“A lei estabelece direitos mínimos porque, a partir daí, o céu é o limite no processo de negociação”

Confira os principais pontos do ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, e do presidente do TST, Lelio Bentes Corrêa, no simpósio “Democracia e diálogo social nas relações de trabalho” e em entrevista à Tribuna

Foto: Adonis Guerra

Na última sexta-feira, dia 19, o Sindicato sediou o simpósio “Democracia e diálogo social nas relações de trabalho”, organizado em conjunto com o MPT (Ministério Público do Trabalho).

A conferência de encerramento contou com o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, e com o presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho), Lelio Bentes Corrêa, que também conversaram com a Tribuna. Acompanhe os principais trechos.

A íntegra da transmissão do simpósio pode ser conferida nas redes sociais dos Metalúrgicos do ABC e do MPT.

LUIZ MARINHO

Ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho foi presidente dos Metalúrgicos do ABC, presidente da CUT, ministro da Previdência Social, prefeito de São Bernardo e deputado federal.

Foto: Adonis Guerra

Reconstrução do país

“A principal conquista recente foi o restabelecimento do processo democrático. O registro do resultado eleitoral de outubro passado tem que ser valorizado em um processo de reconstrução do país.

Somos vítimas do racismo estrutural e preconceitos contra as pessoas LGBTQIA+, contra a juventude periférica, contra as mulheres. Ele é estrutural, mas se agravou no período de trevas na história recente do país.

A partir do golpe contra a presidenta Dilma aconteceu um processo de perseguição contra os lutadores e lutadoras pela democracia brasileira levando a um resultado às eleições de 2018 um grande prejuízo para o conjunto do povo brasileiro.”

Negociação coletiva

“Hoje temos uma legislação em vigor que trouxe a perversidade de dizer que o indivíduo pode negociar com o seu empregador e a regra que o negociado pode se sobrepor ao legislado. A lei estabelece direitos mínimos porque, a partir daí, o céu é o limite no processo de negociação. O absurdo é que, na reforma trabalhista do governo golpista e aprimorado pelo governo das trevas, você pode negociar individualmente. Portanto, é necessária uma revisão. Há a necessidade de revisar essa legislação trabalhista, não precisa ser na sua plenitude, mas tem questões essenciais.

Uma delas é o papel dos sindicatos. Não existe negociação coletiva sem sindicatos fortes, representativos. Graças aos sindicatos organizados que preservamos muitos direitos, mas a tal reforma trabalhista, que diziam que iria gerar empregos e resolver o problema do desemprego, veio agravar a situação do desemprego no país. ”

Realidade do trabalho

“Estamos trabalhando firmemente para virar essa página e construir outra que fale de respeito, de valorizar trabalho, que fale que a precarização acontecida tem que ser revista, que fale da necessidade de restabelecer a ultratividade dos contratos.

Para valorizar a negociação coletiva, criamos o grupo tripartite com representantes de trabalhadores e empregadores. É mostrar ao Congresso que não é chororô dos sindicatos, é a realidade da sociedade brasileira e do mundo do trabalho. Tem empresários sérios dizendo que do jeito que está não dá, é preciso fortalecer a relação de trabalho, a negociação coletiva e o papel dos sindicatos representativos e negociadores.

Nos Estados Unidos, quem não é sócio não tem direito ao contrato coletivo, o patrão dá para ele o que quiser. No Brasil, o acordo coletivo vale para todos os trabalhadores e trabalhadoras. O sindicato não representa só os seus trabalhadores diretos, muitas vezes representa a luta pelo processo democrático da cidade, do bairro e até nacionalmente. ”

Oportunidades

“A realidade mudou muito, com as novas tecnologias, inovações, sustentabilidade. Tem todo um debate global de veículos elétricos e acho que o Brasil tem a oportunidade de um processo de transição por algumas décadas baseado em uma tecnologia que o Brasil é pioneiro e altamente competitivo, que é o papel do álcool no carro elétrico. Acho que esse é um processo importante e que o Sindicato vem dando show nesse debate tecnológico.”

Geração de empregos

“O presidente Lula anunciou a retomada de 14 mil obras paradas, além das novas obras e novos anúncios, investimentos na educação, saúde, cultura, esporte, políticas públicas que como um todo geram empregos e um processo em cadeia de retomada da economia.  Nos primeiros três meses tivemos saldo positivo de 526 mil empregos. Para a economia voltar a voar, precisamos que o Banco Central dê a sua contribuição e reduza os juros.”

Valorização do trabalho

“A sociedade precisa refletir sobre isso para que tenhamos condições de fazer o enquadramento correto para que o trabalho seja valorizado. É preciso falar em regulação e erradicação do trabalho análogo à escravidão. É preciso virar essa página em respeito aos direitos humanos, é preciso ter um movimento da sociedade de basta, queremos erradicar o trabalho escravo e a exploração da mão de obra infantil.”

