A insurgência política abala a Europa
Marine Le Pen, líder da Frente Nacional, partido de extrema-direita da França, fala durante congresso sa sigla, em Lyon, em 30 de novembro
Em todo o continente, eleitores desiludidos recorrem a estranhos em busca de soluções
Diante da crise econômica e da grande semelhança entre os partidos de centro-direita e centro-esquerda, os correspondentes do jornal Observer nas capitais europeias registram a ascensão de partidos insurgentes em todo o continente
França: Eleitores inquietos aguardam um herói
Para defender sua tese de que os dois partidos da corrente dominante na França são igualmente ineptos, a Frente Nacional passou a chamar seus adversários de UMPS, misturando as siglas da União por um Movimento Popular, de centro-direita, e do Partido Socialista, no governo.
A mensagem anti-imigração populista da FN é muito semelhante à do Ukip da Grã-Bretanha. E, assim como o Ukip, a FN se beneficia não apenas da decepção causada pela crise econômica, mas da profunda desilusão com os dois partidos principais, que antes detinham o monopólio do poder.
Na esquerda, o presidente François Hollande e seu Partido Socialista enfrentam críticas de fora e de dentro. Os liberais econômicos acreditam que o governo não realizou e não realizará as reformas estruturais necessárias para gerar empregos, aumentar o crescimento e cortar os gastos públicos. Não é surpresa para ninguém que o déficit da França está em contravenção das regras da Comissão Europeia. Esse foi o caso até sob Nicolas Sarkozy, de centro-direita, que pouco fez para reduzi-lo.
A comissão agora perdeu a paciência e Hollande, o homem atualmente no comando, está sendo responsabilizado. O presidente parece estar abalado. A certa altura a França pensou que quisesse um “monsieur normal”, e Hollande se encaixava. Agora o país dá a impressão de que quer um herói e um salvador, e que Hollande é comum demais. Também há uma sensação entre muitos seguidores do PS de que Hollande ganhou a presidência ao defender um programa socialista, só para se transformar em um social-democrata após eleito. Alguns suspeitam de que isso foi uma medida deliberada e não muito honesta.
À direita, a UMP na oposição vem caminhando de desastre em desastre. O partido não tem um líder claro desde pouco depois que Sarkozy perdeu a batalha pela reeleição em 2012. Seu primeiro-ministro, o anglófilo François Fillon, e o jovem líder de direita da UMP Jean-François Copé disputaram cabeça a cabeça a liderança do partido, o herdeiro político do movimento fundado por Charles de Gaulle depois da Segunda Guerra Mundial. A eleição subsequente não foi decisiva, e acusações de fraude se transformaram em uma disputa verbal mais ampla. Sarkozy voltou a entrar em cena algumas semanas atrás, mas tem vários adversários em uma primária do partido para novo líder e candidato em 2017.
Além disso, a UMP – e Sarkozy – estão imersos em vários escândalos que envolvem gastos de campanha. Nesse contexto turbulento, a ascensão da Frente Nacional (FN) lembra o adágio sobre o homem que tem um olho ser rei na terra de cegos. A líder da FN, Marine Le Pen, está apelando para o que Saïd Mahrane descreve na revista Le Point como “os perdedores da globalização” – uma grande fatia da população.
Madani Cheurfa, um pesquisador do respeitado grupo de pensadores universitários Cevipof, compara a atual situação política do partido na França aos anos obscuros do reinado de 18 anos do Partido Conservador na Grã-Bretanha — os sete anos entre 1990 e 1997 sob John Major, quando o Partido Trabalhista lutava simultaneamente para encontrar seu caminho. “É como a França está olhando de volta para os anos 1980 e 90, e não para o futuro”, diz Cheurfa, acrescentando que escândalos, inação e disputas intrapartidárias aumentam a percepção pelo público francês — e o argumento central da FN — de que os políticos tradicionais, muitos deles formados em um pequeno grupo de Grandes Ecoles, “são todos iguais”.
