Encontro de gerações celebra 43 anos da Comissão de Fábrica dos trabalhadores na Volks, símbolo de resistência e democracia

Dirigentes, veteranos, trabalhadores e novas lideranças se reuniram no Sindicato para celebrar a trajetória que uniu resistência, democracia e autonomia sindical dentro das fábricas

Foto: Adonis Guerra

O último sábado, 25 de outubro, foi de celebração e memória no Sindicato. O encontro pelos 43 anos da Comissão de Fábrica dos trabalhadores e trabalhadoras na Volks, em São Bernardo, resgatou uma história nascida da resistência e que se transformou em símbolo de luta, democracia e organização sindical.

A comemoração reuniu dirigentes, veteranos, trabalhadores e novas lideranças, entre eles o diretor administrativo do Sindicato, Wellington Messias Damasceno; o presidente Moisés Selerges; o ex-presidente Wagner Santana, o Wagnão; e o ex-diretor Natal Cassemiro, que participou da criação da Comissão.

Ao relembrar as origens, Wellington destacou a singularidade da trajetória da representação.

Foto: Adonis Guerra

“A Volks montou uma comissão para enfraquecer o Sindicato em 1980 e desmobilizar os trabalhadores, mas foi justamente essa tentativa que gerou o contrário: a companheirada se organizou, resistiu e criou a sua própria representação, autônoma, legítima e reconhecida pela base. Ela não é feita apenas pelos eleitos, mas por toda militância que mantém viva essa chama. As formas de organização mudam, mas a essência da luta permanece: garantir voz, dignidade e protagonismo à classe trabalhadora”.

A criação da Comissão de Fábrica em 1982 foi um divisor de águas para os trabalhadores e para o país, que ainda vivia sob os resquícios da ditadura militar. Inspirada na experiência pioneira da Ford e nas greves do fim dos anos 1970, ela consolidou o diálogo entre trabalhadores e Sindicato, tornando-se referência nacional de organização de base. O modelo se espalhou por outras fábricas, afirmando autonomia sindical e força coletiva da categoria.

Solo sagrado

Foto: Adonis Guerra

Para Moisés, a história da Volks é um capítulo essencial da luta sindical e da própria democracia brasileira. “Aqui é o solo sagrado da classe trabalhadora. Foi a luta de vocês, especialmente na Volks, que ergueu o respeito que o Sindicato tem hoje. Enfrentaram a ditadura, desafiaram o medo e acreditaram na democracia quando ela ainda era apenas uma esperança”, disse.

Ele lembrou que o modelo de comissões se espalhou pelo país: “A da Mercedes fez 40 anos, a da Scania e a da Ford vieram antes, mas todas beberam dessa fonte de coragem e consciência de classe. Hoje, diante de novos desafios, da extrema direita ao avanço tecnológico, temos a responsabilidade de honrar esse legado e construir um futuro ainda melhor”.

Início da virada

Um dos momentos mais emocionantes foi o depoimento de Natal Cassemiro, que viveu a fundação da Comissão em 1982. “Na época, a produção era intensa, muita hora extra e pouco diálogo. O companheiro Devanir Ribeiro nos disse: ‘vocês precisam criar um fato político’. E foi o que fizemos”.

A primeira ação foi simbólica: convencer os trabalhadores a não irem à hora extra aos sábados. “Fomos prensa por prensa, setor por setor. Só metade apareceu. A chefia ficou desesperada e teve que nos ouvir. Foi o início de uma nova relação de força dentro da fábrica”. Dessa mobilização nasceu a verdadeira Comissão de Fábrica. “A empresa tentou impor uma comissão própria, mas a gente não aceitou. Fizemos assembleias e construímos a nossa, com representantes eleitos pelos trabalhadores. Depois de meses de negociação, conquistamos o reconhecimento”.

