Clipping 7 de outubro de 2021

Manchetes

Blogueiro bolsonarista usou de informante estagiária do STF (Folha de SP)

Venda de emendas está sob investigação, diz chefe da CGU (Estadão)

Número de internações por Covid despenca nos estados (O Globo)

UE quer barrar a importação de produto do desmatamento (Valor)

Automotive Business

Anfavea joga previsões para baixo

Sem produção suficiente para atender toda a demanda, entidade traça dois cenários, ambos com redução das expectativas de vendas e exportações

A Anfavea “jogou a toalha”, admite que não vai conseguir vencer este ano a luta contra falta de componentes e problemas logísticos que estão paralisando ou reduzindo o ritmo das fábricas de veículos. Diante do volume de produção insuficiente para atender a demanda dos mercados interno e externos, a associação que representa os fabricantes instalados no País traçou dois cenários possíveis para o fechamento de 2021, ambos com revisão para baixo das previsões, reajustadas pela última vez em julho e agora definitivamente rebaixadas.

No cenário chamado de “menos pessimista”, calculado com a esperança de que as montadoras vão desviar dos problemas logísticos e conseguir mais semicondutores, a Anfavea estima a produção média de 190 mil veículos/mês no último trimestre do ano, o que leva à previsão de produzir 2,22 milhões de veículos em 2021, em alta de 10% sobre 2020 – fortemente impactado pela pandemia de coronavírus – e 240 mil unidades menor do que a projeção de julho passado, de 2,46 milhões e crescimento de 22%.

Se esta estimativa se confirmar, a Anfavea calcula mercado interno total de 2,1 milhões em 2021 (contra 2,3 milhões antes), volume apenas 3% maior que o de 2020, ou 10 pontos porcentuais abaixo do crescimento de 13% previsto em julho.

Mas o cenário pode ser pior se os fabricantes não conseguirem avançar, apenas mantendo o ritmo atual na média de 169 mil veículos produzidos por mês, fechando 2021 com 2,13 milhões de unidades fabricadas, o que levaria a um mercado doméstico estimado de pouco mais de 2 milhões, resultado quase igual ao de 2020, em queda de 1%.

Pode ser ainda pior do que isso? O presidente da Anfavea, Luiz Carlos Moraes, espera que não, pois o cenário mais pessimista já foi traçado com a menor média de produção do ano, indicando que é difícil ficar abaixo disso, embora ele reconheça que a situação é muito instável e não se pode dizer com segurança se o fornecimento de semicondutores permanecerá no nível atual.

“Até agora a situação só piorou, não houve melhora. Esperava-se pela normalização do fornecimento de semicondutores até o fim de 2021, mas as últimas projeções já indicam que o primeiro semestre de 2022 continuará desafiador e as melhores estimativas apontam recuperação só no segundo semestre. O que posso garantir é que as montadoras estão trabalhando incansavelmente para alcançar o melhor cenários possível no momento, que é de voltar a produzir neste trimestre volumes parecidos com os do começo do ano”, afirma Moraes.

Incapacidade de produzir mais freia recuperação

Durante a divulgação de resultados da indústria na quarta-feira, 6, a exemplo do que já tinham feito os distribuidores autorizados reunidos na Fenabrave, o presidente da Anfavea disse que devido às muitas instabilidades enfrentadas pela indústria “ainda é muito difícil prever o que vai acontecer nos próximos três meses que faltam para fechar 2021”, mas reconheceu que de maneira geral os fabricantes não têm mais condições nem tempo para recuperar a produção já perdida (estimada em cerca de 300 mil unidades no ano) e atender a demanda já contratada pelos concessionários no Brasil, bem como os pedidos das locadoras e também de clientes no exterior, que seguem esperando em filas de 60 a 90 dias para receber os veículos.

“Este ano não adianta calcular a demanda para prever a produção, porque temos limitação de oferta. Assim tivemos de fazer o contrário, estimar quanto ainda podemos produzir e assim projetar o tamanho do mercado. As montadoras estão fazendo um trabalho incansável para puxar os números para o cenário mais favorável, mas já sabemos que os resultados de 2021 vão ficar próximos de 2020, o ano de maior impacto da pandemia, e não vamos conseguir recuperar os volumes de 2019”, avalia Luiz Carlos Moraes.

O impacto da falta de semicondutores e das paralisações de fábricas já afetam o desempenho do mercado brasileiro nos últimos meses. Setembro foi o pior mês do ano, com 155,1 mil veículos novos licenciados, incluindo automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus, resultado 10,2% inferior ao de agosto e 25,3% abaixo do verificado no mesmo mês de 2020. No acumulado de 2021, o total de 1,58 milhão de unidades vendidas indica crescimento de 14,8% sobre o mesmo período do ano passado, mas o porcentual de expansão vem caindo mês a mês por causa da produção abaixo da demanda.

Observando as variações da produção brasileira, o presidente da Anfavea lembrou que o ritmo das fábricas em 2019 girava acima de 250 mil veículos produzidos por mês, com pico de quase 290 mil em outubro daquele ano. A média caiu para 166 mil/mês em 2020, puxada pela forte queda no segundo trimestre devido ao fechamento de fábricas provocado por medidas para conter a pandemia, mas a partir de agosto voltou a ficar acima de 200 mil unidades/mês, com pico de 238 mil em novembro. Esse avanço estava sendo mantido até maio passado, quando a falta de semicondutores interrompeu ou diminuiu substancialmente a produção, baixando a média mensal para 167 mil veículos nos últimos quatro meses.

Em ambos os cenários traçados, menos ou mais pessimista, as novas projeções da Anfavea estão pouco abaixo das apresentadas pela Fenabrave no início desta semana. Para Moraes, isso acontece porque a associação dos concessionários “está mais próxima dos clientes” e do desejo de compra, enquanto a entidade que representa os fabricantes tem os olhos voltados “às dificuldades de produção que estão sendo enfrentados pelos associados”. “Mas a diferença é pequena, equivalente a poucos dias de faturamento”, ressalta.

Retração econômica só afeta mercado em 2022

Os problemas na produção são maiores do que o difícil cenário econômico que está sendo desenhado no Brasil com alta da inflação e dos juros, queda da renda e desemprego em níveis recordes. Como as fábricas não estão conseguindo atender a demanda de veículos novos, a retração da economia só deve afetar as vendas do setor a partir de 2022.

“Por enquanto o mercado está disposto a comprar, com filas de espera por veículos de 60 a 90 dias. Portanto, até o fim do ano esta demanda reprimida ainda deverá ser atendida, mas o volume já está abaixo das previsões que fizemos no início de 2021 e que já eram conservadoras. Em 2022 esperamos ter menos dificuldades com a produção, mas a alta da inflação e dos juros preocupam e poderão afetar as vendas no próximo ano”, avalia Luiz Carlos Moraes.

O dirigente destaca ainda que nas projeções feitas até agora não está incluído os efeitos da crise hídrica que pode provocar racionamento de energia ou apagões. Se isso acontecer, tudo pode piorar muito. “Estamos monitorando, mas ainda não colocamos nas previsões”, diz.

Antes disso, aponta Moraes, ainda há muitos problemas a resolver, como a própria pandemia, que ainda não foi debelada completamente, e suas sequelas econômicas que podem perdurar por anos à frente. “A perspectiva níveis altos de vacinação da população até o fim deste ano reduz o impacto da Covid-19, mas existem sequelas persistem, como é o caso da falta de semicondutores provocada pela pandemia e do enfraquecimento da economia”, resume.

Valor

Anfavea estima que produção de veículos pode crescer só 6%

Entidade faz terceira revisão do ano, com volume podendo variar até 10% no cenário mais otimista, atingindo 2,21 milhões de unidades

O agravamento da falta de componentes eletrônicos ao longo desse ano, fez com que a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) fizesse a terceira revisão das estimativas de produção, exportação e vendas de veículos para 2021. As novas projeções são bem menores do que as realizadas em julho, segundo o presidente da Anfavea, Luiz Carlos de Moraes.

Segundo ele, a Anfavea traçou dois cenários para 2021: um otimista e um mais conservador. “Há muita dificuldade no radar para definirmos as estimativas para o último trimestre, mas tivemos que calibrar para baixo as projeções que fizemos em julho. Elas não fazem mais sentido.”

A produção, segundo ele, considerando o ritmo de produção do terceiro trimestre, ao redor de 160 mil veículos por mês, nos três últimos meses deste ano podem ser produzidos 480 mil unidades, o que no total chega a 2,12 milhões de veículos, uma alta de 6%. Já no cenário com um ritmo de produção semelhante ao início do ano, de 190 mil unidades, a montagem de veículos pode crescer 10% neste ano, chegando a 2,21 milhões de veículos, alta de 10%, de acordo com a Anfavea. A estimativa de julho, era um crescimento de 22%, com 2,45 milhões de unidades produzidas pelas montadoras instaladas no país.