Kim Willsher, em Paris
Itália: Grillo aguarda nos bastidores
Desde que Matteo Renzi se tornou o mais jovem primeiro-ministro italiano, aos 39 anos, em fevereiro, apresentando-se como um forasteiro político e prometendo abrir a economia protecionista italiana, os comentaristas têm descontado a outra grande figura anti-establishment da Itália, Beppe Grillo.
O ex-comediante standup que chegou à fama com críticas ao establishment e um blog extremamente popular, ganhou surpreendentes 8,7 milhões de votos nas eleições de 2013 para a Câmara baixa da Itália, disputando com o Partido Democrático, de centro-esquerda, um apertado segundo lugar. Mas desde então os deputados e senadores que inundaram o Parlamento para representá-lo foram criticados por se recusarem a associar-se com outros partidos em leis vitais. Os poucos que o fizeram correram o risco de serem expulsos de seu Movimento Cinco Estrelas.
“Existem constantes divisões no grupo parlamentar de Grillo – é muito caótico”, diz Roberto D’Alimonte, professor de política na Universidade Livre de Estudos Sociais LUISS, em Roma. “Eles ainda estão esperando que Renzi falhe para que possam herdar o que sobrar do desastre.”
Além disso, a antiga retórica europeia de Grillo hoje está sendo acompanhada de um ressurgimento da Liga Norte, de direita. Depois de ser dizimado por escândalos, esse partido concentrou seu enfoque na autonomia para o norte da Itália, e seu novo líder carismático, Matteo Salvini, hoje atrai votos em nível nacional com ataques à imigração.
Então por que, apesar dos reveses, as pesquisas ainda situam Grillo em uma posição saudável? Uma pesquisa de intenções de votos em novembro colocou seu movimento em 19,9%, mais que o dobro da Liga Norte, embora atrás dos 38,9% de Renzi.
“Até que a economia dê uma volta, Grillo ganhará votos – há muita frustração na Itália”, diz D´Alimonte, acrescentando que a revolta de Grillo contra a corrupção continua agradando ao eleitorado. “Ainda lemos todos os dias sobre desvios escandalosos do dinheiro público.” O declínio de Sílvio Berlusconi também está ajudando o comediante cabeludo, diz D´Alimonte. “Grillo abrange todo o espectro político, tirando votos da esquerda e da direita, exatamente como o Ukip.”
Tom Kington, em Roma
Grécia: Até os ricos se voltam para a esquerda
A Grécia, talvez mais que qualquer país da Europa, simboliza a ascensão dos insurgentes de esquerda e de direita. A nação na linha de frente da crise do euro foi a primeira a dispensar os políticos da corrente dominante, enquanto seu eleitorado rejeitava partidos associados às práticas corruptas consideradas culpadas pela quase morte econômica de Atenas. No lugar do Pasok, de centro-esquerda, e da Nova Democracia, de centro-direita, os partidos que se alternaram no poder durante 40 anos, veio o Syriza, uma mistura de esquerdistas radicais, e a face ameaçadora do neofascismo na forma da Aurora Dourada.
“Podemos mudar o curso da Europa, conter a austeridade catastrófica e trazer de volta a democracia e a justiça social”, disse o líder do Syriza, Alexis Tsipras, a participantes da cerimônia de fundação em Madri, no sábado 15, do partido Podemos. “A cada dia que passa o movimento popular em nossos países [do sul] torna-se o inimigo aterrorizante da hegemonia neoliberal alemã.”
Pesquisas de opinião apoiariam essa visão. Antes da queda, o Pasok e a Nova Democracia representavam 83% do voto popular. No mês passado o apoio ao Syriza, que representava menos de 5% antes da crise, disparou para 35%, mais que o total combinado dos conservadores e socialistas.
Nas últimas semanas, pesquisas mostraram o grupo com uma vantagem de até 11 pontos contra a Nova Democracia, embora ainda seja discutível se o partido conquistará votos suficientes para obter uma maioria parlamentar.