Memória e legado

Foto: Adonis Guerra

Segundo Wagnão, a comemoração reafirma o valor da memória e da formação política. “Essa história começou muito antes de 1982, com companheiros que enfrentaram patrões e riscos pessoais para abrir caminho. É uma história feita também por trabalhadores anônimos, que nunca quiseram cargos, mas queriam lutar pelos seus direitos”.

Ele lembrou as grandes greves dos anos 1980: “Naquela época, fazíamos 30, 40 dias de greve para arrancar uma negociação. Hoje, negociamos por 40 dias e resolvemos em dois ou três. Isso é fruto da luta dos que vieram antes. Eles fizeram 30 dias de greve para que hoje a gente não precise fazer mais”.

O evento contou ainda com a presença da vereadora e presidenta da Câmara de São Bernardo, Ana Nice; do deputado estadual Teonílio Barba (PT-SP); e do vereador de Santo André e ex-coordenador da Comissão de Fábrica na Volks, Wagner Lima.

Chão de fábrica que faz história

Da resistência nos anos 1980 à solidariedade internacional, a Comissão de Fábrica segue como símbolo da força coletiva que moldou a história dos trabalhadores na planta Anchieta

A história da Comissão de Fábrica dos trabalhadores e trabalhadoras na Volks, em São Bernardo, é uma narrativa de coragem, resistência e conquistas que atravessa gerações. Desde 1980, quando a Volkswagen instituiu uma Comissão de Representantes sem diálogo com a base, os trabalhadores reagiram com firmeza, exigindo uma representação legítima e alinhada ao Sindicato. Dois anos depois, em 25 de outubro de 1982, nascia oficialmente a Comissão de Fábrica, marco de uma nova etapa na organização dos trabalhadores na montadora.

Em 1987, os metalúrgicos enfrentaram a criação da Autolatina, fusão entre Volkswagen e Ford. A Comissão atuou com firmeza para conter os impactos da reestruturação e garantir estabilidade diante das mudanças.

Nos anos 1990, vieram conquistas que marcaram época: a resistência à licença remunerada imposta pela empresa, a histórica greve dos ferramenteiros com 41 dias de paralisação e reajuste de 168,62%, e a criação da Câmara Setorial Automotiva, que ajudou a preservar empregos em meio à crise. Ainda em 1992, a Comissão rompeu barreiras e garantiu o ingresso das filhas de metalúrgicos nos cursos do Senai dentro da fábrica.

Representatividade

Em 1993, Olga Irene do Nascimento tornou-se a primeira mulher eleita para a Comissão, ampliando a voz feminina nas decisões. Dois anos depois veio a PLR (Participação nos Lucros e Resultados) para 24 mil trabalhadores e, em 1996, o primeiro acordo de Campanha Salarial dentro da fábrica consolidou um novo patamar nas relações de trabalho.

Em 1998, nasceu o Centro Cultural Solano Trindade, símbolo da união entre arte, consciência de classe e formação cidadã para crianças e adolescentes em vulnerabilidade social.

Novos tempos

Nos anos 2000, a Comissão travou batalhas contra a terceirização e pela jornada de 40 horas. Em 2001, evitou mais de três mil demissões; em 2008, anulou cortes; e em 2012, garantiu a permanência da planta Anchieta por dez anos com novos investimentos.

Durante a pandemia, em 2020, defendeu vidas e empregos. No mesmo ano, a indenização a ex-trabalhadores perseguidos pela ditadura marcou um gesto de justiça. Em 2023, um novo acordo assegurou investimentos e, em 2025, foi renovado com a produção de veículos híbridos. Em janeiro de 2025, o intercâmbio com o Comitê Mundial dos Trabalhadores na Volkswagen da Alemanha reforçou a solidariedade e compromisso com o futuro do trabalho.

São 43 anos de coragem e esperança. A Comissão de Fábrica, hoje CSE (Comitê Sindical de Empresa) na Volks, é mais que representação, é memória viva da classe trabalhadora que transformou o chão da fábrica em espaço de conquistas e dignidade.