Moraes ressaltou que o mercado brasileiro vai seguir a dinâmica do setor automobilístico mundial. Segundo ele, a consultoria IHS estima que a produção de veículos do mundo deve ficar estável neste ano em relação a 2020. Isso porque há uma perspectiva de queda de 7 milhões a 9 milhões de unidades em razão da crise dos semicondutores. “Em agosto, a consultoria havia refeito as estimativas de produção mundial, considerando um crescimento de 6 milhões de veículos, chegando a 80,8 milhões de unidades. No entanto, por causa da crise dos semicondutores em setembro ela revisou para baixo esse número – 75,8 milhões de veículos”, disse.

No ano passado, as montadoras ao redor do mundo fabricaram 75 milhões de unidades. “A situação é preocupante. Esperávamos uma retomada em 2021, mas infelizmente não veio. E, pelo menos até o primeiro semestre de 2022, devemos ter falta de chips no mercado mundial.” Com a nova estimativa para a produção automotiva tanto para o mundo quanto para o país, Moraes acrescentou que as exportações brasileiras de veículos também apresentaram revisões para baixo. “A partir dessa simulação, a exportação poderá ser de 356 mil ou 377 mil unidades em 2021. Esperávamos uma alta de 20%, chegando a 389 mil veículos exportados. Ajustamos para baixo as estimativas”, afirmou.

 Com relação aos licenciamentos, o dirigente ressaltou que o volume no mercado interno pode chegar entre 2,03 milhões e 2,11 milhões, queda de 1% ou alta de 3%. A última projeção da Anfavea era de crescimento de 13%, chegando a 2,32 milhões. Pelos dados de setembro, de acordo com a Anfavea, os licenciamentos chegaram a 155,1 mil unidades, o que representou queda de 25,3 % no mês passado em relação a setembro de 2020. Em nove meses, as vendas de veículos acumulam alta de 14,8% alcançando 1,57 milhão de veículos. “Foi o pior setembro desde 2005 em termos de vendas.”

A produção de veículos, segundo a Anfavea, caiu 21,3%, para 173,3 mil veículos em setembro. Já no acumulado do ano, foram montados 1,64 milhão de unidades, aumento de 24%. “O desafio é grande ainda, pois a base de comparação ainda é baixa”, acrescentou Moraes. Pelos dados da Anfavea, as exportações somaram 276,98 mil veículos até setembro, uma alta de 33,8%, no comparativo com o mesmo período de 2020. No mês passado, as vendas externas caíram 22,5%, para 23,6 mil unidades. Esse volume de exportações gerou uma receita de US$ 5,52 bilhões até setembro e US$ 634,59 milhões no mês passado, altas de 49% e 15,3%, respectivamente.

Valor

Ex-presidentes da GM e da Oi se unem e saem à caça de investidores

O argentino Carlos Zarlenga está de volta, tem como sócio o brasileiro Francisco Valim. Eles se associaram a uma ‘Spac’ dos EUA

Exceto em casos extremos, como escândalos, é raro algum executivo do alto escalão da indústria automobilística abandonar o cargo aos 47 anos e com a carreira em ascensão para abraçar um projeto diferente. Um mês e meio depois de ter saído da presidência da General Motors na América do Sul de forma repentina, o argentino Carlos Zarlenga está de volta. Ele deixou a indústria, mas continua ligado à área. Por meio de uma empresa que acaba de ser fundada, pretende sair em busca de investidores interessados em injetar recursos em companhias que precisam de uma mão para adaptar-se à transformação do automóvel.

Batizada de Qell Latam Partners, a nova empresa é ligada à Qell, companhia fundada nos Estados Unidos em 2020 por outro ex-executivo da GM, o americano Barry Engle. A Qell é uma “Spac” (companhia com propósito específico de aquisição, na sigla em inglês), cuja atividade principal é levantar recursos por meio de IPOs para aquisição de empresas.

No Brasil, essa modalidade ainda precisa de ajustes. Mas, segundo Zarlenga, a nova empresa, com sede em São Paulo e atuação em toda a América do Sul, não será uma Spac. Atuará, diz, na busca de investidores que desejem aplicar dinheiro em empresas que podem ser rentáveis, mas não têm fôlego para acompanhar a transformação em curso no setor automotivo.

O foco inicial é o automotivo, sobretudo autopeças. Mas a atividade poderá, no futuro, expandir-se para outros setores. Não à toa Zarlenga tem como sócio, na nova empresa, o brasileiro Francisco Valim, que conhece bem as dificuldades de outros setores, em especial o de telecomunicações. Valim já foi presidente da Oi, Net, Nextel e da Via Varejo. Além de uma antiga amizade, ambos têm em comum o fato de já terem comandado grandes empresas em momentos de crises.

Zarlenga passou os últimos dez anos na GM e como presidente na América do Sul, nos últimos cinco, teve de agir rapidamente para estancar perdas de rentabilidade da montadora na região. Passou meses amarrando acordos de flexibilização de contratos de trabalho e redução de margens de fornecedores e revendedores. Já Valim passou por situações de crise em várias empresas, com alguns desentendimentos. O mais emblemático foi o da Oi, de onde saiu 18 meses depois de contratado.

Zarlenga diz não guardar mágoas de seus tempos de GM. “Foi uma experiência sensacional”. Estar no comando em uma região estratégica para os negócios de um dos maiores fabricantes de veículos do mundo foi o que despertou nele a percepção de que estava na hora de pensar em alternativas para evitar que o potencial histórico dessa indústria na região se perca com a mudança de rota da estratégia mundial do setor, voltada, hoje, para a eletrificação. Surgiu, então, a ideia de uma empresa de investimentos.

Mas ninguém havia pensado nisso antes? Para Zarlenga, nunca houve interesse de fundos, por exemplo, por empresas automotivas porque sempre prevaleceu no mercado a percepção de que esse “tinha que ser um setor global”. Mas os planos dos agora sócios da Qell Latam Partners vão justamente na direção contrária.

Para Zarlenga, é preciso nacionalizar mais e fortalecer as empresas da região na transição até a eletrificação do carro, que será mais longa do que em outros países. Especialistas indicam que até 2030, os modelos elétricos representarão 60% das vendas de veículos na Europa e China enquanto na América do Sul a fatia estará entre 15% e 25%. Zarlenga não teve tempo para férias. “Saí da GM num dia (25 de agosto) e já comecei a trabalhar no dia seguinte”, diz.

A maior parte dos contatos que ele já começou a fazer para detectar empresas que precisam de injeção de recursos vem da rede que ele já conhecia quando presidente da GM. “É difícil juntar pessoas com esse conhecimento”, diz, referindo-se também à Barry Engle, outro executivo acostumado com crises na região. Engle foi presidente das operações sul-americanas da GM e também da Ford. Ele será o presidente do conselho da Qell Latam Partners. “O que faremos agora tem relação com o que tenho pensado há muito tempo sobre a indústria no Brasil e na América do Sul”, destaca Zarlenga.

Segundo ele, o parque industrial do setor na região é gigante. Soma 700 empresas. “Os investimentos que vieram para região nos últimos oito a dez anos não atingiram a rentabilidade esperada. Por isso, agora, as empresas globais estão mais reticentes. Trata-se de uma região de alta volatilidade. Agora, os recursos da indústria têm se voltado para a eletrificação, que vai demorar a chegar na região em razão do poder aquisitivo”, completa. “Nem por isso podemos deixar de desenvolver produtos e isso precisa de investimentos. A dupla de sócios quer mudar as características de um setor onde, diz Zarlenga, “a única forma de vender uma empresa hoje é para os concorrentes”.

Além da bagagem dos executivos, a América do Sul não é uma experiência nova para a Qell. Há pouco tempo a companhia fez uma fusão com a alemã Lilium, que, também há pouco tempo anunciou uma aliança de US$ 1 bilhão com a brasileira Azul para a construção de uma malha de aviões de aterrisagem e decolagem verticais, os chamados carros voadores. O volume de recursos para criar a nova empresa de investimentos “é baixo”, diz Zarlenga.

Folha de SP

Renda média atinge menor nível em quase 10 anos nas metrópoles do Brasil

Quadro reflete desempenho frágil do mercado de trabalho, dizem pesquisadores

Em um contexto de fragilidade no mercado de trabalho, a renda média nas regiões metropolitanas do Brasil voltou a recuar e atingiu o menor nível desde o começo de 2012. É o que aponta a quinta edição do boletim Desigualdade nas Metrópoles. No segundo trimestre de 2021, a renda domiciliar per capita do trabalho foi estimada em R$ 1.326 nas regiões metropolitanas, uma baixa de 0,1% em relação aos três meses anteriores. Um valor inferior a esse só foi verificado no começo da série histórica do estudo, no primeiro trimestre de 2012: R$ 1.323.

