
Nova pesquisa liderada pelo francês Thomas Piketty mostra níveis alarmantes de desigualdade no País
Um estudo coordenado pelos franceses Thomas Piketty, autor do best-seller O Capital no século XXI, e Lucas Chancel, da Paris School of Economics, mostrou que a desigualdade de renda no Brasil, a depender do critério utilizado, é a maior do mundo ou tem padrões equivalentes aos verificados em regiões como o Oriente Médio e a África Subsaariana.
Divulgado nesta quinta-feira 14, o Relatório Mundial de Desigualdade revelou que, em 2016, o Brasil ficava em segundo lugar em um ranking de desigualdade se considerada a fatia da renda nacional capturada pelos 10% mais ricos da população. Por aqui, 55% da renda fica com essa parcela da população, número igual ao da Índia (55%) e equivalente ao da África Subsaariana (54%), atrás apenas do Oriente Médio (61%). O bloco Estados Unidos e Canadá (47%), Rússia (46%), China (41%) e Europa (37%) aparecem na sequência.
Também nesta quinta, foi divulgada a base de dados do relatório. Nela, é possível ver que o 1% mais rico do Brasil fica com 27,8% da renda nacional segundo os critérios usados. É um resultado referente ao ano de 2015, o maior entre todos os países pesquisados com dados para períodos semelhantes. Atrás do Brasil aparecem Turquia (23,4%), Iraque (22%), Índia (21,7%), Colômbia (20,4%), Estados Unidos e Rússia (20,2%), África do Sul (19,2%) e Egito (19,1%)
Para os autores do estudo, o Brasil, ao lado do Oriente Médio e da África Subsaariana formam a “fronteira da desigualdade”. São locais onde nunca houve um regime igualitário como os de Estados Unidos e Europa após a Segunda Guerra Mundial, e nos quais a desigualdade segue “relativamente estável em níveis extremamente altos”.
A estabilidade se concentra nessas regiões, diz o estudo, enquanto as desigualdades aumentaram profundamente no mundo desde a década de 1980, em particular nos Estados Unidos. “As desigualdades aumentaram em quase todas as regiões do mundo”, afirma o relatório, que compara de maneira inédita a distribuição da riqueza a nível mundial e sua evolução em quase quatro décadas.
Este fenômeno, no entanto, aconteceu com ritmos diferentes, de acordo com as regiões, afirmam os coordenadores do estudo, que apontam um forte aumento das desigualdades nos Estados Unidos, mas também na China e na Rússia, países cujas economias registraram uma significativa liberalização durante os anos 1990.
De acordo com o relatório, a parte da riqueza nacional nas mãos de 10% dos contribuintes mais ricos passou de 21% a 46% na Rússia e de 27% a 41% na China, entre 1980 e 2016. Nos Estados Unidos e Canadá, este índice passou de 34% a 47%, enquanto na Europa foi registrado um aumento mais moderado (de 33% a 37%).
Divergência extrema
No Oriente Médio, as desigualdades estão “sem dúvida subestimadas”, destaca o relatório, que menciona uma contradição entre as estatísticas oficiais dos países do Golfo e alguns aspectos de sua política econômica, como o crescente recurso a trabalhadores estrangeiros mal remunerados.
Em termos de evolução, a divergência é “extrema entre a Europa ocidental e os Estados Unidos, que tinham níveis de desigualdade comparáveis em 1980, mas se encontram atualmente em situações radicalmente diferentes”, destaca o estudo, realizado com a colaboração de mais de 100 pesquisadores de 70 países.
Em 1980, a parte da riqueza nacional nas mãos de 50% dos contribuintes mais pobres era quase idêntica nas duas regiões: 24% na Europa ocidental e 21% nos Estados Unidos. Desde então, o índice permaneceu estável, a 22%, no lado europeu e caiu a 13% nos Estados Unidos.
