A CUT não defende reforma trabalhista ou flexibilização de direitos
Por Artur Henrique, presidente da CUT, no Blog do Artur
Cuidado, ‘The Economist’. Basear-se em informações vindas da imprensa brasileira pode induzi-la ao erro.
A revista inglesa publicou artigo em sua última edição em que afirma que o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e a CUT agora defendem uma reforma trabalhista. O título da reportagem é “Cuidado Empregador”.
O texto da revista foi citado na edição impressa de hoje de O Estado de S. Paulo. Lá, fica-se sabendo que a revista aponta aquilo que considera “arcaismos” da nossa legislação trabalhista para, em seguida, dizer que surge uma esperança para os patrões, a partir de um projeto de “reforma” que teria nascido lá no ABC.
O Estadão ainda diz que “a entidade (Metalúrgicos do ABC) quer que o trabalhador brasileiro tenha o direito de negociar redução de salários em momentos de crise, para evitar demissões, como ocorre em outros países”.
Mais que uma simplificação, a conclusão da revista é errada. O Sindicato e a CUT não estão defendendo reforma trabalhista. E não estão mesmo – se alguém aí leu ou ouviu qualquer um de nós defender essa tal reforma, que envie a prova para que publiquemos.
Por outro lado, se não bastasse o enunciado incorreto da revista, o texto do Estadão distorce a reportagem original, e com isso mente.
A revista não diz em nenhum momento que o Sindicato quer ter a oportunidade de negociar redução de salários. A publicação inglesa apenas diz, em um trecho do texto anterior à qualquer menção ao nosso Sindicato dos Metalúrgicos, que atualmente os sindicatos não podem fazer tais acordos no Brasil – um exemplo, segundo a revista, do arcaísmo da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas).
De resto, certamente a revista estrangeira embarcou nos erros que alguns jornais brasileiros têm cometido a respeito desse assunto.
O que de fato ocorre é que o Sindicato dos Metalúrgicos está elaborando uma proposta de projeto que, se e depois de pronto, seria enviado ao Congresso Nacional. Aprovado, teria como resultado prático a regulamentação da Organização no Local de Trabalho (OLT), conhecida no ABC como comitê sindical de empresa.
Esses comitês, surgidos há 30 anos e que funcionam plenamente em empresas como Ford, Mercedes, VW, Scania e tantas outras de menor porte, são uma espécie de subsede do próprio sindicato no interior das empresas, com total autonomia e funcionamento diário.
Por causa da autonomia que têm em relação às companhias onde estão – por exemplo: os integrantes dos comitês não estão subordinados a nenhuma chefia da empresa e o espaço onde funcionam têm regras próprias – os comitês sindicais de empresa são chamados carinhosamente de “vaticano” pelos trabalhadores. Ou seja, um pequeno território encravado entre grandes, mas com poder e estrutura próprios.
Os componentes desses comitês são eleitos diretamente pelos trabalhadores da empresa, em escrutínio secreto. Essa eleição ocorre um pouco antes da escolha da direção executiva do sindicato. Na verdade, fazem parte de um mesmo processo, como se se tratassem de primeiro e segundo turnos.
Eleitos, esses comitês negociam diretamente com as empresas toda e qualquer questão relativa ao dia-a-dia das fábricas (do chão aos escritórios): condições de trabalho, segurança, horas extras, alimentação, material de trabalho, divisão em turnos, forma de pagamento da PLR (Participação nos Lucros e Resultados), relações entre grupos e tantas outras.
Além de lidar com esse que poderia ser chamado microcosmo de cada unidade das empresas, os comitês interferem também em questões que terão reflexo sobre toda a cadeia produtiva – inovações tecnológicas, por exemplo, ou alterações na linha de produção.
Há reuniões periódicas entre a direção das empresas e os comitês. Na Ford, por exemplo, acontece toda a quarta-feira.
Decisões dos comitês, quando se referem a grandes ou polêmicos temas, passam pela aprovação de assembleias de trabalhadores. A linha política dos comitês está subordinada ao consenso da direção executiva do sindicato.
Com tal atuação dos comitês, os conflitos nessas empresas, como não poderia deixar de ser, caem de maneira consistente. Consequentemente, ações na Justiça do Trabalho também, já que a defesa dos interesses dos trabalhadores ocorre no calor da hora, e sempre considerando as especificidades de cada empresa. Dificilmente alguém vai cobrar na justiça, futuramente, por horas extras que já recebeu.
Onde estão consolidadas, as organizações por local de trabalho tem esses resultados, que beneficiam tanto trabalhadores quanto empresas, mas os acordos que geram poderiam, se observada estritamente a legislação em vigor, ser anulados pela Justiça do Trabalho.
O projeto que o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC está elaborando, se aprovado, consolidaria legalmente o funcionamento das OLTs.
Mesmo não estando ainda pronto, o projeto já tem claros alguns pontos. O primeiro deles, inegociável, é que o artigo 7º da Constituição, que trata dos direitos trabalhistas, será respeitado em todas as circunstâncias. Ou seja, nenhum comitê, por mais forte que seja, poderá flexibilizar direitos.
Outro ponto importante que comporá o projeto: só poderão conduzir esse tipo de negociação sindicatos que tenham pelo menos 50% mais um de toda a base filiada voluntariamente. Ou seja, sindicatos que não têm representatividade – o que muitas vezes é sinônimo de falta de seriedade e responsabilidade – não poderão usar esse instrumento.
Sempre, de qualquer maneira, decisões deverão ser encaminhadas a assembleias de trabalhadores.
Em linhas gerais, é isso o que está ocorrendo. Como se vê (assim espero), nada tem a ver com reforma da CLT ou flexibilização de direitos.
Leia a matéria da The Economist (em Inglês)