O boletim utiliza microdados da pesquisa Pnad Contínua, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A renda domiciliar per capita corresponde ao rendimento total do trabalho dividido pela quantidade de pessoas em cada residência. Os números levam em conta a inflação e refletem apenas os ganhos com atividades profissionais. Ou seja, recursos de benefícios sociais, como auxílio emergencial e aposentadorias, não entram no cálculo.

O estudo é produzido em parceria entre PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), Observatório das Metrópoles e RedODSAL (Observatório da Dívida Social na América Latina). Na visão dos responsáveis pela pesquisa, os dados deixam claro que a atividade econômica e o mercado de trabalho ainda não ganharam a tração desejada nas regiões metropolitanas. O segundo trimestre de 2021 foi o sexto consecutivo de queda na média de rendimentos.

Conforme o boletim, os mais pobres perderam mais renda, em termos relativos, durante a pandemia. Nessa camada, até houve um esboço de melhora nos últimos trimestres, mas ainda distante de reverter completamente os prejuízos da Covid-19. Os mais ricos, por sua vez, tiveram uma perda menor de rendimento ao longo da crise. Porém, ao contrário dos mais pobres, continuam registrando baixa nos ganhos do trabalho.

Em conjunto, esses fatores acabaram resultando em um rendimento baixo, na média geral, para os padrões da série histórica. No segundo trimestre de 2021, a renda dos 40% mais pobres foi estimada em R$ 177 nas regiões metropolitanas. O valor até representa uma alta de 7,5% frente aos três meses imediatamente anteriores (R$ 165). A marca, contudo, está 22,1% abaixo do patamar do primeiro trimestre de 2020. À época, a pandemia ainda não impactava tanto o mercado de trabalho.

Já os 10% mais ricos viram o rendimento médio cair 2,6% entre o primeiro e o segundo trimestre de 2021, para R$ 6.430. A perda de renda em relação ao começo do ano passado foi de 8,3% –inferior à dos mais pobres. Entre os 50% intermediários, o rendimento subiu 2,4% entre o primeiro e o segundo trimestre deste ano, para R$ 1.254. No entanto, ainda está 5,1% abaixo do começo de 2020.

O professor do programa de pós-graduação em Ciências Sociais da PUCRS André Salata, um dos coordenadores do boletim, chama atenção para o quadro dos mais pobres. Uma crise prolongada como a do coronavírus, aliada à recuperação lenta da renda, pressiona principalmente quem tem menos recursos, sublinha o professor. “A retomada da renda dos mais pobres tem sido muito tímida. As reservas deles vão se esgotando com o passar do tempo, e a situação vai ficando mais grave.”

O pesquisador do Observatório das Metrópoles Marcelo Ribeiro, que também coordena o estudo, vai na mesma linha. Segundo ele, o mercado de trabalho ainda não dá sinais de melhora consistente. Isso faz com que os trabalhadores, especialmente os mais pobres, busquem “estratégias de sobrevivência”, como os populares bicos, diz Ribeiro.

Essas tarefas até podem elevar a renda de quem ganha menos, como ocorreu no segundo trimestre, mas não criam condições para uma recuperação robusta nos rendimentos. “O aumento da renda no segmento mais baixo não se dá pela reativação da economia. Está mais vinculado à necessidade dessas pessoas, que precisam construir estratégias de sobrevivência”, afirma Ribeiro.

O boletim contempla 22 metrópoles brasileiras. O maior rendimento médio foi registrado na região metropolitana de Florianópolis (R$ 2.129), e o menor, na Grande São Luís (R$ 699). O estudo ainda traz dados sobre a desigualdade na renda do trabalho medida pelo Coeficiente de Gini. O indicador varia de zero a um.

Quanto mais próximo de um for o índice, maior é a desigualdade de renda do local em questão. Quanto mais próximo de zero, mais igualitária é a divisão da renda. No conjunto das metrópoles, a média de Gini recuou de 0,632 para 0,626 entre o primeiro e o segundo trimestre deste ano. Contudo, permaneceu acima da verificada no início de 2020: 0,610.

Isso significa que a desigualdade ficou maior durante a pandemia. Segundo os responsáveis pelo estudo, o recuo no trimestre mais recente só ocorreu porque a renda dos mais ricos seguiu em baixa, enquanto a dos mais pobres teve uma elevação, ainda insuficiente. “O cenário ideal seria de crescimento para todos, com aqueles na base da pirâmide ganhando mais”, aponta Salata. “A desigualdade até recuou no último trimestre, mas a renda média também ficou menor”, completa Ribeiro.

Valor

PIB do Brasil ficará atrás do da América Latina em 2022, diz Banco Mundial

O Banco Mundial melhorou a perspectiva de crescimento para a economia brasileira neste ano, mas piorou bastante o cenário para 2022, quando o Brasil deve ter o pior desempenho entre os países da América Latina e Caribe avaliados. De acordo com o relatório semestral da instituição, o Brasil deve ter expansão de 5,3% em 2021 e de 1,7% no próximo ano. Antes, as estimativas eram de 4,5% e 2,5% de expansão, respectivamente.

Esse cenário mostra um desempenho do Brasil inferior à média da América Latina e Caribe nos dois anos, para o qual estão projetados aumentos de 6,3% e 2,8% para o PIB da região. Na comparação com o relatório anterior, a expectativa de crescimento econômico nesse grupo de países das Américas melhorou para 2021 (era 5,2% antes) e piorou discretamente para o ano que vem (era 2,9%).

O documento da instituição multilateral é intitulado “Recuperação do Crescimento: Reconstruindo Economias Dinâmicas Pós-Covid em Meio a Restrições Orçamentárias”. A análise da instituição é que, a despeito da recuperação estar em curso, ela é mais lenta do que se esperava. “As marcas na economia e na sociedade levarão anos para cicatrizarem. Nunca foi tão premente a necessidade de recuperar um crescimento dinâmico, inclusivo e sustentável para enfrentar as consequências da pandemia e buscar soluções para carências sociais históricas”, diz o documento em seu sumário executivo.

O material aponta que os custos sociais da pandemia foram devastadores na região. “Sem considerar os resultados do Brasil, os índices de pobreza, medidos com base em uma renda domiciliar per capita de até US$ 5,50/dia, aumentaram de 24% para 26,7% – o patamar mais alto em décadas. Os estudantes da região perderam de um a um ano e meio de aprendizado, e a queda no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU superou aquela verificada durante a crise financeira”, diz o sumário.

“Uma boa notícia é que a campanha de vacinação vem ganhando força nos últimos seis meses e, embora ainda esteja longe dos índices almejados, já tem gerado uma redução nas mortes por covid-19 na maioria dos países”, diz o documento.

Apesar da melhora no ritmo de crescimento no continente, o quadro não permite muita animação. O documento lembra que as “recuperações robustas dos principais parceiros comerciais dos países da região, as baixas taxas de empréstimos globais e a perspectiva de outro superciclo de commodities” podem ajudar a região a crescer mais que o previsto, mas o desempenho está aquém do desejável e do necessário para o enfrentamento dos problemas crescentes, alguns que já existiam antes da pandemia, mas que se agravaram com a crise sanitária.

Segundo o Banco Mundial, a continuidade da retomada exige a superação de vários desafios, entre eles a possibilidade de novas ondas do coronavírus. “Qualquer recorrência do vírus levará a declínios na atividade econômica, não apenas devido a medidas governamentais para impor distanciamento social, mas também porque metade do declínio na atividade se deve ao distanciamento voluntário resultante do medo de contrair a doença”, comenta o organismo.

Outro complicador é o aumento nas pressões inflacionárias globais e o risco de não serem tão passageiras, forçando a ação mais forte na política monetária, algo que já está em andamento em vários países. “As taxas aplicadas a empréstimos aumentarão no mundo todo, deprimindo a demanda e pondo em risco a gestão orçamentária”, explica o texto do Banco Mundial.

O relatório alerta ainda para os altos níveis de dívida do setor privado e falta de clareza sobre a solidez do setor bancário. “Pesquisas do Banco Mundial sugerem que, em muitos países, de 40% a 60% das empresas encontram-se inadimplentes como resultado da queda de receitas causada pela pandemia.

Na melhor das hipóteses, essas pendências frearão os investimentos; no pior dos casos, criarão empresas zumbis: ainda abertas, mas efetivamente em rota de falência”, explica. “O fato de os sistemas bancários estarem tolerando atrasos no pagamento de dívidas pode reduzir a transparência no setor financeiro, dificultando a identificação do real volume de empréstimos inadimplentes no sistema.”

O organismo alerta ainda para os déficits orçamentários crescentes na América Latina e Caribe. “O declínio das receitas públicas e os esforços extraordinários para proteger famílias e empresas durante a pandemia de covid-19 resultaram em altos déficits e no aumento da dívida. Em alguns casos, isso levou a rebaixamentos de classificação e a um aumento potencial nos custos de empréstimos”, comenta o texto.

Segundo a instituição, a relação média entre dívida pública e PIB cresceu drasticamente em dois anos: um aumento de 15 pontos, atingindo 75,38%. “Isso levou a uma redução da capacidade de contrair empréstimos no exterior e dificultou a gestão fiscal no futuro”, aponta.