Um fenômeno que se explica, de acordo com Thomas Piketty, pela “queda das rendas da menor faixa” nos Estados Unidos, mas também por uma “desigualdade considerável na área de educação e uma tributação cada vez menos progressiva” neste país. “Isto mostra que as políticas públicas têm um forte impacto nas desigualdades”, completa.
Margens de manobra
A principal vítima desta dinâmica, segundo o relatório, baseado em 175 milhões de dados fiscais e estatísticas resultantes do projeto wid.world (wealth and income database), é a “classe média mundial”.
Entre 1980 e 2016, o 1% dos mais ricos obteve 27% do crescimento mundial. Os 50% mais receberam apenas 12% da riqueza, mas viram sua renda aumentar significativamente. O que não aconteceu com as pessoas entre as duas categorias, cujo “crescimento da renda foi frágil”.
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Caiu ou não a desigualdade no Brasil?
Estas desigualdades vão aumentar ou diminuir no futuro? Em seu estudo, os autores antecipam um novo crescimento até 2050, com base nas atuais tendências. A participação do patrimônio dos mais ricos aumentaria assim de 33% a 39%, enquanto a classe média mundial veria sua participação no patrimônio cair de 29% a 27%.
“Tal evolução não é, no entanto, inevitável”, explicam os autores. De acordo com as projeções, as desigualdades aumentarão caso os países sigam a tendência atual nos Estados Unidos, mas podem registrar uma leve queda caso repitam a trajetória da União Europeia.
“Há margens de manobra. Tudo dependerá das decisões tomadas”, conclui Thomas Piketty, que considera necessário um “debate público” sobre as questões.
*Com informações da AFP
Brasil tem maior concentração de renda do mundo entre o 1% mais rico
Pesquisa comparativa liderada por Thomas Piketty aponta que 27,8% da riqueza nacional está em poucas mãos
São Paulo 14 DEZ 2017 – 20:28 CET
Quase 30% da renda do Brasil está nas mãos de apenas 1% dos habitantes do país, a maior concentração do tipo no mundo. É o que indica a Pesquisa Desigualdade Mundial 2018, coordenada, entre outros, pelo economista francês Thomas Piketty. O grupo, composto por centenas de estudiosos, disponibiliza nesta quinta-feira um banco de dados que permite comparar a evolução da desigualdade de renda no mundo nos últimos anos.
Os dados sobre o Brasil se restringem ao período de 2001 a 2015, e são semelhantes em metodologia e achados aos estudos pioneiros publicados pelos pesquisadores brasileiros Marcelo Medeiros, Pedro Ferreira de Souza e Fábio Castro a partir de 2014. No caso de Souza, pesquisador do IPEA, o trabalho construiu série histórica sobre a disparidade de renda no Brasil desde 1926. A World Wealth & Income Database (base de dados mundial de riqueza e renda) aponta que o 1% mais rico do Brasil detinha 27,8% da renda do país em 2015, enquanto no estudo do brasileiro, por diferenças de metodologia, a cifra é 23%.
Segundo os dados coletados pelo grupo de Piketty, os milionários brasileiros ficaram à frente dos milionários do Oriente Médio, que aparecem com 26,3% da renda da região. Na comparação entre países, o segundo colocado em concentração de renda no 1% mais rico é a Turquia, com 21,5% em 2015 — no dado de 2016, que poucos países têm, a concentração turca subiu para 23,4%, de acordo com o levantamento.
O Brasil também se destaca no recorte dos 10% mais ricos, mas não de forma tão intensa quanto se observa na comparação do 1% mais rico. Os dados mostram o Oriente Médio com 61% da renda nas mãos de seus 10% mais ricos, seguido por Brasil e Índia, ambos com 55%, e a África Subsaariana, com 54%.
A região em que os 10% mais ricos detêm menor fatia da riqueza é a Europa, com 37%. O continente europeu é tido pelos pesquisadores como exemplo a ser seguido no combate à desigualdade, já que a evolução das disparidades na região foi a menor entre as medidas desde 1980. Eles propõem, de maneira geral, a implementação de regimes de tributação progressivos e o aumento dos impostos sobre herança, além de mais rigidez no controle de evasão fiscal.
