Artigo: O grande ABC e os desafios da eletromobilidade

Esta nota técnica sustenta que região do Grande ABC possui características que exigem ações conjuntas entre as cidades e possibilitam um cenário favorável para parcerias estratégicas e políticas que visem à mobilidade elétrica.

*Wellington Messias Damasceno

Nos últimos anos tem crescido o debate em torno da substituição das fontes de energia geradas por combustíveis fósseis pelas chamadas fontes renováveis; nesse contexto, ganha relevância o futuro da matriz energética veicular. Sobretudo para atingir as metas de redução das emissões fixadas no Acordo de Paris, países como a China e parte da União Europeia têm iniciado uma corrida quanto ao desenvolvimento de veículos movidos a energia elétrica, o que poderá significar uma inflexão histórica no que se refere à estrutura de seus produtos, à configuração da cadeia produtiva, às redes de abastecimento e ao setor de serviços vinculado ao transporte por automóveis, caminhões e ônibus.

Vale notar que na China se fabrica cerca de 1/3 da produção mundial de veículos, e já em 2018 as vendas alcançaram mais de 1,1 milhão de carros elétricos no mercado interno chinês, representando mais da metade de todos os veículos elétricos comercializados no mundo. Na Europa, os parlamentos da Noruega, Alemanha, Holanda e Reino Unido já aprovaram prazos para o fim da venda de veículos com motor à combustão, o que implica não apenas em impactos comerciais, mas sobretudo nas trajetórias de desenvolvimento e fabricação dos novos produtos. Cabe ainda lembrarmos que grandes montadoras globais têm seus centros de decisão sediados na Europa, definindo o redesenho dos seus modelos de negócio ao redor do mundo, com repercussões para as fábricas localizadas no Brasil.

Por isso, precisamos acelerar e aprofundar os debates quanto aos rumos da indústria automobilística e sobre nosso papel nesse mercado global. Somos o 8° maior produtor de automóveis no mundo e temos um mercado interno importante, além de relevante capacidade de exportação para toda a América Latina e Caribe, Ásia e África. Do ponto de vista da economia nacional, cabe lembrar que cerca de 20% da nossa produção industrial tem origem no complexo automotivo, que emprega 1,3 milhão de trabalhadores, representa 3% do PIB nacional e 7% de nossas exportações. É estratégico e urgente pensarmos em políticas que mantenham essa relevância setorial, sobretudo nesse momento de transição da matriz industrial.

Para além disso, o Brasil é também pioneiro no desenvolvimento de motores flex, com a utilização do etanol, o que gera resultados consideráveis na redução das emissões de gases de efeito estufa. Temos também a vantagem de possuirmos uma matriz energética com grande participação de fontes renováveis, como a energia hidrelétrica, e uma trajetória de crescimento relevante no uso da energia solar e eólica.

Apesar dessas vantagens competitivas, não estamos sendo considerados pelas grandes empresas do setor automotivo como polo para desenvolvimento de veículos à base de matrizes menos poluentes. O etanol e os biocombustíveis não prosperaram ainda como tecnologias exportáveis, e não temos nenhuma montadora de capital nacional, o que nos torna dependentes de rotas tecnológicas definidas fora do país.

Também estamos reféns de um governo completamente incapaz de formular um projeto de desenvolvimento, em suas múltiplas dimensões, o que inclui o tema da matriz energética veicular.

De fato, a negação do governo federal em debater contrapartidas estratégicas junto ao setor automotivo faz com que as montadoras aqui instaladas prossigam sua trajetória pautada em baixa intensidade de inovação, e até mesmo retardando o próprio debate sobre iniciativas de estímulo para a eletromobilidade.

Nesse cenário devemos voltar nossos olhares para o Grande ABC, grande polo automotivo do país. A região emprega cerca de 40 mil trabalhadores na cadeia automotiva, possui centros tecnológicos, força de trabalho qualificada, universidades que dialogam diretamente com o setor, além de uma localização estratégica entre São Paulo e o porto de Santos. Apesar disso, também na dimensão regional há uma clara ausência de perspectiva ou projeto do poder público para a trajetória futura da indústria automotiva.