Para o Banco Mundial, a crise da xovid-19 somou-se a outra “década perdida” de baixo crescimento, indicando a presença de problemas estruturais mais profundos. “Ademais, torna mais urgente a busca de soluções para as deficiências históricas em infraestrutura, educação, política energética, capacidade empresarial e inovação. Tais deficiências impedem o crescimento da região, que também precisa enfrentar novos desafios relacionados à mudança climática”, afirma o documento.

“A menos que esses fatores estruturais sejam tratados, o crescimento provavelmente continuará anêmico e será insuficiente para que a a região avance no combate à pobreza e possa aliviar suas tensões sociais”, completa.


Folha de SP

Câmara convoca Guedes para explicar no plenário offshore em paraíso fiscal

Em um forte sinal político de insatisfação, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (6) a convocação do ministro Paulo Guedes (Economia) para explicar a existência de recursos dele em um paraíso fiscal.

Além de representar um novo revés para o titular da equipe econômica após a revelação de que mantém recursos no exterior, o placar da aprovação do requerimento explicita o nível de desgastes do chefe da economia de Jair Bolsonaro (sem partido) com o Congresso.

Foram 310 votos a 142. Houve uma união da oposição, que apresentou o requerimento, com o centrão, grupo de siglas que hoje dá sustentação política a Bolsonaro. Guedes é obrigado a comparecer, sob pena de cometimento de crime de responsabilidade caso falte sem justificativa adequada.

Os 60% dos votos da Câmara contra o ministro seriam suficientes para aprovar uma PEC (proposta de emenda à Constituição), algo que o governo não conseguiu alcançar recentemente, na discussão do voto impresso —mesmo com o empenho pessoal de Bolsonaro.

Vice-presidente da Câmara, e responsável por presidir a sessão desta quarta, o deputado Marcelo Ramos (PL-AM) criticou o ministro e disse que a revelação da offshore de Guedes representa uma forte contradição com o discurso no comando da economia brasileira.

“Não temos competência de dizer que ministro cai e que ministro fica, mas está claro que há uma insatisfação do Parlamento com um ministro que fecha os olhos para 14 milhões de desempregados, para 19 milhões que passam fome, que combate isenção fiscal para indústrias, mas transfere seu dinheiro para o exterior para não pagar imposto no Brasil. Nem estou entrando no mérito se isso é legal ou não, mas é absolutamente contraditório com seu discurso”, disse Ramos.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), um dos principais aliados de Bolsonaro, não participou da sessão por estar em viagem. É bastante improvável, porém, que uma votação desse porte e com uma diferença dessa magnitude tenha ocorrido sem o conhecimento e aval do parlamentar, que comanda o centrão. Além de entrar em atrito com Guedes durante a discussão da reforma do Imposto de Renda, Lira recentemente chamou para si articulações para enfrentar a escalada dos preços dos combustíveis.

Deputados ouvidos pela Folha também relatam problemas antigos e pulverizados entre a base de Bolsonaro na Câmara, que quer ampliar ao máximo os gastos federais com vistas às eleições, e a equipe de Guedes, quase sempre refratária a essas movimentações.

Guedes, sua esposa e sua filha são acionistas de uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas, conhecido paraíso fiscal, segundo reportagens publicadas neste domingo (3) por veículos como a revista Piauí e o jornal El País, que participam do projeto do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (o ICIJ).

O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), ainda tentou transformar a convocação em convite, mas não teve sucesso. “O ministro tem explicações a dar e está disposto a fazê-las para o Parlamento, como é natural de qualquer pessoa pública. Só não vejo razão de ser uma convocação”, disse.

“O assunto é relevante, é adequado que o ministro faça a explicação, embora já anunciou [sic] pela imprensa que não movimentou a empresa, que não tem nenhuma relação com a sua atividade de ministro de Estado da Economia, mas é justo que toda a pessoa pública tenha que explicar quando questionada a sua ação.”

Inicialmente, partidos do centrão, como o PP, PL e Republicanos, sinalizaram apoio à transformação da convocação em convite. Sem acordo com a oposição, porém, decidiram votar a favor do comparecimento do ministro no plenário. Ainda não há data para que Guedes preste esclarecimentos aos deputados, mas a expectativa é que seja na próxima quarta-feira (13).

“Há uma vedação explícita de que servidores públicos possam manter aplicações financeiras e investimentos no exterior que possam ser afetadas por políticas governamentais”, justificou a oposição no requerimento apresentado.

“É imperativo que Guedes dê explicações ao Parlamento sobre a manutenção destas contas no exterior, mesmo após ter assumido uma função pública de enorme relevância, o que é vedado pelo artigo 5º do Código de Conduta da Alta Administração Federal”, afirmou o líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ).

“É inaceitável que, enquanto a economia do país afunda, ele mantenha seus recursos em moeda estrangeira, sendo beneficiado com a desvalorização de nossa moeda, graças à sua desastrosa gestão. Com esta convocação, ele terá que se explicar ao povo brasileiro.”

Na votação em plenário, apenas PSL, PSC e a liderança do governo orientaram que os parlamentares votassem contra a convocação. Entre as siglas que apoiaram a medida estão partidos que abrigam aliados do governo, como o PP de Lira, o Republicanos, do ministro João Roma (Cidadania), e o PL, da ministra Flavia Arruda (Secretaria de Governo). O Ministério da Economia disse que Guedes já havia se colocado à disposição para prestar as informações que o Congresso entendesse necessárias, o que agora fará no Plenário da Câmara.

Esse é mais um de uma lista de reveses que o ministro acumula desde a revelação de que mantém recursos em um paraíso fiscal. A PGR (Procuradoria-Geral da República) abriu investigação preliminar contra ele na segunda-feira (4). Guedes também foi alvo de denúncia nesta quarta-feira (6) na Comissão de Ética Pública da Presidência da República (que já afirmou que pode reabrir o caso diante de novas informações).

O ministro já havia sido convocado por duas comissões da Câmara para falar sobre a offshore nas Ilhas Virgens Britânicas. A expectativa é que os presidentes dos colegiados abram mão de suas convocações para que o ministro vá apenas ao plenário da Câmara.

Advogados que representam Guedes afirmaram que, após assumir o cargo no governo Jair Bolsonaro, ele não fez movimentações de valores na offshore da qual é acionista. Em nota, afirmam que o ministro se afastou da gestão da empresa em dezembro de 2018.

As revelações surgem no momento em que o país debate uma reforma tributária. Em meio às discussões, em julho, Guedes defendeu retirar do projeto de lei do Imposto de Renda a regra que tributaria recursos em paraísos fiscais. Para ele, a discussão complicaria o debate sobre o texto.

Nesta quarta-feira (6) a defesa de Guedes apresentou uma petição à PGR, reunindo documentação para mostrar que o ministro não ocupa cargo de administrador da offshore desde que assumiu a função pública.

Em nota, os advogados Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Velloso voltaram a dizer que Guedes está “completamente afastado” da gestão da empresa desde o fim de 2018. “Ficou evidenciando que o ministro, em hipótese alguma, teve seus investimentos beneficiados em razão do cargo que ocupa. Paulo Guedes, tanto em sua vida privada, quanto no exercício da função pública, sempre se pautou pelos regramentos legais e éticos existentes”, afirma a defesa.

Os advogados de Guedes são os mesmos de Campos Neto, presidente do Banco Central, que também teve offshore no exterior. Eles já defenderam o ministro na Operação Greenfield, que gerou apurações contra Guedes por suspeita de fraudes com recursos de fundos de pensão. Há um ano, o TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) determinou o trancamento de investigações contra o ministro no caso.

Os advogados também defenderam figuras como o então presidente afastado da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ) nos processos decorrentes da Operação Lava-Jato e o empresário Joesley Batista, acionista da J&F (controladora da produtora de proteínas JBS).

Libération (FR) – Entrevista com Lula

Lula: “O Bolsonaro não quer sair do poder, mas o povo vai decidir o contrário”

A um ano da eleição presidencial no Brasil, Libération conversou com Lula, o grande favorito na votação. Ainda não é candidato, mas já está em campanha. Ele fala de Jair Bolsonaro e traça os contornos de uma volta ao poder da esquerda e do Partido dos Trabalhadores.

Por Chantal Rayes

Ele teria renunciado à aposentadoria após sua libertação da prisão no final de 2019. E então Lula, o sobrevivente, o animal político, voltou. Em março, o chefe da esquerda brasileira recuperou sua elegibilidade da noite para o dia com a anulação pelo Supremo Tribunal Federal de suas condenações no contexto da vasta operação anticorrupção Lava Jato. Após dois mandatos à frente do país, entre 2003 e 2010, Luiz Inácio Lula da Silva está agora na melhor posição para vencer o presidente de extrema direita, Jair Bolsonaro, no ano que vem.