O grupo de economistas reconhece que existe “grandes limitações para nossa capacidade de medir a evolução da desigualdade”. Muitos países não divulgam ou sequer produzem dados detalhados sobre renda ou desigualdade econômica. A pesquisa se baseia, portanto, em múltiplas fontes, como contas públicas, renda familiar, declaração de imposto de renda, heranças, informações de pesquisas locais, dados fiscais e rankings de patrimônio. O brasileiro Pedro Ferreira de Souza concorda: “Na minha tese, do ano passado, o Brasil também aparece em primeiro na concentração de renda no topo, mas não gosto de falar em campeão mundial porque há muito ruído e incompatibilidade nos dados. Prefiro dizer que está sem dúvida entre os piores”, diz o pesquisador, cujo trabalho se tornará livro no ano que vem por ter recebido o Prêmio Anpocs de Tese em Ciências Sociais.
Investimentos
Os pesquisadores que trabalham sob a grife de Piketty, que se tornou mundialmente famoso com a publicação em inglês de O Capital no Século XXI, em 2014, destacam ainda a importância de investimento público em áreas como educação, saúde e proteção ambienta. Mas chamam atenção para a perda de poder de influência dos governos dos países mais ricos do mundo.
“Desde os anos 1980, ocorreram grandes transferências de patrimônio público para privado em quase todos os países, ricos ou emergentes. Enquanto a riqueza nacional aumentou substancialmente, o patrimônio público hoje é negativo ou próximo de zero nos países ricos”, diz a pesquisa. Segundo os autores, isso obviamente limita a capacidade dos governos de combater a desigualdade.
O grupo de economistas reconhece que existe “grandes limitações para nossa capacidade de medir a evolução da desigualdade”. Muitos países não divulgam ou sequer produzem dados detalhados sobre renda ou desigualdade econômica. A pesquisa se baseia, portanto, em múltiplas fontes, como contas públicas, renda familiar, declaração de imposto de renda, heranças, informações de pesquisas locais, dados fiscais e rankings de patrimônio. O brasileiro Pedro Ferreira de Souza concorda: “Na minha tese, do ano passado, o Brasil também aparece em primeiro na concentração de renda no topo, mas não gosto de falar em campeão mundial porque há muito ruído e incompatibilidade nos dados. Prefiro dizer que está sem dúvida entre os piores”, diz o pesquisador, cujo trabalho se tornará livro no ano que vem por ter recebido o Prêmio Anpocs de Tese em Ciências Sociais.
Foto: Adonis Guerra
Um estudo coordenado pelos franceses Thomas Piketty, autor do best-seller O Capital no século XXI, e Lucas Chancel, da Paris School of Economics, mostrou que a desigualdade de renda no Brasil, a depender do critério utilizado, é a maior do mundo ou tem padrões equivalentes aos verificados em regiões como o Oriente Médio e a África Subsaariana.
Divulgado nesta quinta-feira 14, o Relatório Mundial de Desigualdade revelou que, em 2016, o Brasil ficava em segundo lugar em um ranking de desigualdade se considerada a fatia da renda nacional capturada pelos 10% mais ricos da população. Por aqui, 55% da renda fica com essa parcela da população, número igual ao da Índia (55%) e equivalente ao da África Subsaariana (54%), atrás apenas do Oriente Médio (61%). O bloco Estados Unidos e Canadá (47%), Rússia (46%), China (41%) e Europa (37%) aparecem na sequência.
Também nesta quinta, foi divulgada a base de dados do relatório. Nela, é possível ver que o 1% mais rico do Brasil fica com 27,8% da renda nacional segundo os critérios usados. É um resultado referente ao ano de 2015, o maior entre todos os países pesquisados com dados para períodos semelhantes. Atrás do Brasil aparecem Turquia (23,4%), Iraque (22%), Índia (21,7%), Colômbia (20,4%), Estados Unidos e Rússia (20,2%), África do Sul (19,2%) e Egito (19,1%)
Para os autores do estudo, o Brasil, ao lado do Oriente Médio e da África Subsaariana formam a “fronteira da desigualdade”. São locais onde nunca houve um regime igualitário como os de Estados Unidos e Europa após a Segunda Guerra Mundial, e nos quais a desigualdade segue “relativamente estável em níveis extremamente altos”.
