A jornada e a cidadania
A história da luta pela redução da jornada de trabalho é secular. Data do próprio surgimento do trabalho assalariado. Mas, foram em momentos de crise como os que vivemos atualmente no Brasil, que os trabalhadores acabaram avançando. O leitor tem acompanhado o longo processo de mobilização e discussão que os 9800 trabalhadores da Mercedes Benz vem desenvolvendo dentro da empresa para tentar contornar uma nova maré de demissões que ameaça agora 1200 trabalhadores da sua unidade de São Bernardo.
É dentro deste processo que os trabalhadores da Mercedes acabam de dar um importante passo na garantia de sua condição de cidadãos: conquistaram a redução da sua jornada de trabalho das atuais 42 horas para 40 horas semanais (sem redução de salários). A jornada oficial no Brasil, consagrada pela Constituição de 1988, e praticada também na maior parte das empresas da nossa região, ainda está em 44 horas semanais.
Para os trabalhadores da Mercedes, serão mais duas horas semanais para descanso e lazer com a família. Serão mais algumas centenas de horas anuais para a construção de sua cidadania e integração à vida social, cultural e política da região. E, ainda mais importante: a redução das duas horas semanais na Mercedes, sem redução de salário, implica na manutenção de 350 postos de trabalho, uma contribuição significativa para a solução do problema dos 1200 excedentes levantados pela empresa.
A contrapartida exigida pela empresa e aceita pelos trabalhadores representa também um avanço do ponto de vista da luta por condições mais dignas de trabalho. As horas extras que venham a ser requisitadas individualmente para o dia de sábado serão computadas no sistema de folgas para serem compensadas como descanso durante a jornada normal. Ou seja, o trabalhador será induzido a rejeitar a hora extra, o que também é uma forma de reduzir a jornada real muitas vezes mascarada pelo volume de horas extras trabalhadas.
Quem acompanha esta coluna todas as semanas sabe que nosso Sindicato não tem economizado esforços na defesa do emprego nas montadoras. Sabemos que, ao defender estes postos de trabalho, estamos também garantindo a sobrevivência das pequenas e médias empresas da região. E não apenas das empresas metalúrgicas, mas de todos os segmentos da economia. Por isto, esperamos que a decisão do BNDEs de abrir linha de financiamento da ordem de R$ 400 milhões para estimular a venda de caminhões possa reverter de vez a decisão da Mercedes de fechar mais postos de trabalho na região.
Aqui no ABC a luta pela redução da jornada de trabalho na categoria metalúrgica foi iniciada com uma greve geral em 1985. Depois daquela que foi a maior greve geral realizada pelos metalúrgicos da região em toda sua existência, greve que durou 54 dias, nós conseguimos reduzir nossa jornada, então em 48 horas para 40 horas em algumas fábricas. Em outras a redução ficou em 44 ou 45 horas semanais. Foi esta luta que acabou levando a Constituinte de 1988 a consagrar em seu texto a jornada legal de 44 horas.
Por tudo isto, a conquista dos trabalhadores da Mercedes nos estimula a dar continuidade à luta que também é da nossa Central Única dos Trabalhadores para estender a jornada de 40 horas semanais a toda a categoria metalúrgica. Ela nos lembra também que, na Europa, as jornadas já estão reduzidas a 35 horas. É este o novo patamar pelo qual vamos lutar nas fábricas onde já conquistamos a jornada de 40 horas.
O avanço da jornada na Mercedes é também uma oportunidade para lembrar aos nossos representantes no Congresso Nacional seu compromisso com a adoção da jornada de 40 horas semanais como jornada oficial de trabalho para nosso País.
Além de conquista fundamental na condição de cidadania dos trabalhadores, o leitor sabe que redução de jornada é decisão estratégica na geração de novos empregos numa economia em que o nível de desemprego já alcança um em cada cinco trabalhadores.