Assim como a Aurora Dourada (que se saiu surpreendentemente bem nas eleições europeias de maio, mas cujas porcentagens caíram desde então), o Syriza fez um esforço conjugado para moderar sua retórica na tentativa de ampliar sua base de apoio. Em vez de rasgar o oneroso programa de socorro à Grécia patrocinado pela UE e o FMI, o partido fala em “renegociar” o acordo.
Em setembro, o telegênico Tsipras, um ateu confesso, fez uma viagem a Roma para conversar com o papa Francisco. Este mês ele visitará o novo presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, no que alguns acreditam que será uma tentativa de melhorar as relações, apesar de ameaçar revogar a maioria das reformas impopulares implementadas desde o início da crise. Ele já teve “discussões construtivas” com o presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi.
A aposta fracassada do primeiro-ministro Antonis Samaras em livrar-se da supervisão internacional ao sair prematuramente do programa de ajuda também prejudicou o apelo de seu frágil governo.
A euforia sobre os números da UE que mostram que a Grécia finalmente está saindo de sua recessão recorde (embora com baixas taxas de crescimento) foi prejudicada recentemente pela decisão de um deputado conservador proeminente de renunciar, no que foi considerado um início de abandono da coalizão governante pelos círculos pró-empresas. Em vez disso, membros importantes da elite grega (a começar por Gianna Angelopoulous, que organizou as Olimpíadas de Atenas em 2004 e é casada com um armador bilionário) estão abraçando o populista e anti-establishment Syriza.
Com a perda de mais de um quarto da produção nacional, 1,5 milhão de pessoas sem trabalho e uma população cada vez mais exausta pelos cortes incansáveis e os aumentos de impostos, muitos na Grécia sentem que não têm nada a perder ao dar à esquerda uma oportunidade no poder. Essa perspectiva parece cada vez mais provável se o governo não obtiver os 180 votos necessários para eleger um novo chefe de Estado em fevereiro.
Na semana passada, Tsipras, 40, intensificou os apelos por eleições rápidas, dizendo que “as eleições da entrega e da mudança” são cruciais não apenas para permitir que os gregos decidam “por si mesmos”, mas para livrar o país das potências internacionais que supervisionam seu empobrecimento.
Helena Smith, em Atenas
Alemanha: Ainda estável — mas a votação diminui
A notícia de que a Alemanha poderá ter seu primeiro primeiro-ministro socialista levou alguns comentaristas estrangeiros a concluir que, de maneira semelhante a outros países da Europa, a Alemanha está vendo a ascensão de partidos populistas de esquerda e de direita. Mas as coisas não são tão simples.
Enquanto parece provável que o partido Die Linke (A Esquerda) forneça o próximo primeiro-ministro estadual na região da Turíngia, isso tem menos a ver com o surto de apoio à extrema-esquerda (na Turíngia ela ganhou apenas 0,8% na última eleição, em 2009) do que com partidos de centro-esquerda (como os Social-Democratas e os Verdes) superarem antigas disputas sobre entrar em coalizão com o sucessor do partido governante da Alemanha Oriental comunista, o SED. A esquerda pode pela primeira vez ter ficado em terceiro nas eleições gerais do ano passado, mas desde então não fez ganhos dignos de nota nas eleições regionais em sua região oriental. Em Brandenburg, o partido perdeu até 9% em relação à eleição anterior.
Um partido que pode ter aumentado seus votos está na outra extremidade do espectro político. O partido antieuro Alternativa Para a Alemanha (AfD na sigla em alemão) ganhou impulso inegável desde que deixou de ganhar por pouco um assento no Bundestag no ano passado. Uma pesquisa em setembro o mostrava chegando a 10%, tornando-se o terceiro maior partido do país. Mas pesquisadores como Manfred Güllner, da firma Forsa, apontam que ganhos aparentes podem ser um “truque de luz”: enquanto a porcentagem do voto no AfD pode ter aumentado, o número real de pessoas que votam nele permaneceu relativamente estável.