A estabilidade se concentra nessas regiões, diz o estudo, enquanto as desigualdades aumentaram profundamente no mundo desde a década de 1980, em particular nos Estados Unidos. “As desigualdades aumentaram em quase todas as regiões do mundo”, afirma o relatório, que compara de maneira inédita a distribuição da riqueza a nível mundial e sua evolução em quase quatro décadas.
Este fenômeno, no entanto, aconteceu com ritmos diferentes, de acordo com as regiões, afirmam os coordenadores do estudo, que apontam um forte aumento das desigualdades nos Estados Unidos, mas também na China e na Rússia, países cujas economias registraram uma significativa liberalização durante os anos 1990.
De acordo com o relatório, a parte da riqueza nacional nas mãos de 10% dos contribuintes mais ricos passou de 21% a 46% na Rússia e de 27% a 41% na China, entre 1980 e 2016. Nos Estados Unidos e Canadá, este índice passou de 34% a 47%, enquanto na Europa foi registrado um aumento mais moderado (de 33% a 37%).
Divergência extrema
No Oriente Médio, as desigualdades estão “sem dúvida subestimadas”, destaca o relatório, que menciona uma contradição entre as estatísticas oficiais dos países do Golfo e alguns aspectos de sua política econômica, como o crescente recurso a trabalhadores estrangeiros mal remunerados.
Em termos de evolução, a divergência é “extrema entre a Europa ocidental e os Estados Unidos, que tinham níveis de desigualdade comparáveis em 1980, mas se encontram atualmente em situações radicalmente diferentes”, destaca o estudo, realizado com a colaboração de mais de 100 pesquisadores de 70 países.
Em 1980, a parte da riqueza nacional nas mãos de 50% dos contribuintes mais pobres era quase idêntica nas duas regiões: 24% na Europa ocidental e 21% nos Estados Unidos. Desde então, o índice permaneceu estável, a 22%, no lado europeu e caiu a 13% nos Estados Unidos.
Um fenômeno que se explica, de acordo com Thomas Piketty, pela “queda das rendas da menor faixa” nos Estados Unidos, mas também por uma “desigualdade considerável na área de educação e uma tributação cada vez menos progressiva” neste país. “Isto mostra que as políticas públicas têm um forte impacto nas desigualdades”, completa.
Margens de manobra
A principal vítima desta dinâmica, segundo o relatório, baseado em 175 milhões de dados fiscais e estatísticas resultantes do projeto wid.world (wealth and income database), é a “classe média mundial”.
Entre 1980 e 2016, o 1% dos mais ricos obteve 27% do crescimento mundial. Os 50% mais receberam apenas 12% da riqueza, mas viram sua renda aumentar significativamente. O que não aconteceu com as pessoas entre as duas categorias, cujo “crescimento da renda foi frágil”.
Estas desigualdades vão aumentar ou diminuir no futuro? Em seu estudo, os autores antecipam um novo crescimento até 2050, com base nas atuais tendências. A participação do patrimônio dos mais ricos aumentaria assim de 33% a 39%, enquanto a classe média mundial veria sua participação no patrimônio cair de 29% a 27%.
“Tal evolução não é, no entanto, inevitável”, explicam os autores. De acordo com as projeções, as desigualdades aumentarão caso os países sigam a tendência atual nos Estados Unidos, mas podem registrar uma leve queda caso repitam a trajetória da União Europeia.
“Há margens de manobra. Tudo dependerá das decisões tomadas”, conclui Thomas Piketty, que considera necessário um “debate público” sobre as questões.
Da Carta Capital.