Categoria

“Esta categoria inspira esperança, inovação e criatividade o tempo todo. Podem esperar da gente muita dedicação e lealdade em um processo de transformação da sociedade brasileira e consolidação do processo democrático. Isso depende de muita luta, esperamos que o Sindicato colabore com esse processo para gerar emprego de qualidade, investimentos na educação, saúde, cultura, esporte, moradia, transporte, qualidade de vida, um conjunto das políticas públicas tão necessárias para elevar a condição de vida das famílias.”

Foto: Adonis Guerra

LELIO BENTES CORRÊA

Presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho) e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, integrou o Conselho Nacional de Justiça e a Comissão de Peritos em Aplicação de Normas Internacionais da OIT (Organização Internacional do Trabalho), foi corregedor-geral da Justiça do Trabalho.

Movimento sindical

“Em 1978, a greve de braços cruzados e máquinas paradas era muito mais que um movimento de reivindicação trabalhista, mas que marcava uma postura democrática em um ambiente autoritário ainda sob a ditadura militar.

Trouxeram à tona e evidenciaram para todo o Brasil os efeitos nefastos e excludentes do alardeado milagre econômico da ditadura militar, que era milagre para alguns, para outros tantos era o aprofundamento do abismo social instaurado entre ricos e pobres no nosso país.

E é desse processo de luta e resistência que resultaram ganhos importantes hoje consagrados no próprio texto constitucional e que não podem ser apequenados pela atuação do judiciário.”

Poder Judiciário

“Eu diria que há, sim, um papel a ser cumprido pelo Poder Judiciário na promoção do patamar civilizatório nas relações de trabalho, no processo de combate à exclusão, sobretudo, reconhecendo a esses trabalhadores e trabalhadoras os direitos que lhes são assegurados na condição de cidadãos e cidadãs, mas, indubitavelmente, o caminho da reivindicação, o caminho do diálogo social e de enfrentamento é fundamental na construção de conquistas.

E essa capacidade sofreu um desgaste importante nos últimos anos, seja pela edição de uma legislação que desprestigia a negociação coletiva, que introduz a possibilidade de renúncia individual a direitos assegurados coletivamente, seja pela tentativa de estrangulamento das fontes de custeio das entidades sindicais.”

Imposto sindical

“Sempre defendi a extinção do imposto sindical como medida necessária a que se assegurasse o caráter democrático às representações sindicais, evitando a eternização de grupos de poder e, às vezes, até de indivíduos. Mas da forma como essa medida foi introduzida, sobretudo no contexto em que a jurisprudência tanto do Tribunal Superior do Trabalho quanto do Supremo Tribunal Federal impediam a cobrança da contribuição assistencial dos não associados, sem dúvida teve um efeito trágico.

A redução de filiados no país de 2016 a 2019 foi de cerca de 23%, não preciso citar a quantidade de sindicatos que fecharam as portas por falta de meios para a sua sobrevivência. Falar de diálogo social é importante e necessário, mas é imprescindível que se restabeleça a normalidade com relação à organização da classe trabalhadora e empresarial e, particularmente, se assegurem meios para o exercício dessa sua missão.”

Combate às fraudes trabalhistas

“Em relação a combater as fraudes ao próprio trabalho escravo e infantil, a jurisprudência do Tribunal tem sido muito firme, inclusive impondo sanções rigorosas. Temos indenizações por danos morais com relação ao trabalho escravo por volta de R$ 20 milhões, por exemplo.

Com relação à reforma trabalhista, isso depende mais da atuação do Congresso Nacional porque é uma lei que foi devidamente votada e sancionada pelo Poder Executivo, mas os juízes e juízas do Trabalho têm o dever de examinar essas leis sob a ótica dos compromissos internacionais que o país assumiu e também da Constituição da República, ou seja, o exame de constitucionalidade e de convencionalidade. Então, são discussões ainda em curso no âmbito do Poder Judiciário.”

80 anos da CLT

“O primeiro desafio é reafirmar a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) como um documento fundamental de inclusão social, de valorização da dignidade de trabalhadores e trabalhadoras. A CLT é o nosso documento fundamental e, claro, aperfeiçoamentos podem ser introduzidos, mas sempre passando por um processo amplo de debate tripartite – com trabalhadores, empregadores e governo – para que tenhamos alterações realmente legítimas e no interesse da sociedade.

O que se espera agora é que a proteção da CLT seja ampliada para alcançar grupos que hoje estão excluídos dessa proteção. Aperfeiçoar a proteção das trabalhadoras domésticas é fundamental, alcançar os trabalhadores em plataformas e os do mercado informal, sendo 50 milhões de pessoas sem nenhum tipo de proteção ou garantia. Isso é altamente contraproducente para o desenvolvimento do país.”