iFood contratou agências para atacar e desmobilizar greve de entregadores
Aplicativo criou perfis falsos e páginas no Facebook para divulgar fake news e atacar trabalhadores
Foto: Roberto Parizotti
Durante julho de 2020, paralisação dos trabalhadores inundou as redes sociais de apoio ao movimento, que ficou conhecimento como “Breque dos Apps”010
São Paulo – O aplicativo iFood contratou agências de publicidade para atacar as greves e reivindicações de seus entregadores. De acordo com reportagem da jornalista Clarissa Levy, da Agência Pública, as ações criaram perfis falsos em redes sociais, páginas para divulgar fake news, além de infiltrar agente em manifestação para tentar desmobilizar movimento.
O conjunto de documentos e os relatos indicam que, entre 2020 e 2021, a agência Benjamim Comunicação e depois também a agência Social Qi (SQi) monitoraram greves de entregadores. Durante julho de 2020, paralisação dos trabalhadores inundou as redes sociais de apoio ao movimento, que ficou conhecimento como “Breque dos Apps”, sendo o assunto mais falado no Twitter durante cinco horas.
O iFood respondeu, poucas horas depois, com uma nota exibida em canais de televisão. Entretanto, a campanha da empresa não parou por aí e, oito dias após a greve, foi criada a página “Não Breca Meu Trampo”, no Facebook. “O objetivo era suavizar o impacto das greves e desnortear a mobilização dos entregadores”, explicou à reportagem da Pública uma pessoa que afirma ter acompanhado o trabalho desenvolvido pelas agências de publicidade.
Nas primeiras semanas, a página se concentrou em hostilizar a mobilização dos entregadores, acusando o movimento de “fazer politicagem”. Nos meses seguintes, além de atacar as manifestações, fez oposição a projetos de lei que visavam regulamentar o trabalho dos entregadores e previam benefícios para a categoria. Quando a “Não Breca Meu Trampo” foi criada, um grupo com o mesmo nome foi aberto por Moriael Paiva, também no Facebook. Marqueteiro conhecido no universo da propaganda política, Paiva coordenou as campanhas de Gilberto Kassab em 2008 e José Serra em 2010. Em seu perfil no LinkedIn, descreve-se como consultor em gestão de crise e posicionamento digital.
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Galo na mira do iFood
Paulo Lima, o Galo, do Movimento dos Entregadores Antifascistas, é uma das lideranças envolvidas na luta pelos direitos dos entregadores de aplicativo de delivery. Galo foi um dos alvos dos ataques pagos pelo iFood, de acordo com os documentos. Os coordenadores da Benjamim Comunicação avaliam a incidência da página “Não Breca Meu Trampo” e mencionam que a fanpage “cumpriu uma missão”. Na análise dos publicitários, a narrativa disseminada pela página teria sido responsável por enfraquecer o líder do movimento, que tinha grande popularidade na época.
De acordo com os documentos, em janeiro de 2021, uma outra agência especializada em monitoramento e marketing digital entrou como um braço da Benjamim no projeto. A SQi passou a administrar a página “Não Breca Meu Trampo”, além de criar outras páginas e usuários falsos no Facebook e Twitter. Toda publicação crítica feita pela fanpage era endossada por perfis fictícios.
Com a entrada da nova empresa no projeto, o conjunto de temas e formatos das postagens se ampliou. Em 19 de janeiro de 2021, a equipe de criação da agência lançou uma nova página, focada em memes: a “Garfo na Caveira”, que posta piadas com temas de interesse dos entregadores e enaltece o trabalho de entrega via aplicativos, no Facebook e Instagram.
Em junho de 2021, as páginas “Não Breca Meu Trampo” e “Garfo na Caveira” teriam alcançado 3,16 milhões de pessoas, com 181 novos posts criados. A informação consta em um relatório semestral apresentado pela SQi para os clientes. Segundo o documento, a agência conquistou 21.029 novos seguidores no período.