No Dia Mundial da Saúde ex-ministro alerta para caos no país diante do aumento da miséria durante a pandemia

“Insegurança alimentar leva a uma situação gravíssima de perda de imunidade e exposição maior ao vírus”

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Nesta entrevista especial sobre o Dia Mundial da Saúde, 7 de abril, o deputado federal (PT-SP), médico infectologista e ministro da Saúde no governo Dilma, Alexandre Padilha, discorre sobre os impactos do aumento da insegurança alimentar na população brasileira em meio ao agravamento da pandemia da Covid-19, como o país chegou a esse patamar e as expectativas de vacinação.

Tribuna Metalúrgica – Pesquisa divulgada nesta semana aponta que mais da metade da população do país sofre com algum nível de insegurança alimentar, sendo que 19 milhões passam fome. Qual o impacto disso a longo prazo e como essa situação de vulnerabilidade pode afetar ainda mais essa população no contato com a Covid-19?

Alexandre Padilha – Isso é gravíssimo, primeiro porque quem passa fome se sujeita a maior exposição ao contato com o vírus para tentar garantir a sobrevivência própria ou da sua família.

O auxílio emergencial, a manutenção do apoio da alimentação escolar, os programas de segurança alimentar, a manutenção de todas as ações não são apenas medidas econômicas de transferência de renda ou de combate à fome e segurança alimentar, são ações de saúde pública. São ações de controle sanitário, porque a fome, a insegurança alimentar, a perda de renda fazem com que as pessoas se exponham mais à infecção pelo vírus.

Segundo que a insegurança alimentar leva a uma situação gravíssima de perda de imunidade, capacidade de defesa do corpo, o que muitas vezes pode agravar o estado de saúde ou levar a outras doenças crônicas que fazem com que a pessoa fique mais suscetível ou tenha um quadro mais grave da Covid-19, caso seja infectada.

Terceiro que a insegurança alimentar faz com que a pessoas se sujeitem a outras condições de maior vulnerabilidade. Por exemplo, mulheres que perderam a capacidade de garantia da sua alimentação, perderam a sua renda, ficam mais suscetíveis à situações de violência doméstica, crianças que perderam sua alimentação escolar, além de perder oportunidade de aprendizagem, faz com que as suas mães assumam mais responsabilidade na jornada quádrupla de trabalho, faz com que muitas vezes as pessoas se submetam a riscos de insalubridade no local de trabalho, riscos maiores em atividades que executam, sejam cooptadas por atividades ilegais para manter sua sobrevivência.

Por isso alguns autores classificam a pandemia como uma sindemia, ou seja, um problema sanitário de um vírus que não se restringe aos problemas de saúde, traz problemas de perda de renda, de empregos, aumento da violência, aumento da distância de oportunidade educacional. 

TM – Qual relevância do tema escolhido pela OMS (Organização Mundial da Saúde) para o Dia Mundial da Saúde: “Construindo um mundo mais justo e saudável”?

Padilha –Tenta recuperar os chamados objetivos de desenvolvimento sustentável que são estabelecidos para o ano de 2030 e foram construídos a partir de 2015. Ou seja, buscava fazer com que nesses 15 anos os países melhorassem muito a sua situação de educação das suas crianças, da cobertura da saúde, da segurança alimentar, proteção ao meio ambiente, garantia do emprego, reduzisse as desigualdades entre homens e mulheres, da questão de gênero como um todo, combatesse qualquer tipo de racismo, intolerância religiosa.

A OMS tenta, no meio dessa pandemia, recuperar a importância de olharmos para esses objetivos mesmo no meio de uma situação gravíssima em que o mundo vive.

Num dia como esse a centralidade da Organização Mundial da Saúde e de todas as lideranças mundiais deveria ter como prioridade absoluta o acesso dos povos às vacinas.

Hoje o mundo inteiro está com muita dificuldade de acesso à vacina, o Brasil mais ainda por conta da postura irresponsável do Bolsonaro que se negou a contratar um volume de cerca de 700 milhões de doses, oferecidas no ano passado.

Mas o mundo tem dificuldade de acesso a vacinas porque a patente está na mão de poucas empresas. Uma das questões centrais é não permitir esse monopólio. Precisamos autorizar que todas empresas que tenham capacidade de fazer vacina possam produzir e aumentar a produção mundial.