É um Lula em boa forma, gravata vermelha e todo sorrisos, que recebeu o Libération no dia 30 de setembro no modesto local de sua formação, o Partido dos Trabalhadores. Sem dúvida nenhuma coincidência: o ex-metalúrgico está de volta ao berço, depois de parecer se distanciar de um PT menos popular que ele. Se uma vez ele mostrou sua pata branca para seduzir a comunidade empresarial, aqui está ele recuperando seu sotaque de esquerdista. Lula nos cochichou sobre sua “linda relação com a França” . Ele pega nossa mão, paternalmente. Já em campanha, usa e abusa de seu charme.

Libération — Você é candidato às eleições presidenciais do próximo ano?

Lula — Muitos pensam que estou brincando quando digo que ainda estou pensando. É difícil para eles imaginar que alguém que todas as pesquisas dão em mente ainda não declare sua candidatura [Lula vence com 25 pontos à frente de Jair Bolsonaro]. O que posso dizer é que estou bem disposto. A probabilidade de eu ser um candidato é, portanto, muito alta. Estamos discutindo isso dentro do PT, mas também com outros partidos e organizações da sociedade civil, para construirmos uma aliança para governar o Brasil a partir de 2023 [o mandato de Bolsonaro termina no final de 2022]. Provavelmente tomaremos uma decisão em janeiro ou fevereiro.

A eleição será realizada conforme planejado? Bolsonaro deixa margem para dúvidas…

Estou convencido da capacidade de nossas instituições em garantir seu desempenho. Bolsonaro perderá e deixará o poder, como deveria. Ele, então, sem dúvida, terá que responder perante os tribunais por seus atos arbitrários.

Mil dias após a chegada ao poder, como está a democracia no Brasil?

Muito bem, a julgar pelas aspirações dos brasileiros e pelo comportamento dos partidos políticos. O que está errado é o comportamento do chefe de Estado, que desrespeitou todas as regras civilizadas que a democracia brasileira estabeleceu, que sabota as missões de instituições que deveriam proteger o meio ambiente e os índios, para citar apenas esses exemplos. Isso sem falar na crise econômica e social, com 116 milhões de brasileiros [mais da metade da população] em situação de insegurança alimentar e 33 milhões de desempregados ou condenados ao subemprego.

A imagem do Brasil no exterior talvez seja o que mais sofre com a presidência do Bolsonaro…

Este é um dos projetos que aguardam seu sucessor. Historicamente, a diplomacia brasileira sempre foi muito respeitada. Mesmo sob a ditadura militar [1964-1985], as relações do Brasil com o resto do mundo eram modernas e civilizadas. Bolsonaro jogou tudo no lixo. Tendo olhos apenas para Trump, ele falou mal da China, Rússia, Argentina, Bolívia, Chile… Ele até ofendeu pessoalmente Brigitte Macron [ao comentar um post no Facebook que zombava do físico da primeira-dama]. Com ele, o Brasil se tornou um pária internacional. Ninguém quer receber ou ser recebido lá. No final de agosto, Bolsonaro trouxe o presidente da Guiné-Bissau [Umaro Sissoco Embaló, às vezes apelidado de “Bolsonaro da África”], só para dar as boas-vindas a Brasília (sorriso divertido).

Com 600.000 mortes registradas oficialmente em breve, o Brasil é duramente atingido pela Covid-19. Você chamou o Bolsonaro de “presidente genocida”. Isso não é inapropriado?

Pode parecer extremo, mas ele merece! Um dia ou outro, ele será julgado por um tribunal internacional, por todas as mortes que poderiam ter sido evitadas se ele tivesse agido corretamente. Ele preferiu negar a periculosidade do vírus, que segundo ele só mataria idosos e seria tratável com um medicamento de eficácia não comprovada [cloroquina]. Ele poderia ter feito um protocolo oficial para orientar cidades e estados [que acabaram tomando suas próprias medidas de saúde] e adquirir, em agosto de 2020, os 70 milhões de doses que o laboratório Pfizer lhe ofereceu. Nada disso foi feito. Agora sabemos que uma verdadeira gangue estava negociando vacinas dentro do Ministério da Saúde.

O Bolsa Família, seu programa de combate à pobreza extrema, foi alvo dessa nova direita que elegeu o Bolsonaro. No entanto, não só o Chefe de Estado o manteve, como está a preparar-se para aumentar em 56% o valor desta bolsa [30 euros pagos todos os meses aos mais carenciados] no âmbito da sua ofensiva ao seu eleitorado. O que isso te inspira?

Estabelecer o Bolsa Família não foi fácil. Fomos acusados de criar inúteis que não gostariam mais de trabalhar. As críticas cessaram com o reconhecimento internacional dessa política redistributiva, adotada desde então por muitos países pobres. E foi esse reconhecimento que fez com que Bolsonaro não ousasse tocá-lo. Para receber a bolsa, você tem que vacinar seus filhos e mantê-los na escola. Esta é a chave do seu sucesso. Eu criei o programa, agora o Chefe de Estado quer mudar o nome, na esperança de convencer as pessoas a votarem nele. Mas as pessoas são inteligentes, não se deixam guiar. Dito isso, o Bolsa Família seria uma medida de transição até que a miséria fosse erradicada. Sonho com o dia em que não precisaremos mais deles. Mas dado o curso das coisas, e não só no Brasil, acho que mais cedo ou mais tarde teremos que adotar uma renda universal para aqueles que a nova economia expulsou do mercado de trabalho.

Você passou 580 dias na prisão. Qual era seu estado de espírito quando foi à polícia em 7 de abril de 2018?

Para mim, ficou claro que o objetivo final do golpe contra Dilma [Rousseff, sua sucessora, deposta em 2016] era chegar até mim, mesmo que isso significasse inventar denúncias de corrupção . Por quê? Porque nossa elite da escravidão não digeriu a ascensão social dos mais desfavorecidos sob o governo do PT, entre 2003 e 2016. Desagradou profundamente a muitos brasileiros ricos ver a juventude da periferia ingressando na faculdade, ou a empregada doméstica pegando avião ou o operário da construção que frequenta as mesmas lojas que eles.

Eu poderia ter saído do Brasil, me refugiado em uma embaixada estrangeira. Preferi mostrar que Sergio Moro [o ex-juiz anticorrupção que o condenou e acaba de ser julgado “tendencioso” pelo STF] era um impostor. Eu disse a ele durante nosso primeiro encontro cara a cara: “Você está condenado a me condenar, porque a mentira foi longe demais. Você não pode voltar”. Moro e seus promotores visitaram as redações em busca de apoio da mídia. Em nove meses, TV Globo [primeiro canal em audiência] sozinha transmitiu 13 horas de tempo de antena contra mim! A imprensa raramente nos deu direito de resposta. Às vezes me pergunto se ela não estava presa. Então fiz o possível para não ceder ao ódio. A corrente de solidariedade de que beneficiei, em particular do meu apoio em França, deu-me forças.

É este o momento de colocar a questão da regulamentação da mídia de volta à mesa, como você está fazendo? A imprensa, um ator político no Brasil, agora está ajudando você ao se posicionar firmemente contra o Bolsonaro.

(Ele se levanta da cadeira) E decididamente contra Lula também. A mídia está procurando um candidato que possa evitar a minha vitória e a do Bolsonaro. A regulamentação da mídia, prerrogativa do Congresso Nacional, está prevista na Constituição brasileira. Que crime há em discutir isso? É uma reforma que já foi feita em outros lugares, mas que semeia o pânico, sabe Deus por que, entre os chefes da imprensa brasileira. Ouvi-los, regulamentar é censurar — uma mentira. A censura, a gente sabe uma coisa no PT, há tanto tempo que somos vítimas. (Endurece o tom) Mas a censura da elite brasileira não impediu meu partido de ganhar quatro eleições consecutivas, nem impedirá de vencer em 2022 se decidir ter candidato.

Desde a volta ao sufrágio universal em 1989, o senhor é o candidato natural do PT, sob cujo rótulo já disputou cinco eleições presidenciais. Onde está o sangue novo? Onde estão as primárias neste partido que tira proveito de sua democracia interna?

Por quantos anos François Mitterrand permaneceu a figura mais importante da esquerda francesa? O mesmo vale para Felipe González na Espanha. Um líder político não surge todos os dias. No entanto, o PT está em processo de reconstrução. O partido tinha outros presidentes além de mim, e dois outros candidatos presidenciais do Brasil: Dilma Rousseff [eleita em 2010] e Fernando Haddad [que disputou a votação de 2018 no lugar de Lula, então na prisão]. Também temos governadores muito bons. Tenho muito orgulho de quem sou no PT, da minha relação com o meu partido, uma relação de compreensão, respeito e camaradagem que nunca se perdeu, mesmo quando não fui candidato a nada ou estive detido. No dia em que o PT sentir que não tenho mais um papel a cumprir, ele vai colocar outro no meu lugar.

