Aparecida dá com o seguinte argumento: “Se revidasse, poderia ter
me tornado a agressora e ainda tomar uma justa causa. Era tudo o que o patrão
queria”.
O problema, no entanto, não acabou aí. Aberto o processo, o
patrão fez de tudo para lhe afastar da fábrica. Deu férias, chegou até a passar
um abaixo-assinado entre as colegas de trabalho pedindo seu afastamento até o
juiz que cuidava do seu caso determinar sua saída para evitar o
constrangimento.
Em julho do ano passado, o juiz da 3ª Vara Criminal de
Santo André propôs a suspensão do processo por dois anos, determinando aos
acusados fazerem trabalhos comunitários no Fórum e na Associação de Amigos do
Autista do ABC.
“Se fosse agredida hoje teria o mesmo comportamento e
aconselho as pessoas que enfrentarem o problema não revidar e a buscar seus
direitos, a abrir a boca”, recomenda.
>> Marca para
sempre
Angélica trabalhava como orientadora de estacionamento Zona Azul
no Centro de Diadema em fevereiro de 2003, quando tinha 18 anos.
Notificou ao dono de um carro, parado irregularmente, que poderia sofrer
uma multa de trânsito e pediu que colocasse o cartão. Deu uma volta no
quarteirão e a irregularidade persistia. Deu nova volta e a mesma coisa.
Na terceira vez foi ofendida pelo dono do carro, também proprietário de
um salão de beleza bem próximo do local.
“Ele amassou e atirou a
notificação em mim e disse: só podia ser de cor. De preta já basta a sola do meu
sapato”, relatou ela. Assim como Aparecida, Angélica engoliu a seco, virou às
costas continuou seu trabalho até o final da jornada e foi atrás de seus
direitos.
Ela denunciou o dono do carro na Delegacia de Defesa da Mulher
de Diadema, onde foi instaurado inquérito policial.
“Me senti lá
embaixo. Fiquei sem fala porque nunca esperava ser maltratada no meu trabalho”,
disse. “O que me levou a denunciar foi a vontade de nunca mais ser discriminada,
como já aconteceu diversas vezes. É um tipo de agressão que marca para sempre”,
desabafou.
“No dia seguinte, ele (o agressor) me pediu desculpas e não
aceitei. Antes de falar, as pessoas têm que pensar. Ninguém é inferior e nem
superior aos outros”, ensina Angélica.
Em dezembro de 2004, a juíza da 2ª
Vara Criminal de Diadema condenou o acusado a um ano de reclusão, em regime
aberto. A pena foi substituída por uma indenização de 10 salários mínimos, que
ela ainda não recebeu.
>> Angélica e Aparecida foram assistidas
pelo Instituto do Negro Padre Batista. Os telefones são 3107-8105 e
3106-7050.
>> Igualdade Racial – Reunião de toda a militância
sábado, às 9h, na Sede do Sindicato, para discutir documento da Conferência
Regional, que acontece dia 16 na Metodista.