Por enquanto, pelo menos, a Alemanha continua resistindo a uma tendência notável em outros lugares da Europa, diz Güllner. “O menor poder de atração dos dois grandes partidos se registra menos no aumento do apoio aos pequenos partidos do que em um declínio de pessoas que comparecem na votação.” Em algumas eleições regionais recentes o comparecimento foi de apenas 52%.
Philip Oltermann, em Berlim
Suécia: o Partido anti-imigração ganha terreno
O Partido Social-Democrata da Suécia, há muito tempo o partido natural do governo no país, voltou ao poder em setembro depois de oito anos difíceis na oposição. Mas os Democratas suecos, um partido anti-imigração com raízes neonazistas, foram os verdadeiros vencedores da eleição. O partido ganhou 13% dos votos, contra 6% na eleição de 2010, e o suficiente para superar os Verdes como terceiro maior partido.
Os Social-Democratas, que a partir dos anos 1930 construíram o sistema de bem-estar social capitalista da Suécia durante um período de governo ininterrupto de 40 anos, estão em declínio. Os 31% de votos que o partido conquistou em setembro foram apenas 0,3 ponto percentual a mais do que ele obteve em 2010, seu pior resultado eleitoral desde o sufrágio universal.
As perspectivas dos social-democratas na vizinha Dinamarca na eleição do ano que vem parecem ainda mais desesperadas. Segundo uma pesquisa Gallup feita em novembro, o Partido do Povo Dinamarquês, anti-imigração, os superou por pouco, conquistando o apoio de 20,8% dos eleitores, comparados aos 20,4% dos social-democratas. E não é apenas na direita que os partidos insurgentes estão fazendo incursões. Ao mover-se para o centro, os social-democratas dos dois países deixaram espaço para outros idealismos.
Na eleição de setembro, o partido Iniciativa Feminista da Suécia conseguiu 13,11% dos votos, pouco abaixo do limite necessário para entrar no Parlamento. Na Dinamarca, a Aliança Vermelho-Verde, liderada por Johanne Schmidt-Nielsen, de 30 anos, viu seu apoio quadruplicar, de 2,2% na pesquisa Gallup em janeiro de 2010 para 9,2% neste mês de novembro.
Nicholas Aylott, professor-associado de política na Universidade Södertörn de Estocolmo, afirma que a razão pela qual a extrema-direita ganhou terreno na Suécia é que, diferentemente da Dinamarca e da Noruega, os partidos políticos estabelecidos se recusam a permitir que a imigração seja um tema político da corrente dominante. “A Suécia é peculiar”, diz ele. “É notável que um partido tão extremista quanto os Democratas suecos possa fazer tal progresso. Suspeito que parte da explicação é o debate muito restrito.”
Fredrik Reinfeldt, líder do Partido Moderado, abriu a campanha eleitoral com um apelo aos suecos para que “abram seus corações” e aceitem um aumento dos solicitantes de asilo. A parcela de votos de seu partido despencou de 30,1% para 23,1%.
Os defensores da abordagem da Suécia afirmam que permitir questões de imigração na política da corrente dominante na Dinamarca e na Noruega apenas deu poder aos populistas. Durante uma década, entre 2000 e 2011, a coalizão governante da Dinamarca contou com o apoio do Partido do Povo Dinamarquês, dando ao partido alavancagem para impor um dos regimes de imigração mais rígidos da Europa.
Na Noruega, o partido Progresso, um partido libertário anti-imigração que já teve como membro o terrorista Anders Breivik, tem sido o parceiro menor na coalizão de governo bipartidária há mais de um ano. O líder do partido, Siv Jensen, que já advertiu sobre a “islamização furtiva”, serve como ministro das Finanças.
