“Em muitos países está havendo a reestatização dos serviços públicos porque os preços aumentaram e a qualidade diminuiu”, afirma Marcio Pochmann

O economista Marcio Pochmann avalia como as privatizações prejudicam o país e alerta que o governo Bolsonaro, incapaz de fazer a economia crescer, tenta liquidar o Brasil

Foto: Adonis Guerra/SMABC

O economista Marcio Pochmann, professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais da Unicamp, presidente do Instituto Lula e ex-presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), falou com a Tribuna sobre os impactos negativos das privatizações para toda a população e para o Brasil. Confira a entrevista:

Tribuna Metalúrgica – Por que o governo Bolsonaro insiste nas privatizações como saída para a crise?

Marcio Pochmann – O argumento atual não é que o Estado é ineficiente, como nos anos 90, é que precisa privatizar para fazer caixa do governo, tem que vender ativos do povo brasileiro para poder aumentar a receita e fazer jus aos déficits que este governo vem gerando.

Esse governo foi eleito com o argumento de que iriam organizar as finanças públicas, mas pelo contrário. O que há na verdade é a busca de receita, já que a economia não cresce, a economia não crescendo não arrecada, sem arrecadar tem uma despesa que precisa ser financiada e, para isso, é a liquidação do Estado brasileiro.

O governo, incapaz de fazer a economia crescer, manter a renda, o emprego, a tributação, está liquidando o que tem de estatal para poder arrecadar recurso e tentar o equilíbrio fiscal, isso compromete o futuro do país.

TM – Quais os principais danos para a soberania do Brasil com essas privatizações?

Pochmann – Na medida em que vamos desfazendo o setor produtivo estatal, o Brasil vai perdendo sua autonomia para promover o desenvolvimento, ou seja, vai retirando a decisão da população. As eleições estabelecem os governantes, os governantes podem, através do Estado, fazer mais ou menos pela população.

Quanto menor o setor estatal, menor a capacidade de os governantes fazerem algo em favor da população, porque tudo vai depender, cada vez mais, dos interesses privados.

TM – Qual a principal diferença entre economia liberal, defendida pelos governos de direita, e Estado forte, defendido pela esquerda?

Pochmann – A ideia de Estado vem justamente do reconhecimento de que no Brasil temos uma economia híbrida. Há empresas privadas que funcionam muito bem, mas esse setor privado investe em atividades, na maior parte, que são importantes do ponto de vista do lucro.

No Brasil temos tido uma situação de que quanto mais forte o Estado, mais forte o setor privado e o contrário também é verdadeiro. Quanto mais você enfraquece o Estado, mais enfraquecido fica o setor privado.

Nos governos do PT houve fortalecimento do Estado, o Brasil saiu da 12ª economia para ser a 6ª mais importante do mundo, o Estado se fortaleceu e o setor privado também. Quando o Estado começou a ser desmontado, em 2016, vimos o enfraquecimento do Brasil.

TM – Com a privatização da Eletrobras e de outras estatais a população sai perdendo com aumento nos preços e piora na qualidade dos serviços?

Pochmann – O Brasil é um ponto fora da curva na questão da privatização. Tivemos uma onda de privatizações nos anos 80 e 90, mas atualmente o que estamos vendo é a reestatização. Em muitos países está havendo a reestatização dos serviços públicos de energia, água, saneamento, transporte. Isso porque, se chegou à conclusão de que o setor privado operando essas atividades, se revelou um custo maior. O preço subiu, porque é um setor que visa o lucro, não houve os investimentos indicados e caiu a qualidade dos serviços.

TM – Qual o impacto das privatizações nos empregos dos trabalhadores nessas empresas?

Pochmann – Não temos registro de privatização que tenha resultado em mais emprego, pelo contrário, as privatizações todas levam à redução drástica do emprego existente e na qualidade de contratação. 

TM – Bancos públicos como o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal têm um papel social, como fica isso se forem privatizados?

Pochmann – A justificativa de ter banco público é para fazer ações que um banco privado não faz. A justificativa de ter a Caixa era ter agências bancárias onde o setor privado não vai. Os governantes vão perder total autonomia de fazer políticas públicas que poderiam fazer utilizando os bancos públicos.

TM – Você acredita que a pressão popular pode reverter essas ideias de privatizações?

Pochmann – É fundamental, em um regime democrático, a formação da opinião. Através do convencimento é que se muda a postura das pessoas. Grande parte está tentando sobreviver e essas questões de privatização passam tão longe que as pessoas não percebem. A atuação de sindicatos e movimentos sociais, aqueles que têm um compromisso com a coletividade, tem um papel muito importante para ajudar na conscientização.