Você não decide essas coisas?

Não. Existem debates, instituições dentro do PT. Em última análise, são as pessoas que decidem. No dia que eu passar, ele vai me dizer: “Lula, vá embora”, e eu irei.

Qual é o seu programa para um possível terceiro mandato?

Você sabe, eu não tenho que ser presidente de novo. Eu já estive. E por isso mesmo, minha responsabilidade é infinitamente maior do que a de outros candidatos que nunca governaram. Tenho a obrigação de fazer muito mais e muito melhor do que já fiz. Vou fazer 76 no final do mês. Mas sinto a energia de um homem de 30 anos. Aprendi com minha mãe a nunca desistir e que a única luta que você perde é aquela que não luta. Hoje, o Brasil precisa mais do que nunca de um partido como o PT e de alguém que tenha sensibilidade social e conheça a alma dessa gente como eu conheço.

Será possível fazer mais?

É uma questão de necessidade, porque as pessoas estão mais pobres hoje do que quando eu estava no poder. Eu vi na época: os pobres não são o problema, mas a solução. Assim que eles começam a ter algum dinheiro, eles consomem e isso faz a economia girar. Em 13 anos, aumentamos o salário mínimo em 74%, sem contar a inflação, e aumentamos a renda dos 10% mais pobres muito mais do que a dos mais ricos. Isso nos permitiu expandir o mercado consumidor e atrair investimentos estrangeiros, para os quais o Brasil se tornara um dos primeiros destinos. Na verdade, minha fórmula é bastante simples: é colocar os pobres no orçamento e os ricos no imposto de renda.

A sua esquerda o reprova por não ter formado cidadãos, mas simples consumidores, que aliás acabaram elegendo o Bolsonaro…

Um presidente não tem esse poder. Eu criei as condições necessárias para que todos os brasileiros possam fazer três refeições por dia, ter acesso ao ensino superior e manter a cabeça erguida. Além disso, sou o presidente que abriu o maior número de universidades. A formação dos cidadãos depende de instituições, escolas, partidos políticos, sindicatos, que devem incutir uma consciência de classe. Não é feito por decreto.

OBS: Matéria completa ocupa 4 páginas do Jornal francês. Em outro texto que acompanha a entrevista, o Libération aponta porque o PT não pode prescindir de Lula. “A popularidade de Lula supera em muito a do partido que ele fundou, a meio pau nas urnas e ultrapassado no campo social por formações mais radicais”, analisa. O jornal ainda destaca que Bolsonaro assombra o país com a ameaça de um golpe de Estado. Em editorial – “Uma liderança que o país merece” – o Libération diz que Bolsonaro tornou-se um perigo tão grande para seu país que os brasileiros parecem dispostos a trazer Lula de volta ao poder. “A um ano da eleição presidencial, dado como vencedor com 25 pontos à frente do Bolsonaro, ele se prepara”, registra. “A entrevista que ele nos deu é claramente a de um futuro candidato à presidência, ainda que ele nos assegure que está pensando”.

(Tradução e resumo da Fundação Perseu Abramo)

Folha de SP (Painel)

Após reunião com Lula, Kassab diz que petista está com ‘disposição e vontade de ganhar’ em 2022

Presidente do PSD se reuniu com o ex-presidente da República nesta terça (5), em Brasília

O presidente do PSD, Giberto Kassab, disse nesta quarta-feira (6) que, em conversa com o ex-presidente Lula, viu no petista “muita disposição e vontade de ganhar” as eleições do ano que vem. Os dois se reuniram em Brasília nesta terça (5), em meio a uma série de encontros que o ex-presidente faz com políticos na capital, em articulações para 2022. Kassab, no entanto, afirma que “ficou claro na conversa que o PSD tem projeto próprio”.”Percebi, porém, que ele está com muita motivação e energia”, afirmou.

​Kassab tem tentado atrair o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para o PSD, com o objetivo de lançá-lo candidato à Presidência.

Estadão

‘Road show político’ de Lula e Moro movimenta xadrez de 2022

A um ano das eleições, a movimentação política simultânea do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro agitou o xadrez da corrida eleitoral de 2022. Inimigos desde os tempos das investigações e processos da Operação Lava Jato, os dois ampliaram as conversas com partidos e lideranças políticas pensando no papel que desempenharão na disputa. Enquanto Moro, que retornou esta semana para os Estados Unidos, ainda avalia se será candidato ou não, o petista estabeleceu uma espécie de quartel-general em Brasília onde tem se encontrado com possíveis aliados para a eleição.

Nesse “Road show político”, Moro começou se reunindo com os líderes do Podemos, em Curitiba, na casa do senador Oriovisto Guimarães (PR). O partido já ofereceu a legenda para o ex-juiz, caso resolva concorrer. Logo depois, jantou com o governador de São Paulo, João Doria, e com o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta em São Paulo. Moro ainda conversou com representantes do MBL e viajou para Brasília para conversar com alguns senadores e deputados. Avisou, porém, que só definirá seu futuro no fim de novembro, com o cenário político mais definido.

Do lado oposto, Lula ampliou sua movimentação já em Brasília, encontrando os governadores da Região Nordeste para tratar de alianças regionais que possam fortalecer sua candidatura nacional. Além disso, se reuniu com a bancada do PT no Senado e na Câmara. Nesta terça, o ex-presidente se reuniu com o presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, e com os dirigentes nacionais do PROS para avançar na formação de uma aliança eleitoral para disputar o Planalto. Os dois partidos indicaram que é grande possibilidade de acordo.

Mas o movimento mais importante do petista mira os partidos de centro. Lula vai se reunir com o presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, e com integrantes do MDB. O PT deseja abrir seu arco de alianças de olho no eleitorado de centro que não deseja reeleger Jair Bolsonaro, mas não gostaria de ter como alternativa uma chapa exclusivamente formada por políticos de esquerda.

Kassab aceitou o convite, mas disse ao Estadão que na conversa vai informar que o PSD não pretende se aliar ao PT na disputa presidencial. “O PSD terá candidatura própria para o Planalto. E eu direi isso a ele”, afirmou Kassab.

Nesse antagonismo entre Lula e Moro, os aliados do ex-presidente sabem que as investigações da Lava Jato serão relembradas intensamente pelos adversários como forma de desgastar a candidatura do petista. Por isso, na reunião de Lula com a bancada do Congresso, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, propôs que fosse feito uma espécie de memorial da verdade, contendo explicações didáticas para a militância ter capacidade de refutar as denúncias da Lava Jato. O Supremo Tribunal Federal acabou declarando a suspeição de Moro, num revés para o ex-ministro.

Folha de São Paulo (opinião)

Pau que bate em Lula não bate em Paulo Guedes

Mídia oficial esconde um escândalo de proporções planetárias

Impossível esquecer. Quando a caça a Lula estava a todo vapor, qualquer suposto indício de malfeitos virava manchete de jornais, telejornais e mídia oficialista em geral.

Entre outros disparates, atribuíram ao ex-presidente um apartamento minúsculo numa praia decadente e a posse de um sítio modesto –fatos nunca provados.

Até um roupão com suas iniciais encontrado em Atibaia foi listado. Foi-se mais longe. Um barco de alumínio, que mal valia R$ 3.000, ganhou ares de iate em letras garrafais.

Nem cosméticos nacionais de dona Marisa escaparam do “conjunto probatório.” Não à toa todos estes processos vêm sendo anulados pelo pouquinho de justiça por estas bandas.

Agora está-se diante um escândalo de dimensões planetárias. Os Pandora Papers resultam do exame de mais de 11 milhões de documentos que iluminam a ciranda financeira do grande capital em paraísos fiscais.

Entre os ricaços, mandatários e ex-mandarários que ocultam fortunas lá fora, estão os dois principais responsáveis pela política econômica brasileira. A mídia oficial daqui, porém, vem tratando o assunto com discrição monástica.

Descobriu-se que Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, mantinha no Panamá uma offshore para chamar de sua. Diz que foi fechada no ano passado. Só que ele já estava no cargo de principal autoridade monetária havia mais de um ano.

Já no posto, Campos Neto assinou uma portaria sobre declaração de ativos no estrangeiro. Até então, todo brasileiro com mais de US$ 100 mil lá fora tinha que informar o BC anualmente. A mudança elevou este valor para US$ 1 milhão.

O caso mais grave, sem dúvida, é o do ministro Paulo Guedes, sempre ele. Sabe-se agora que ele mantém pelo menos US$ 9,5 milhões (cerca de 50 milhões reais em dinheiro de hoje) devidamente escondidos no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas –na verdade um Lupanar fiscal.

A conta foi aberta em 2014 na surdina. Permaneceu ignorada até os Pandora Papers. Não se sabe o que é mais escandaloso, se a tramoia mantida à sorrelfa ou as desculpas do pessoal pego com a boca na botija.