Por enquanto não está claro se os Democratas suecos também podem entrar na corrente dominante. Os outros sete partidos da Suécia prometeram até agora não cooperar com eles, apesar de que os 49 assentos do partido seriam suficientes para dar maioria a uma coalizão de esquerda ou de direita. A imigração é um tema tóxico demais para Anna Kinberg Batra, a nova líder dos Moderados, para reverter a posição pró-refugiados de Reinfeldt.
Mas o editor de política do Svenska Dagbladet, o jornal conservador mais sério do país, afirmou na edição de domingo 16 que a questão de quantos solicitantes de asilo a Suécia pode absorver de forma realista precisa ser discutida. É um sinal de que a discussão pode estar prestes a mudar.
Richard Orange, em Estocolmo
Irlanda: Rebelião por aumento excessivo de imposto
A ira pública contra a introdução de cobrança para a água pela primeira vez na história da Irlanda finalmente levou a população a se rebelar contra a política de austeridade. Mais de 100 mil pessoas participaram de uma manifestação de massa contra a cobrança em Dublim neste outono, com números ainda maiores previstos para a marcha até o Dáil (Parlamento) neste mês.
Depois de seis anos suportando impostos adicionais e enormes cortes de gastos para aplacar o FMI e o Banco Central Europeu, que resgataram a Irlanda da falência, até as classes médias dizem que já basta.
Ultimamente, entre os principais partidos, o Sinn Féin foi o que mais se beneficiou em termos de votação – tornou-se até o maior do país, segundo uma pesquisa feita em outubro pelo Sunday Independent, que é tradicionalmente hostil ao movimento republicano. Em uma pesquisa no Irish Times em outubro, o Sinn Féin empatou com o principal partido da coalizão, o Fine Gael, em 24%.
A mais recente revolta nas urnas devolveu o esquerdista Paul Murphy ao Dáil. Em uma corrida apertada, Murphy – do Partido Socialista, herdeiro do ramo irlandês da Tendência Militante – triunfou sobre o Sinn Féin. Mais uma vez, a água foi o tema principal e Murphy venceu porque tinha uma mensagem clara, sem ambiguidades. Enquanto o Sinn Féin enviou sinais mistos sobre se aconselharia os eleitores a burlar a lei e não pagar, Murphy anunciou que ele mesmo não pagaria.
Sempre houve uma tradição de independentes na política irlandesa, mas geralmente eles são eleitos com base em temas locais. Entretanto, o último lote de candidatos de pequenos partidos ao Dáil é de natureza mais ideológica, e vem principalmente da extrema-esquerda, como os socialistas ou o Povo Antes dos Lucros. Que eles consigam formar um bloco parlamentar coeso depois da eleição geral de 2016 – que cai no ano do centenário da Revolta da Páscoa – será uma questão chave para o próximo Dáil.
Enquanto o governo de coalizão Fine Gael-Trabalhista pode apontar uma recuperação da economia e a queda do desemprego, assim como a saída do programa de socorro FMI-BCE um ano atrás, a maré crescente de raiva sobre a água ainda poderá ser fatal para os dois grandes partidos na eleição. E se os resultados das eleições intermediárias e das pesquisas de opinião forem replicados em 2016 o resultado final poderá ser caótico e imprevisível.
O Sinn Féin poderia tentar armar uma nova coalizão com uma série de deputados independentes, principalmente de esquerda, muitos dos quais desconfiam profundamente do Partido Republicano. Outra alternativa poderia ser igualmente inédita: a antes impensável grande coalizão de Fine Gael e Fianna Fáil.
Esse último resultado marcaria a cura de outra grande ferida na história da Irlanda – a curta mas cruel guerra civil de 1921-22, que deu origem aos dois partidos rivais.
Henry McDonald, em Dublim
Espanha: Indignados ocupam o centro do palco
Enquanto o espectro da corrupção pairava sobre seu partido no ano passado, o primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, manteve-se firme. Ele negou redondamente as acusações que ameaçavam derrubar seu governo – de que o Partido Popular (PP) tinha uma gorda caixa com pagamentos de grandes empresas e que pagamentos tinham sido distribuídos a políticos importantes, incluindo o próprio Rajoy.
