A 60 anos daquele 24 de agosto
Getúlio e seu ministro, Eurico Gaspar Dutra, mais tarde presidente. Suicídio brecou tentativas de golpe
Cumprem-se seis décadas da morte de Getúlio Vargas com uma surpreendente vigência dos princípios que nortearam o movimento que ele liderou e que representou a virada mais importante da história
Chegando no Grupo Escolar, disseram que não havia aula: o Getúlio tinha morrido. Mas só quando ouvimos a carta-testamento pelo radio é que fomos nos dando conta que aquela morte tinha uma transcendência que não conseguimos apreender.
O tradicional anti-getulismo paulista nos mergulhava no clima opositor, em que até o PCB estava metido. Almino Afonso conta que foi ao Largo São Francisco para participar da manifestação que denunciava o Getúlio e, quando apareceu, a primeira fila era composta pelas madames da grande burguesia paulista. Ele se perguntou onde é que a esquerda da época tinha se metido!
Assim que souberam da noticia do suicídio do Getúlio, os trabalhadores do Rio saíram às ruas, atacando a sede dos jornais que – todos menos a Última Hora – estavam na onda opositora e golpista, inclusive o jornal do PCB, que não foi poupado pelos manifestantes.
Com aquele gesto Getúlio brecava o movimento golpista que tinha nascido em 1932, ganhado forma militar e doutrinária com a fundação da Escola Superior de Guerra, por Golbery do Couto e Silva e Humberto Castelo Branco, adotando a Doutrina de Segurança Nacional. Eram os mesmos líderes e o mesmo movimento que Getúlio conseguiu adiar por 10 anos.
Aquela primeira década permitiu ao país manter sua recém-conquistada democracia, dar continuidade ao processo de industrialização e viver anos de grandes mobilizações sociais, avanços na organização popular – que, pela primeira vez, chegava ao campo – e fortalecer o campo popular no plano politico.
Mas não foi suficiente para impedir o golpe militar, apesar de ele ter sido impedido uma segunda vez, depois da renuncia de Jânio Quadros, em 1961, quando João Goulart conseguiu assumir a presidência, primeiro no parlamentarismo, depois recuperando todos os seus poderes presidenciais, mediante um plebiscito.
O golpe veio para ficar. Durante mais de duas décadas o Brasil viveu sob a mais feroz ditadura que havia conhecido, com o mando politico exercido diretamente pelas Forças Armadas. Consumava-se o projeto da Escola Superior de Guerra e sua Doutrina de Segurança Nacional, típica da era da guerra fria.
Mas, mesmo depois do retorno à democracia, o Estado getulista, com muitas transformações, demonstrava sua capacidade de sobrevivência. Não foi por outra causa que Fernando Henrique Cardoso, retomando o projeto interrompido de Fernando Collor, proclamou que ia “virar a página do getulismo no Brasil”, revelando como o neoliberalismo era incompatível com os princípios do Estado getulista: regulação estatal e promoção dos direitos sociais, entre outros. Foi uma década eminentemente anti-getulista a protagonizada pelos governos Collor-Itamar Franco-FHC.
Foi quase 50 anos depois da sua morte, com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, que os princípios do getulismo demonstraram sua vigência. Lula resgatou a centralidade das politicas sociais e sua extensão para as camadas mais pobres da população; recuperou o caráter ativo e central do Estado; desenvolveu uma politica externa soberana. Cumprem-se os 60 anos da morte do Getúlio com uma surpreendente vigência dos princípios que nortearam o movimento que ele liderou, em 1930, e que representou a virada mais importante da história brasileira.
Da Rede Brasil Atual