30 anos do ECA: “O presidente disse que o Estatuto da Criança e do Adolescente deveria ir pra latrina, e leva isso às últimas consequências”

Alianças com a classe trabalhadora, movimento negro e de mulheres são essenciais para avançar na defesa dos direitos, ameaçados pelo governo Bolsonaro

Foto: divulgação

O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) completa 30 anos hoje, 13 de julho. Depois de uma fase de avanços no combate ao trabalho infantil, na assistência às famílias pobres e na escolarização, agora, sob o governo Bolsonaro, os direitos dessa parcela frágil da população voltam a sofrer ataques.

O diretor executivo do Sindicato, Carlos Caramelo, lembrou que as crianças e adolescentes são amplamente impactados pela pandemia no que diz respeito a questões econômicas, de saúde e educação. “É hora de olhar com redobrada atenção para a situação daqueles que, em meio a essa crise, serão ainda mais prejudicados na vida escolar por falta de acesso à internet, estarão expostos à violência nos seus lares e irão para as ruas tentar o sustento da família”.

O coordenador do Projeto Meninos e Meninas de Rua, conselheiro Estadual e Nacional de Direitos Humanos e Educador e Cientista Social, Marco Antônio da Silva Souza, o Markinhus, destacou, para além da crise, o ataque constante sofrido por esses meninos e meninas por parte do atual governo.

 “O olhar do governo federal é de descaso e ataque para as camadas empobrecidas, filhos da classe trabalhadora, filhos dos povos tradicionais, das chamadas minorias que são a grande maioria, pessoal das comunidades, criança do campo, de circo, povo de terreiro, criança ribeirinha, criança cigana, quilombola, com pai encarcerado, crianças e adolescente em acolhimento institucional. Numa legislação que tem como base o direito da criança e do adolescente, uma das primeiras falas do presidente de plantão é que o Estatuto da Criança e do Adolescente deveria ir pra latrina e estamos percebendo que ele leva isso às últimas consequências. E agora ainda temos um novo ministro da educação dizendo que aceita ações violentas como métodos de educação”.

Desafios para os próximos 30 anos

Para o educador, um dos principais desafios para pensar os próximos 30 anos é a necessidade urgente de reduzir o número do trabalho infantil, hoje em 2 milhões, avançar na qualidade de ensino, além das fortalecer alianças com o movimento negro, das mulheres e da classe trabalhadora.

“Estamos falando de filhos da classe trabalhadora, temos que buscar essa ponte histórica. Temos que levar em conta que a maioria do nosso povo é o povo negro, as crianças e adolescentes que estão nas ruas, as que estão em casas de acolhimento e não são adotadas e que terminam tendo uma bala certeira ou caindo do 9º andar, de um prédio, como no caso em Pernambuco. E a questão da mulher, essa garra cotidiana da mãe, é ela que vai para a porta do presídio e do serviço social, o estatuto não consegue avançar mais se não fizer essas alianças estratégicas”.

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Assassinatos e violência policial

Marco Antônio lembrou que nos anos 1980 denunciaram o extermínio de crianças e adolescentes. “Naquele período se matava três por dia, hoje no Brasil, esse número está entre 25 a 30 crianças e adolescentes assassinados por dia, em 30 anos aumentamos 30 vezes. Esse é um desafio porque essa polícia tem um jeito de tratar determinadas classes sociais”.

Ele mencionou o caso da comerciante, mulher negra de 51 anos violentamente agredida por um policial militar no último final de semana, ela teve o pescoço pisado e a perna quebrada durante uma abordagem.

“A ação da polícia militar aqui no estado de São Paulo é orientada pelo governo Doria. Eles invadem as casas, torturam e agridem como foi o caso no bar na zona sul de São Paulo, essa violência sem tamanho atacando o indivíduo, dentro da estrutura social, mais vulnerabilizado e criminalizado do nosso país classista, racista e patriarcal”.

Marco Antônio da Silva Souza, o Markinhus
Foto: divulgação

Perfil da criança e do adolescente em situação de rua, aos 30 anos do ECA

73% sexo masculino

73% adolescentes

86% negros ou pardos

8% com filhos

62% frequentando escola

71% já dormiram na rua

96% tinham pelo menos um documento

48% faziam atividades físicas

62% tinham contato diário ou semanal com a família

54% tinham um relacionamento bom ou muito bom com os pais

64% já experimentaram ou fizeram uso de drogas e

41% declararam ainda usar

62% já passaram por instituições de acolhimento

61% afirmaram manter relações sexuais com pessoas do sexo oposto

58% costumam usar métodos contraceptivos

9% já sofreram algum aborto

32% admitiram se considerar em situação de rua

Fonte: Pesquisa feita pela Associação Beneficente O Pequeno Nazareno e pelo Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infância (Ciespi) da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), com 554 crianças e adolescentes em situação de rua em 17 cidades com mais de 1 milhão de habitantes.