A luta pelo direito à greve não terminou

OIT recorre ao Tribunal de Haia para consolidar direito à greve

Por Jamil Chade, especial para a Tribuna Metalúrgica

Foto: Adonis Guerra

Mais de cem anos após a criação da OIT (Organização Internacional do Trabalho), da mobilização de movimentos sociais, protestos e dezenas de leis criadas pelo mundo, a luta dos trabalhadores se faz mais necessária do que nunca.

No último dia 10 de novembro, a OIT testemunhou uma votação na qual governos, empregadores e trabalhadores examinavam um assunto tão antigo quanto relevante: o direito à greve, que continua sendo alvo de questionamentos.

A entidade se reuniu em caráter extraordinário para decidir se iria recorrer à Corte Internacional de Justiça em Haia para que haja, finalmente, uma definição jurídica do direito à greve.

Há décadas, essa tem sido uma das questões mais controversas na OIT, cuja governança tripartite de governos, trabalhadores e empregadores é única no sistema da ONU.

Foto: Arquivo SMABC- 03/abr/1980

Após anos de tentativas infrutíferas de resolver a questão internamente, governos e o grupo dos trabalhadores fecharam uma aliança para pôr um fim definitivo à disputa e resolver a questão de uma vez por todas. A decisão foi a de ir perante à Corte Internacional, o mais alto tribunal da ONU, obter da Justiça um parecer definitivo.

Neste fim de semana, numa votação do Conselho da OIT, a ideia de levar o caso ao tribunal foi aprovada por 33 votos a favor, entre eles o do Brasil.

Um parecer consultivo da Corte sobre a questão seria obrigatório para todos os Estados Membros da OIT e, finalmente, o direito à greve seria reconhecido por todos.

Numa aliança inusitada, China, Rússia e toda a bancada de empregadores foram contra. Juntos, eles formaram 21 votos.

De acordo com o sindicato internacional ITUC, o direito de greve foi retirado da Constituição chinesa em 1982. “O governo frequentemente usa leis de ordem pública para reprimir ativistas legais e sindicalistas. Não é possível que um trabalhador participe de uma greve ou manifestação legítima sem violar a lei chinesa que proíbe a perturbação da ordem pública”, afirma. “Além disso, é comum que o promotor público e o tribunal considerem as ações industriais realizadas pelos trabalhadores como violações da segurança pública, e não como o exercício de direitos fundamentais”, afirma o sindicato.

A Rússia, por outro lado, não está disposta, neste estágio da guerra na Ucrânia, a se envolver ou a encaminhar qualquer questão ao sistema de justiça internacional. Mas há também uma justificativa trabalhista para sua decisão de não apoiar o encaminhamento.

Foto: Adonis Guerra

A legislação russa estabelece obstáculos burocráticos que dificultam a greve legal dos sindicatos. As greves devem se concentrar apenas em questões trabalhistas coletivas e não podem tratar de políticas estatais.

Em uma declaração publicada no dia 13 de novembro, a IOE (Organização Internacional de Empregadores) justificou seu voto contrário aos recursos em Haia.

“Essa medida prejudica a legitimidade e a autoridade da Conferência Internacional do Trabalho, estabelecendo um precedente para que órgãos externos introduzam interpretações e regras contrárias às intenções dos redatores”, afirma o Grupo de Empregadores. “Esse encaminhamento põe em risco a confiança na previsibilidade das obrigações previstas nas Convenções ratificadas e, fundamentalmente, não aborda a lacuna regulatória do direito de greve na OIT, uma preocupação central nas relações industriais”, afirmam.

O argumento dos empregadores não convenceu os trabalhadores e nem os governos, como o do Brasil. Os países que apoiaram a ideia temem que, sem clareza jurídica, a cisão profunda que se estabeleceu na OIT se arraste por anos e acabe com a credibilidade da entidade. Isso afetaria negativamente sua capacidade de implementar normas trabalhistas.

Sem essa credibilidade, a relevância e a influência do órgão trabalhista da ONU ameaçam desaparecer.

Em trocas diplomáticas e comunicações obtidos por essa reportagem, os governos que pediam um encaminhamento urgente à Corte Internacional de Justiça da ONU – Argentina, Barbados, Brasil, Islândia, Noruega, África do Sul e UE – enfatizavam que “após mais de uma década de tentativas fracassadas de encontrar uma solução, ter clareza jurídica tornou-se uma questão de urgência”.

Eles lembraram que as repetidas tentativas de diálogo social não conseguiram superar a disputa. A solicitação sem precedentes de encaminhar a disputa à Corte provocou previsivelmente a ira do grupo dos empregadores, deixando a liderança da OIT abalada por novos conflitos em um momento em que já enfrenta alguns desafios urgentes.

O que está em jogo?

A questão jurídica gira em torno da interpretação da Convenção 87 da OIT, um texto fundamental que garante a liberdade de associação e a proteção do direito de organização.

Desde a sua adoção em 1948, o Comitê de Peritos na Aplicação de Convenções e Recomendações da OIT, um órgão independente e altamente respeitado de especialistas jurídicos, tem considerado que o direito de greve é o corolário lógico da Convenção 87 e decorre dela, embora o texto não faça referência direta a ele.

A interpretação foi integrada às jurisdições internacionais e nacionais. A liberdade de associação também está incluída na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e o direito de greve é explicitamente mencionado no artigo 8 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966.

A partir do final dos anos 80, encorajados pela revolução neoliberal da era Reagan-Thatcher, os empregadores questionaram cada vez mais essa visão, desafiando a posição do órgão supervisor de interpretar as convenções da OIT.

A tensão eclodiu em um grande confronto durante a Conferência Internacional do Trabalho de 2012, interrompendo o processo. Arquivos revelam que a Confederação Sindical Internacional acusou os empregadores de “tentar minar um dos mecanismos de direitos humanos mais eficazes do sistema de direitos humanos”.

Lula reverteu decisão de Bolsonaro

No caso brasileiro, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, assinou uma carta na qual pede que, “de forma urgente”, o caso da ação no tribunal seja incluído na agenda de debates.

A Corte Internacional de Justiça tem sua sede em Haia. Mas não deve ser confundida com o Tribunal Penal Internacional, que fica na mesma cidade. Ambas, porém, representam esforços de garantir que a ordem internacional esteja baseada em regras válidas para todos.

Para observadores, a decisão do governo Lula revela que existe uma aposta no sistema de tribunais e do direito internacional.

“Muitas tentativas foram feitas para superar a disputa de anos, inclusive por meio de um diálogo social”, escreveu Marinho, numa carta de 13 de junho. “Apesar desses esforços, um resultado de consenso não foi obtido”, lamentou. Por essa razão, ele apoia a ideia de que a disputa seja “colocada diante da Corte Internacional de Justiça”.

“Entendemos que, sem uma certeza legal, essa disputa continuará a ter um impacto danoso para o sistema de supervisão, a credibilidade da OIT e implementação de padrões trabalhistas”, escreveu.

O debate já estava em andamento nos últimos anos. Mas, por decisão da chancelaria bolsonarista, o Brasil optou por não se aliar ao grupo que solicitava recorrer a um tribunal internacional.

Agora, sob Lula, a instrução foi a de se aliar no pedido para que o caso chegue até Haia. Na solicitação conjunta, governos e trabalhadores apontam que a OIT “não deve hesitar em depositar mais uma vez sua confiança na Corte Mundial”.