Segundo Guedes, está tudo nos conformes. Diz que já abandonou a gestão da “Encouraçado Internacional”. Acontece que seus sócios são…sua mulher e sua filha! Me engana que eu gosto.

Afirma ainda que passou pelo crivo da Comissão de Ética Pública da Presidência, que aliás demorou dois anos para examinar o seu caso. Comissão que, diga-se de passagem, só puniu um servidor, se tanto, desde que foi criada. Ocorre que normas, regimentos e incisos proíbem cabalmente o exercício de função pública quando há conflitos de interesses entre o ocupante do cargo e seus negócios privados.

Roberto Campos Neto e Paulo Guedes integram, junto com o secretário especial da Fazenda, o Conselho Monetário Nacional. O CMN é responsável por “formular a política da moeda e do crédito”.

Quer mais poder do que isso? Cada mudança no preço do dólar passa por essa troika –na verdade, por essa dupla. E deixa mais ricos os que vivem da especulação, como eles.

Não bastasse isso, Guedes interfere na reforma tributária sobre a tributação de dividendos obtidos no exterior. Na legislação atual, a taxa varia de 15% a 27,5%. A proposta aprovada na Câmara (falta o Senado) é podar a alíquota para 6% com algumas manobras contábeis.

A pilhagem dos recursos nacionais promovida por JMB (dito Bolsonaro) e seu homem-forte, Paulo Guedes, chegou a um nível dificilmente visto. Guedes é um verdadeiro Rolando Lero nas palavras. “A economia está bombando”, enquanto o comércio anda para trás junto com a indústria.

“Não há problema no dólar alto”, ao mesmo tempo em que a população disputa ossos, a cesta básica dispara, os salários estacionam, o desemprego é colossal. O povo sofre até hoje por causa das negociatas com vacinas, que custaram 600 mil vidas.

Para JMB, Guedes e sua turma, o paraíso. Para o povo, o inferno dos impostos, da carestia do desespero e das mortes. Não há conserto possível com este governo.

Folha de SP

Cabeça de Paulo Guedes está assando, mas não vai queimar agora

Deputados governistas veem ministro lento e querem assumir parte da economia

Paulo Guedes foi convocado pela Câmara para explicar os dinheiros que mantém lá fora. Foram 310 votos a favor da malhação do ministro da Economia, 142 contra. Ainda que tenha cumprido todas as formalidades, Guedes vai aparecer na mídia e nas redes como o ministro ricaço que “não acredita no Brasil” e diz as barbaridades de costume sobre pobres. É um sinal de desprestígio e de que parlamentares querem tirar uma casquinha demagógica de um assunto que se tornou mais “pop” do que o desgoverno da economia.

Mas há outros sinais relevantes de que a cabeça de Guedes está assando, embora não deva ser queimada por agora. O ministro vale mais como pato manco vivo do que morto.

Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, propôs lei para diminuir o ICMS sobre combustíveis e, assim, talvez, baixar os preços em alguns centavos. Lidera, pois, a campanha de Jair Bolsonaro para jogar a culpa da carestia nas costas dos governadores, embora esse projeto não seja do governo. É do governismo. Lira e companhia querem dar um jeito de aumentar a “capilaridade” de Bolsonaro, como dizem deputados, e melhorar as chances eleitorais da turma toda.

Paulo Guedes, diz esse pessoal, é muito lerdo, confuso e não se deu conta da ansiedade crescente dos pré-candidatos à reeleição para o Congresso. Lira conduziria a política da economia até 2022. Além do caso dos combustíveis, pretendem resolver logo o financiamento do substituto do Bolsa Família, o Auxílio Brasil, querem que o valor das emendas parlamentares dobrem em relação ao que está na proposta de Orçamento para 2022 e mais dinheiro para obras.

Na frente política, os deputados querem saber dos palanques de Bolsonaro, os arranjos políticos estaduais que organizem a campanha dos parlamentares. O ministro Ciro Nogueira (Casa Civil), presidente do PP de Lira, tem sido criticado por se ocupar da filiação de Bolsonaro ao partido e de viajar demais sem acertar “nenhum palanque”.

E Guedes com isso? Parlamentares dizem que: 1) dificilmente Congresso derruba ministro da Economia; 2) “o Planalto” e, em especial, Ciro Nogueira não querem barulho: querem tirar Bolsonaro do noticiário negativo a fim de ver se a popularidade dele melhora; 3) um substituto forte de Guedes teria de ser alguém de confiança de “o mercado”, o que pode ser um problema para o plano de aumentar a “capilaridade” do governo (uso de parte do Orçamento para a eleição).

Portanto, mais vale um Guedes pato manco do que um Roberto Campos, presidente do Banco Central, por exemplo. Pedro Guimarães, presidente da Caixa, de olho na cadeira vazia de Guedes, é tido como “fominha”, apesar de amigão de Bolsonaro, e alguém que cria arestas demais.

Sabe-se lá se o plano vai dar certo. Lira e Nogueira não evitam derrotas e derrubadas de vetos na Câmara, menos ainda no Senado, onde Bolsonaro tem oposição mais organizada e esperta, para nem contar o bloco dos insatisfeitos com a falta de pagamento de emendas. Lira, no entanto, ao que parece, resolveu assumir o programa de dirigir a aprovação do Orçamento de acordo com os interesses “da base” e de prestigiar Bolsonaro.

Os economistas da praça financeira escrevem em cada relatório que a economia, juros e dólar desandam por causa da “incerteza fiscal” (calote em precatórios, gastos com auxílio, com emendas etc.). Lira diz entre os seus que não vai chutar o pilar do teto de gastos, mas que “a sociedade” e “a base” querem um Orçamento com “preocupação social”. Se vai carregar Bolsonaro e até lhe dar um partido, precisa de compensação. Guedes ficou de lado, assando.

O Globo (coluna)

O conflito de Paulo Guedes com as offshores

Por Malu Gaspar

Na campanha de 2018, não havia entrevista ou discurso em que Paulo Guedes não mencionasse os “piratas privados” e as “criaturas do pântano político” que haviam tomado conta da máquina estatal brasileira. Era comum ele prometer que o Brasil não seria o “paraíso dos rentistas e o inferno dos empreendedores” e que em sua gestão os “super-ricos” pagariam mais impostos. Mais de uma vez, o Posto Ipiranga de Jair Bolsonaro acusou antecessores tucanos de vazar informações sobre o câmbio para o setor privado. Nos púlpitos, foi implacável com desvios de conduta e conflitos de interesses dos outros.

Mas eis que surgiu um fato novo: um megavazamento de documentos de celebridades e políticos do mundo todo revelou que Guedes tem uma offshore ativa nas Ilhas Virgens Britânicas com US$ 9,5 milhões de capital e que o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, já teve quatro empresas do tipo no Panamá (hoje fechadas).

Desde então, já foi amplamente falado que ter offshore em paraíso fiscal não é ilegal se a empresa estiver declarada no Imposto de Renda. A esse respeito, aliás, é bom lembrar que Guedes não é o primeiro ministro da Fazenda brasileiro nessa situação e certamente não será o último. Em 2017, outro vazamento revelou que Henrique Meirelles (ministro de Temer e presidente do BC nos dois mandatos de Lula) tinha uma offshore nas Bermudas. No mesmo ano, Guido Mantega, ex-ministro de Lula e Dilma, também confessou à Justiça ter uma empresa na Suíça que recebeu US$ 1,3 milhão no banco Pictet.

A conta de Mantega não havia sido declarada à Receita, e a ação contra ele ainda está em curso. A de Meirelles não só foi informada, como ele se apressou em enviar as declarações de renda aos veículos de imprensa, demonstrando estar fora da gestão. Foi o que fez Campos Neto, que mostrou ter declarado suas quatro offshores à Receita e ao Senado, ao ser sabatinado para o cargo. Campos Neto também se afastou da gestão e fechou as offshores em agosto de 2020.

E por que isso faz diferença? Porque o Código de Conduta da Alta Administração Federal proíbe às autoridades terem investimentos sobre os quais possam vir a ter informações privilegiadas em razão do cargo que ocupam. Para um ministro com poder sobre tantos setores, os conflitos podem surgir não só pelo fato de ele ter uma offshore, mas também empreendimentos imobiliários, fundos de ações, letras do Tesouro ou qualquer outra coisa.

Como ninguém espera que o sujeito faça voto de pobreza ao entrar no governo, o mais correto é se afastar de todas as decisões sobre seu patrimônio enquanto estiver no cargo. E claro: ser transparente, fornecendo todas as informações ao público sempre que houver dúvida.

A questão, portanto, não é se o ministro da Economia está exposto a conflito de interesses, mas o que ele faz com isso. E o que Guedes tem feito, até agora, é enfiar a cabeça num buraco, escondendo-se atrás de notas assinadas por assessores ou advogados ora genéricas demais, ora desnecessariamente agressivas.

