A fábrica, além do prédio

Instalada há 53 anos em São Bernardo do Campo, a Multibrás -mais conhecida pelos produtos da marca Brastemp- anunciou a intenção de transferir a produção do ABC para a unidade de Joinville (SC). São 1.050 funcionários diretos que, se confirmada a notícia, estarão se incorporando às fileiras de desempregados. E não se fala em contratações na planta catarinense.

O quadro é suficiente para justificar mobilizações e a busca de saídas menos traumáticas. Uma fábrica é mais do que um conjunto formado por prédio, máquinas, cartão de ponto e muitos operários de macacão. Sua desativação tem consequências que ultrapassam a questão do desemprego e do aspecto social -no curto prazo, o mais preocupante, mas, nos médio e longo prazos, os efeitos econômicos e tecnológicos podem ser tão ou mais graves que o social.

Uma fábrica representa um fluxo constante de rendimentos que gera renda não apenas para os funcionários, sob a forma de salários, mas também para a cadeia de fornecedores -em compras de equipamentos, insumos e serviços- e para os governos municipal, estadual e federal -sob a forma de tributos.

No caso da Multibrás, cada funcionário recebe, em média, R$ 1.360 mensais -R$ 18.700 anuais, incluindo aí a parcela de participação nos lucros e resultados. Sabendo-se que o corte pretendido pela empresa é de 1.050 trabalhadores, conclui-se que os rendimentos salariais que deixarão de ser gerados por ano são de mais de R$ 19 milhões.

Se considerarmos também que cada emprego direto nesse segmento corresponde a cerca de quatro postos de trabalho indiretos, com salário médio de R$ 800, deverá ser eliminada uma renda anual de R$ 10.400 anuais por trabalhador indireto -R$ 43,7 milhões anuais, pois são 4.200 trabalhadores envolvidos com o fechamento dessa unidade.

Somando as perdas de rendimentos salariais diretos e indiretos, vamos encontrar um total de massa salarial que deixará de circular na economia da ordem de R$ 63,3 milhões anuais -R$ 316,5 milhões, em cinco anos. Esse volume de recursos tendia a ser gasto no próprio Estado. De acordo com o Dieese, trabalhadores dessa faixa de renda consomem aproximadamente 30% em alimentação, 25% em habitação, 14% em transporte, 9% em saúde e 6% em vestuário. A maior parcela desses produtos é adquirida pelo trabalhador dentro do próprio Estado.

É possível, pois, fazer algumas estimativas quanto à arrecadação. Em 2000, a planta de São Bernardo foi responsável pela venda de cerca de 220 mil
refrigeradores (40% dessas vendas realizadas dentro do próprio Estado de São Paulo). O preço médio de fábrica foi de R$ 600,00 (antes de aplicados os impostos e a margem comercial). Com alíquotas de 18% de ICMS e de 15% de IPI, deixarão de ser gerados pelo Estado, anualmente, em torno de R$ 67,5 milhões (R$ 47,5 milhões em ICMS e R$ 20 milhões em IPI) -R$ 337,5 milhões, em cinco anos.

O Estado e o município vão sofrer diretamente com a queda de arrecadação. E queda de arrecadação, por sua vez, significa corte de prestação de serviços públicos: infra-estrutura, saúde, educação, limpeza pública, transporte etc. A comunidade perde, ainda, com a redução brusca da receita de diversas empresas fornecedoras. Na suposição de que 50% do preço do produto antes dos impostos sejam para remunerar fornecedores de insumos e de serviços, nossa estimativa é de perda de receita de vendas de R$ 66 milhões anuais -R$ 330 milhões, em cinco anos.

Somando tudo, a comunidade vai, em cinco anos, perder uma renda de cerca de R$ 1 bilhão -salários, impostos e compra de fornecedores.
Mas, além dos aspectos estritamente financeiros, uma fábrica é também acúmulo tecnológico, um “saber fazer” determinado produto. Em cada funcionário, em cada departamento e em cada norma escrita estão incorporados vários anos de conhecimentos, os quais não se reproduzem com o mero deslocamento da fábrica para outro lugar.

Quando uma empresa do porte da Multibrás decide pela desativação de uma