Algumas regiões, sobretudo no Estado de São Paulo, têm desenvolvido ações voltadas para eletromobilidade. Algumas tem firmado parcerias com empresas de geração e transmissão de energia elétrica para desenvolvimento de áreas de não circulação de veículos movidos a combustíveis fósseis, enquanto trabalham com oferecimento de eletropostos; outras tem equipado frotas com veículos elétricos para testes e com isso gerar dados sobre o comportamento destes para as empresas produtoras. E mesmo a sinergia entre o conceito de “cidades inteligentes” e eletromobilidade tem encontrado espaço em regiões, cidades e até em campi universitários.

O Grande ABC não deve estar descolado destes tipos de ações. A região possui características que exigem ações conjuntas entre as cidades e possibilitam um cenário favorável para parcerias estratégicas e políticas que visem a mobilidade elétrica. A região possui uma malha viária estratégica do ponto de vista logístico. Porém sofre com os efeitos do trânsito e da poluição como qualquer outra cidade metropolitana. Ações que permitam meios alternativos menos poluidores de transportes e que integrem as 7 cidades e a capital apontam para um caminho que combine os aspectos de produção, logística, deslocamento de pessoas e preservação do meio ambiente.

A região é cercada por áreas de preservação ambientais, mananciais e importantes bacias hídricas. Há um apelo por ações regionais que mantenham a região como importante polo industrial, mas que desenvolvam produtos e serviços ligados a questão ambiental. Este é outro fator competitivo muito interessante para a região captar parcerias e recursos para inovação, e estruturar pesquisa industrial voltada para modais menos poluentes.

Temos uma atividade industrial importante na região, que vem sofrendo uma desaceleração drástica nos últimos anos. Estimular as áreas industriais com novos negócios voltados para a eletromobilidade é uma das alternativas para se pensar na manutenção do emprego e da geração de riqueza para a região. Novos negócios estão surgindo, como a comercialização de energia elétrica para abastecimento e manutenção dos veículos. Parcerias para capacitação dos trabalhadores nestas modalidades e produção dos novos equipamentos, como os eletropostos, são exemplos de oportunidades que os gestores da região precisam se articular para atrair.

Há ainda outro elemento importante a ser considerado. Parte do parque industrial da região está voltado para a fabricação de motores a combustão. Com a inserção de 258 modais elétricos para mobilidade, haverá uma gradual redução da produção destes equipamentos. A articulação regional também deve estar atenta para negociar esta transição e possibilitar que as empresas possam iniciar processos de reconversão. E levantar a bandeira para que as montadoras aqui instaladas possam pleitear a produção e desenvolvimento de veículos híbridos e elétricos, além do incentivo as universidades e “startups” para geração de soluções automotivas no campo da eletromobilidade.

É claro que nem todas as ações sugeridas dependem unicamente de ações das prefeituras da região e do Consórcio Intermunicipal. Mas a falta de articulação do poder público nos leva a um estado de marasmo, enquanto observamos o surgimento de novos polos industriais e a penúria das indústrias aqui localizadas. É imprescindível para sobreviver como polo industrial que o Grande ABC retome seu protagonismo de formulação de políticas indutoras do crescimento industrial, da geração de conhecimento e empregos, do dinamismo da atividade econômica, da inovação e das oportunidades de novos negócios.

A eletromobilidade deve ser uma das grandes apostas para o futuro da indústria do ABC. Mas isso só será possível através de uma agenda com articulação regional, com o protagonismo das várias instituições aqui presentes, de empresas a Universidades, de trabalhadores e seus Sindicatos aos governos e agências de fomento. Apenas dessa forma será possível resgatar a grandeza e pujança do nosso ABC. ______

*Wellington Messias Damasceno. Diretor executivo do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, responsável por políticas industriais. Formado em Direito pela USCS e pós-graduado em Direito e Relações do Trabalho pela Faculdade de Direito de SBC.

Artigo publicado na 12ª edição de Carta de Conjuntura, uma produção do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura (Conjuscs) da USCS ( Universidade Municipal de São Caetano do Sul). Abaixo edição completa.