TM – Vivemos hoje a pior fase da pandemia e as previsões são de aumento dos casos em abril. A que se deve isso?

Padilha – Quatro fatores levaram o Brasil a estar vivendo essa situação e ser a grande ameaça global. Primeiro a postura do presidente da República, Bolsonaro colocou o seu governo à disposição de um projeto que buscou criar obstáculos o tempo todo para o controle da pandemia. Desde campanhas, orientação sobre uso de máscaras, até apoio para que a indústria pudesse fazer a reconversão das suas plantas industriais e ajudar na produção de equipamentos para hospitais ao invés de estar demitindo, Bolsonaro criou obstáculos. Se negou a contratar as vacinas quando foram oferecidas para o Brasil, cortou recursos da manutenção dos hospitais e aberturas de leitos agora no começo do ano e fez uma intervenção militar no Ministério da Saúde.

O segundo fator é que exatamente no momento em que o Brasil estava aumentando o número de casos, Bolsonaro cortou os recursos para manutenção dos hospitais e os recursos pro auxílio emergencial.

O terceiro fator é a lentidão do programa de vacinação.

O quarto é que começaram a surgir as variantes, quando há descontrole da pandemia, podem surgir variantes como competências mais graves.

TM – Qual sua opinião sobre o novo ministro da Saúde? Enquanto Bolsonaro segue na linha negacionista, Marcelo Queiroga afirma que “a ordem é evitar o lockdown”, mas recomenda o uso de máscara e o distanciamento.

Padilha – Bolsonaro trocou o ministro para não precisar mudar de política, ele vinha sendo questionado por conta da lentidão no programa de vacina pelo general que ocupava o Ministério, por conta de dificuldade de conversar com países que têm vacinas. Ele estava sendo pressionado para instalação de uma CPI no Congresso Nacional que nós defendemos com unhas e dentes. 

É fundamental que seja investigado o porquê Bolsonaro insiste tanto em comprar, com dinheiro público, medicamentos sem eficácia contra a Covid-19, pode ter muita mamata por trás dessa insistência.

A troca foi de ministro, mas não de mudança na política, porque a política quem determina é o Bolsonaro.

TM – Como devemos conversar com as pessoas sobre a importância de seguir a ciência se o governo Federal se posiciona de maneira negacionista?

Padilha – Toda vez que uma pessoa me fala ‘Vou tomar esse medicamento porque o presidente falou que ele é bom’, ou que não precisa usar máscara porque o presidente disse que ‘quem é jovem não tem infecção’, sempre respondo ‘até respeito se você votou no Bolsonaro, mas tenho certeza que você votou nele pra ser presidente, não pra ser médico’.

Tenho certeza que todo mundo conhece alguém que acreditou nesses medicamentos, mas foi internado, ficou na UTI. Se não morreu, acabou desenvolvendo sequelas. Se esses medicamentos fossem tão bons, os EUA não teriam proibido a utilização e enviado milhões deles ao Brasil. Mandaram porque a ciência provou que não servia.

TM – É possível prever quando toda a população brasileira estará vacinada?

Padilha – Quando tivemos Lula como presidente, vacinamos 80 milhões de pessoas em 3 meses, contra a H1N1.

Se Bolsonaro tivesse feito o que Lula fez na época, já teríamos vacinados todos os idosos, profissionais de saúde, educação, segurança, assistência social, pessoas com deficiência, doença cardíaca, diabetes, doença pulmonar, trabalhadores de serviços essenciais como transporte, coleta de lixo, funerária.

Estamos agora uma situação de lentidão do programa de vacinação, temos um total de 500 milhões de doses que foram contratadas no mês passado, mas que só devem chegar no segundo semestre.

Do jeito que está o cronograma, toda a população só vai tomar a segunda dose em 2022, o que fará com que o Brasil até lá tenha sua recuperação econômica profundamente adiada.

Por isso, está de parabéns o acordo que o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC ajudou a construir junto com a indústria automobilística para que comprem vacinas para ajudar o SUS, os grupos prioritários e depois possam vacinar o mais rápido possível os metalúrgicos, seus parentes e familiares.