Ele negou a culpa, afirmando que seu erro foi confiar em Luis Bárcenas, o ex-tesoureiro do partido. “Eu errei ao manter a confiança em alguém que hoje sabemos que não a merecia. Fui traído”, disse Rajoy a membros do Parlamento.
O espetáculo embaraçoso da venalidade nos mais altos níveis do poder foi um banquete para o acadêmico de rabo-de-cavalo que dirige o Podemos, um novo partido que ocupou manchetes em todo o mundo.
Liderado por Pablo Iglesias, de 36 anos, o Podemos cresceu sobre os cinco assentos que conseguiu nas eleições europeias e disparou para o topo das pesquisas de opinião na Espanha em seu primeiro ano de existência. Altamente organizado, e perito no uso da mídia, o partido representa uma ameaça viável à política bipartidária que caracterizou a Espanha nas últimas três décadas.
Iglesias se delicia ao visar o que ele chama de “a casta”, referindo-se ao regime que governa a Espanha desde 1978. Sua forte condenação da classe dominante repercutiu entre os espanhóis, especialmente os 25% de desempregados que ainda não viram qualquer efeito tangível da recuperação econômica pregada pelos líderes do PP. “O discurso deles é emoldurado não como uma questão de direita ou esquerda, mas sim uma de em cima e embaixo”, diz José Pablo Ferrándiz, do grupo de pesquisas Metroscopia. “A questão subjacente – você está sofrendo a crise da mesma maneira que o resto de nós? – realmente agrada à população.”
Com promessas de nacionalizar indústrias importantes, aumentar impostos sobre empresas e reduzir a idade de aposentadoria para 60 anos para aumentar a rotatividade no emprego, o Podemos oferece aos espanhóis um veículo político para canalizar sua ira contra os poderes amplamente acusados de levar o país à crise econômica.
Em novembro, o partido duplicou seu apoio, de 14% em outubro para 28%, segundo uma pesquisa feita para El País, superando os socialistas da oposição em 26% e o PP governante em 21%.
E impossível separar os resultados da série de escândalos de corrupção que dominou as manchetes na Espanha ultimamente. Em outubro, apareceram aproximadamente cinco espanhóis por dia envolvidos em casos de corrupção, incluindo 86 políticos e banqueiros que estão sendo investigados por mau uso de cartões de crédito empresariais da Caja Madrid, gastando mais de 15 milhões de euros em compras de tudo, de alimentos a safáris.
Na semana passada, 32 burocratas em províncias de todo o país foram presos por supostamente aceitar propinas em troca de contratos, enquanto dois socialistas que já ocuparam altos cargos na Andaluzia foram convocados ao tribunal para responder a perguntas em uma investigação sobre centenas de milhões de euros em dinheiro público distribuídos em pagamentos falsos.
Enquanto o Podemos promete expurgar a corrupção, o governante PP tentou minimizar sua existência. Rajoy disse ao Parlamento no mês passado: “Não vamos dar a impressão – porque não é a realidade – de um país mergulhado na corrupção. Isso não é verdade”.
Entre essas reações diferentes está uma das maiores forças do Podemos, diz Ferrándiz. Apontando temas como a transparência e a participação cidadã, ele diz: “Eles obrigaram outros partidos políticos a começar a considerar seriamente medidas que nunca haviam imaginado”.
Enquanto isso, na Catalunha, onde o discurso da independência tem dominado o cenário político, outro partido insurgente parece destinado a ganhar terreno. Pesquisas mostram que o partido pró-independência Esquerda Republicana da Catalunha ganharia as eleições, derrubando a coalizão Convergência e União e deixando Madri a enfrentar um governo mais seriamente comprometido com a independência.
Ashifa Kassam, em Madri
Da Carta Capital