“Estamos pagando o preço da incompetência e da irresponsabilidade dos quadros no governo federal”
Após participar da reunião do Conselho da Executiva dos Metalúrgicos do ABC, o companheiro Fernando Haddad, ex-ministro da educação no governo Lula, ex-prefeito de São Paulo e candidato às eleições presidenciais em 2018, adversário de Bolsonaro no segundo turno, conversou também com a Tribuna para falar sobre a condução da educação e da pandemia no Brasil, país que segue desgovernado por Bolsonaro.
Tribuna Metalúrgica – Em um momento tão complexo, numa gestão pela qual já passaram vários ministros da educação e da saúde, alguns aparentemente sem compromisso com os temas dessas pastas tão importantes, o que deveriam estar fazendo os ministros num governo responsável? A questão da volta às aulas, por exemplo, qual sua avaliação?
Haddad – O governo não fez o que deveria ter sido feito que é ter protocolo de abertura de comércio, de lockdown, de volta às aulas, de encerramento das aulas e de reposição das aulas. Tinha que ter um gabinete de crise olhando para grupos de risco, para pequenas e médias cidades, regiões metropolitanas, transporte público. Ou seja, tínhamos que ter um manual de crise para cada gestor, diretor de escola, de hospital. Isso poderia ter sido feito pela equipe do governo. O governo tem técnicos altamente qualificados que, infelizmente, estão sendo afastados e substituídos, em geral, por militares e seus parentes que não têm nada a ver com o serviço público. Faltou orientação para que pudéssemos retomar de maneira inteligente e com o menor risco possível. Inclusive as notícias são de que os técnicos do Ministério da Saúde que foram afastados alertaram o ministro interino de que prejudicaria muito a economia fazer um isolamento parcial, sabotado pelo próprio presidente da República. Estamos pagando o preço da incompetência e da irresponsabilidade dos quadros no governo federal.
TM – A votação do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) foi uma grande vitória da oposição. Como a educação básica será beneficiada com a aprovação do FUNDEB permanente? Você ainda vê aspectos que não foram considerados nesse projeto?
Haddad – Em primeiro lugar, cabe sublinhar a diferença entre o Fundeb e o Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) que foi herdado pelo Lula do governo anterior. O Fundeb, como o próprio nome diz, abarca toda a educação básica, creche, pré-escola, ensino fundamental e ensino médio. Ao contrário do Fundef que era restrito ao ensino fundamental. A segunda característica é que o Fundeb implica recursos da União, o Fundef contava com pouquíssimos recursos da União. O Fundeb conta hoje com cerca de R$16 bilhões ao ano da União, esse recurso dever subir com o novo Fundeb, indo de 10% da soma para alguma coisa em torno de 18%, ou seja, vai aumentar 80% a complementação da União, o que significa que vamos superar R$ 25 bilhões, vamos nos aproximar de R$ 30 bilhões de complementação da União por ano. Isso vai ajudar muito o nordeste, mas vai ajudar muito cidades pobres de estados que não recebiam complementação do Fundeb e consagra a política do Lula que era um entusiasta do Fundeb criado por ele.
TM – Ainda sobre educação, sabemos que muitos alunos serão prejudicados caso o Enem seja realizado já no início do próximo ano. Na sua avaliação, o que deveria ser feito a respeito?
Haddad – Os estudantes do ensino médio têm toda a razão porque o Enem só pode ser feito depois de concluído o currículo do ensino médio, não pode aplicar uma prova para alguém que não cobriu a matriz de conhecimentos do Enem. Então o currículo não está completo, esses alunos serão prejudicados por não poder competir em condições de igualdade, é obvio que o critério não é a data que eu quero ou que eles querem, o critério é a data da conclusão do ciclo com reposição das aulas.
TM – Para finalizar, você acredita que a nossa democracia está sob risco com este governo?
Haddad – Acredito que a nossa democracia sim está sob risco porque o Bolsonaro não é um democrata e sempre deixou claro isso. Ele, inclusive, cometeu crime de responsabilidade participando de atos pelo fechamento dos outros dois poderes da República, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. Inclusive pra proteger seus filhos de investigação que estão em curso e que vão chegar a resultados concretos. Todos os indícios levam à conclusão de que realmente houve grande desvio de recursos públicos dos gabinetes para compra de imóveis subfaturados com a finalidade de lavar o dinheiro desviado. Essa é a suspeita que está sendo investigada, acredito que as suspeitas são muito fortes e, se não houver mais interferência, pode haver uma conclusão desse processo.
Veja o vídeo em que o secretário-geral do Sindicato, Moisés Selerges, ressalta a importância dos apontamentos feitos na reunião do conselho da executiva da direção para os Metalúrgicos do ABC planejarem suas ações durante o novo mandato.