Embora os papéis do vazamento mostrem que, até o fim de setembro, Guedes continuava sendo controlador de sua offshore, seus defensores afirmam que ele se afastou da gestão em dezembro de 2018 e que jamais se beneficiou de qualquer política econômica brasileira. Dizem ainda ter entregado ontem à Procuradoria-Geral da República documentos que “espancam” quaisquer dúvidas.

O palavreado impressiona, mas, enquanto não se souber que documentos são esses e o que eles contêm, a única coisa que continuará sendo espancada é a imagem pública do ministro da Economia.

Guedes e seus advogados parecem não ver que, mais do que uma questão legal, o problema é político e moral. O mínimo que se espera de alguém que sempre se manifestou de forma tão peremptória contra os conflitos de interesses dos outros é que venha a público com a mesma loquacidade na hora de mostrar que está acima de qualquer suspeita.

Depois de dois anos e meio em Brasília, Guedes já deveria ter aprendido que os adversários se assanham quando sentem cheiro de sangue. Não à toa, só ele foi convocado pelos deputados para explicar o caso. Campos Neto foi poupado na Câmara. No Senado, ambiente um pouco mais favorável, ambos vão a convite.

Considerando o tamanho dos desafios que o ministro tem a superar — como uma controversa proposta de reforma tributária que, ao final, reduziu justamente a taxação para as offshores ou a formatação do Auxílio Brasil —, tudo aquilo de que ele não precisa é cultivar mais um conflito que, mesmo que saia ganhando, já terá perdido. Para alguém que diz não ter nada a esconder, Paulo Guedes anda acuado demais. E nisso não há advogado que dê jeito.

Estadão

DEM e PSL aprovam fusão e criam o maior partido da Câmara

Os diretórios nacionais do DEM e do PSL decidiram nesta quarta-feira, 6, aprovar a fusão entre as duas legendas. O novo partido vai se chamar União Brasil e usar na urna o número 44. Com a união, a nova sigla terá, em um primeiro momento, a maior bancada da Câmara, com 82 deputados, além de quatro governadores, oito senadores e as maiores fatias dos fundos eleitoral e partidário. Será a primeira vez, em 20 anos, que a direita reúne tantos parlamentares em uma única agremiação. A última vez foi no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, quando o PFL (atual DEM) elegeu 105 representantes.

O presidente da legenda será o atual presidente do PSL, deputado Luciano Bivar (PE), e a secretaria-geral ficará com ACM Neto, que hoje comanda o DEM. Para ser oficializada, a criação do União Brasil ainda precisa do aval do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A expectativa dos articuladores da fusão é que o tribunal dê a permissão até fevereiro do ano que vem, antes da abertura da janela partidária para as eleições de 2022.

“Nós vamos agora decidir a política nacional não só no Congresso Nacional, mas em todos os estados do País”, afirmou o governador Ronaldo Caiado (DEM-GO), ao discursar na primeira reunião do partido. Antes da decisão final dos dois partidos, as direções do DEM e do PSL se reuniram separadamente para aprovar a fusão. O diretório do DEM do Rio Grande do Sul foi o único a votar contra a fusão.

Na reunião do DEM, o ministro do Trabalho e Previdência, Onyx Lorenzoni, que é pré-candidato ao governo gaúcho, apresentou dois requerimentos. Um deles para deliberar sobre o apoio do novo partido à reeleição do presidente Jair Bolsonaro e outro para dar direito a voto no diretório nacional a todos os deputados federais e senadores. Os dois requerimentos foram rejeitados.

Além de Onyx, os ministros da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, que é filiado ao PSL, e ministra da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, que é deputada licenciada pelo PL do DF, também estiveram no evento que sacramentou a fusão.

A nova legenda vai ter força para decidir votações importantes e ter peso significativo num eventual processo de impeachment de Jair Bolsonaro. Será a primeira vez em vinte anos que a direita reúne tantos parlamentares em uma única agremiação . A última vez foi no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, quando o PFL (atual DEM) elegeu 105 representantes.

Caso a nova sigla seja concretizada, vai desbancar o PT, que desde 2010 lidera o ranking de maiores bancadas na Câmara. Em 2018, foram 54 petistas eleitos. Hoje, o partido tem 53 deputados, empatado com o PSL. Mesmo que com a fusão parlamentares bolsonaristas deixem o novo partido, como esperado, a sigla deve se manter no topo desse ranking.

A união é vantajosa para o DEM por causa do aumento do fundo partidário. Para o PSL, partido que cresceu repentinamente ao abrigar a eleição presidencial de Jair Bolsonaro em 2018, com quem depois rompeu, os principais atrativos são a capilaridade regional e estrutura que o DEM passa a oferecer.

Apesar de a presidência ficar com Bivar, ACM Neto afirmou em entrevista semana passada ao Estadão que as decisões da nova legenda não ficarão concentradas na presidência e serão feitas de forma “compartilhada e colegiada”. O União Brasil pretende pôr em prática uma cláusula que determina que qualquer decisão precisa ter o apoio de 3/5 da direção do partido.

Apesar dos avanços, para ser confirmada a fusão é preciso ajustar conflitos regionais. Estados como Rio e São Paulo ainda não têm consenso sobre qual grupo político vai exercer o comando. Pelo acerto entre ACM Neto e Luciano Bivar, o PSL comandaria esses diretórios estaduais, mas os líderes regionais do DEM resistem a ceder os comandos.

No Rio, o deputado Sóstenes Cavalcante comanda provisoriamente o diretório estadual do DEM e trabalha para ficar com o comando permanente. O DEM resolveu fazer uma intervenção federal no Estado para retirar o ex-prefeito e vereador Cesar Maia da presidência estadual. O movimento aconteceu após a saída do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, filho de Cesar, da legenda.

Se for concretizada a fusão, o controle do diretório do Rio ficará com o prefeito de Belford Roxo (RJ), Waguinho PSL, do grupo do ex-governador Anthony Garotinho (Pros).

“O Rio não tem solução ainda. Com o Waguinho, estou outro dia na rua, em outro partido. Não tem conversa com o Waguinho. Ele assumiu hoje, amanhã estou fora. Garotinho, Waguinho, essa turma aí estou fora”, disse Sóstenes hoje antes de ir para a reunião do diretório nacional do DEM.

Em São Paulo, também há uma falta de consenso sobre a eleição para governador em 2022. Uma ala tenta atrair Geraldo Alckmin, que está de saída do PSDB, para a fusão DEM-PSL. Outra ala quer apoiar o vice-governador Rodrigo Garcia (PSDB), candidato do atual governador João Doria (PSDB) à sua sucessão. Alckmin também conversa com Gilberto Kassab e pode se filiar ao PSD.

O novo partido pretende ter candidatura própria a presidente da República. Atualmente, são três pré-candidatos: o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e o apresentador José Luiz Datena (PSL). Pacheco também mantém negociações para se filiar ao PSD. Como “plano B” caso Pacheco vá para o partido deKassab, o União Brasil planeja filiar o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, que hoje está no Novo.

Apesar de ter como objetivo candidatura própria à Presidência, o comando da fusão DEM-PSL pretende liberar seus filiados para apoiarem outros candidatos, como o presidente Jair Bolsonaro. Apesar de não estar na base do governo, hoje o DEM tem entre seus quadros os ministros de Onyx Lorenzoni (Trabalho e Previdência) e Tereza Cristina (Agricultura, Pecuária e Abastecimento).

De acordo com políticos a par da união dos dois partidos, o líder da bancada na Câmara deve ser o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), que comanda as articulações para definir a fusão nos Estados e é aliado próximo de ACM Neto.

O novo partido também quer atrair políticos insatisfeitos com as suas legendas e antecipar os efeitos da janela de troca partidária, período em que os eleitos para cargos em pleitos proporcionais – deputados federais, estaduais e vereadores – podem sair de suas siglas sem o risco de perderem o mandato. A janela está prevista para acontecer em março do ano que vem. Pelas regras eleitorais, um deputado pode trocar de partido fora da janela sem perder o mandato se a nova legenda escolhida for resultado de uma fusão.

Antes mesmo da oficialização da nova legenda, o deputado Celso Sabino saiu do PSDB e foi para o PSL. Sabino entrou em conflito com o comando tucano por conta da proximidade dele com o Centrão, que é base do governo de Jair Bolsonaro. O PSDB anunciou no início de setembro que é oposição ao governo. Outro insatisfeito com a legenda pela proximidade com o governo, o senador Márcio Bittar, saiu do MDB para se filiar ao PSL.

Os organizadores da fusão também esperam filiar os deputados Felipe Rigoni (PSB-ES), Pedro Lucas Fernandes (PTB-MA), Clarissa Garotinho (Pros-RJ), Daniela do Waguinho (MDB-RJ) e Capitão Wagner (Pros-CE), todos em conflito com suas respectivas legendas. Por outro lado, também é esperada a desfiliação de cerca de 25 deputados ligados ideologicamente ao presidente Jair Bolsonaro. O grupo bolsonarista do PSL tem sido deixado de fora das conversas sobre a fusão.