Com vacinas próprias, Cuba espera imunizar metade da população até agosto
Cônsul cubano em São Paulo lamenta a quase impossibilidade de as vacinas cubanas serem testadas no Brasil, por conta das agressões de Bolsonaro à ilha
No início do mês, 44 mil cubanos receberam a segunda dose da vacina Soberana 02. Além disso, mais de 200 mil profissionais de saúde já foram vacinados com o imunizante, como parte de um “estudo de intervenção”. Por outro lado, na região leste da Ilha, outros 45 mil habitantes receberam doses da vacina Abdala. Ambas as vacinas estão na última fase dos testes clínicos. Além disso, outras três também estão sendo utilizadas em testes de fase 3. Ao todo, o país tem 40 projetos de pesquisa para imunizantes contra a covid-19.
De acordo com o embaixador Pedro Monzón, cônsul-geral de Cuba em São Paulo, a expectativa do governo do seu país é vacinar 6 milhões de pessoas – mais da metade da população de 11,2 milhões de habitantes – até agosto. Após a aprovação do uso emergencial pelas autoridades sanitárias, a previsão é que todos os cerca de 2 milhões de moradores da capital, Havana, estejam imunizados até o mês que vem.
“Vamos produzir 100 milhões de vacinas em 2021. O que é suficiente para vacinar todos os cubanos, e comercializar a preços razoáveis e solidários com outras organizações e países do mundo”, afirmou Monzón, em entrevista a Marilu Cabanãs, no Jornal Brasil Atual desta segunda-feira (19).
Ele destacou que as vacinas contra a covid-19 são resultado de mais de 30 anos de desenvolvimento da biotecnologia cubana. “Nós conseguimos, apesar do bloqueio”, destacou o embaixador, fazendo referência ao bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos que já dura mais de seis décadas.
Vacinas e colaboração entre Cuba e Brasil
O cônsul classificou como “difícil” a possibilidade de o Brasil participar dos testes de fase 3 das vacinas cubanas mais promissoras. “Teria que romper a barreira da política”, disse Monzón. Ele afirmou que o estado atual de afastamento na relação entre os dois países não partiu de Cuba. E lembrou das agressões “absurdas e desnecessárias” por parte do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, que culminou com a saída dos médicos cubanos que faziam parte do programa Mais Médicos.
Apesar do estranhamento entre os dois países, o cônsul afirmou que há “grupos solidários” no Brasil, principalmente de médicos e cientistas, que estão trabalhando para trazer as vacinas cubanas para o país.
Um dos interessados nessa colaboração é o imunologista Gustavo Cabral. Como pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), e com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), ele coordena uma pesquisa para o desenvolvimento de vacina contra a covid-19 no Brasil.
Cabral ressaltou que, apesar do bloqueio, Cuba conta com suporte interno muito grande para o desenvolvimento de pesquisas. “Não adianta achar que é possível fugir da política. A gente não vai fazer ciência sem suporte político. Não existe estrutura interna de qualidade, com estabilidade no desenvolvimento científico, sem uma política de suporte”, declarou. Além disso, o país conta com importante intercâmbio científico com russos e chineses.
Comparativo em números
A população da ilha de Cuba é equivalente à da cidade de São Paulo, que tem 12,3 milhões de habitantes, segundo estimativa do IBGE divulgada no ano passado. Apesar das dimensões demográficas equivalentes, os números da pandemia são absolutamente discrepantes. Enquanto Cuba registrou, até o momento, 92.474 mil casos confirmados de pacientes contaminados pela covid-19, na capital paulista esse número ultrapassa os 778 mil infectados. Por outro lado, enquanto 512 cubanos morreram em decorrência da doença, a pandemia já fez mais de 25 mil mortes na capital paulista.
A diferença, de acordo com o infectologista, é que Cuba adotou uma política de combate efetivo ao novo coronavírus, com busca ativa dos contaminados a partir da testagem em massa da população. Os infectados são isolados, e recebem acompanhamento médico domiciliar. Os casos mais graves são levados para unidades de saúde. Também houve o fechamento precoce da entrada de estrangeiros no país.
Além disso, a ilha aplicou medidas rígidas para restringir a circulação da população, de modo a conter a disseminação do vírus, especialmente das novas variantes. Trabalhadores públicos também foram remanejados para garantir o distanciamento. Os que não puderam ser realocados, receberam um salário após a demissão e o equivalente a 60% da remuneração nos meses seguintes. O governo desencadeou forte campanha de conscientização, nos meios de comunicação, sobre as medidas necessárias para conter a transmissão da doença.
Da Rede Brasil Atual